Manejo da pancreatite aguda na pediatria

A incidência de pancreatite aguda na pediatria aumentou nos últimos anos com 13,2 casos para 100 mil habitantes nos Estados Unidos.

Em outubro de 2020, a revista Pediatrics in Review publicou uma revisão sobre Pancreatite em outubro de 2020. A incidência de pancreatite aguda pediátrica aumentou nos últimos anos com incidência de 13,2 casos para 100 mil habitantes nos Estados Unidos da América. Neste artigo, vamos trazer os destaques desta revisão principalmente para diagnóstico e tratamento.

Leia também: Novo teste rápido para diagnóstico da pancreatite aguda pode ser eficaz?

Criança com pancreatite na área de pediatria do hospital sendo atendida

Como classificamos e diagnosticamos pancreatite?

A pancreatite pediátrica é classificada conforme INSPIRRE INternational Study Group of Pediatric Pancreatitis: In search for a cuRE) em aguda (PA), aguda recorrente (PAR) e crônica (PC).

O diagnóstico de pancreatite aguda (PA) requer que no mínimo 2 dos 3 critérios abaixo sejam preenchidos:

  1. Dor abdominal sugestiva de PA*;
  2. Amilase e/ou lipase séricas com níveis ≥ 3 vezes mais que o limite superior**; e
  3. Imagem radiológica sugestiva de PA (ex. alteração parenquimatosa no pâncreas, obstrução biliar e líquido peripancreático aumentado).
*68% a 95% dos casos pediátricos tem dor abdominal, sendo que ocorre epigastralgia em 65% a 89% dos casos e 1,6% a 5,6% tem irradiação para a região lombar. Já os lactentes e os pré-escolares apresentam irritabilidade e vômitos.
**A lipase sérica é mais sensível que a amilase sérica para o diagnóstico, pois estão respectivamente aumentadas em 77% a 100% versus 50% a 85% dos casos. Além disso, enquanto a amilase sérica aumenta em 6 a 12h do início da pancreatite e cai em 3 a 5 dias, a lipase sérica aumenta no 1º dia da pancreatite e persiste elevada por 14 dias.

Já a Pancreatite Aguda Recorrente (PAR) é definida por pelo menos dois episódios de pancreatite aguda em um ano com intervalo de melhora, sem dor e normalização de amilase e lipase pancreáticas, ou por mais de três episódios de pancreatite aguda na vida sem evidência de pancreatite crônica. PAR pode ocorrer em 10 a 35% após o primeiro quadro de PA.

Pancreatite crônica é definida por imagem radiológica típica associada com:

  • Dor abdominal típica de pancreatite,
  • Insuficiência pancreática endócrina OU
  • Insuficiência pancreática exócrina.

Qual é a fisiopatologia da pancreatite?

A pancreatite é desencadeada por cascata de citocinas inflamatórias decorrente de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) que provocam hipercalcemia intracelular pancreática com ativação de tripsinogênio em tripsina. A tripsina também ativa outras pró-enzimas digestivas ainda no pâncreas promovendo autodigestão pancreática.

Quais são as causas de pancreatite?

Pode ser causada por distúrbios: biliares, sistêmicos, infecciosos, traumáticos, estruturais, idiopáticos, medicamentosos e genéticos, autoimunes.

Quais exames radiológicos podem ser solicitados para pancreatite?

Ultrassonografia (USG) de abdome é o primeiro exame radiológico a ser solicitado na suspeita de PA, porque não irradia, é efetivo no diagnóstico em 56% a 84% e pode identificar colelitíase e fluido peripancreático.

Ultrassonografia endoscópica (USE) pode identificar pseudocistos ou pancreatite biliar em maiores de 5 anos de idade. Não está disponível em muitas instituições. A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pode ser feita com a USE para tratamento, mas tem risco de pancreatite (9,7%), hemorragia e perfuração.

A colangiopancreatofia por ressonância magnética está indicada quando a USG de abdome sugerir PA autoimune, recorrente ou PC. É mais segura que a CPRE. Tem grande capacidade de avaliar coledocolitíase, anormalidades congênitas ductais, pâncreas divisum, tumores biliares e pancreáticos.

Tomografia computadorizada abdominal com contraste é indicada diante de paciente grave com piora do quadro ou diagnóstico incerto de PA grave para avaliar a possibilidade de necrose ou sangramento idealmente com pelo menos 72 a 96 horas do início do quadro de PA.

Saiba mais: Como realizar o manejo da Pancreatite Aguda Grave?

Qual é o tratamento da pancreatite aguda?

O tratamento de pancretite aguda é de suporte baseado em ressuscitação volêmica principalmente, analgesia, nutrição e, se necessário, abordagem das vias biliares.

A ressuscitação volêmica promove correção da hipovolemia, aumenta a perfusão pancreática incluindo da microcirculação e diminui o risco de necrose. Não é estabelecido se é melhor fazer a expansão volêmica com soro fisiológico ou ringer lactato. Ressuscitação volêmica agressiva reduz a necessidade de admissões em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica, o tempo de internação e melhora a recuperação clínica.

A analgesia deve ser correspondente à intensidade da dor. No caso de dor leve, usar analgésicos comuns e, se dor grave, usar opioides. Alguns estudos sugerem que as crianças com PA que usaram opioides necessitaram de analgesia por menos tempo.

Recomenda-se iniciar nutrição precocemente em 24 a 48 horas do início de quadro de PA. O início de dieta precoce regular em pancreatite leve reduz o tempo de internação. Não há benefício do uso de dieta de líquidos claros ou dieta zero. Preferir dieta oral normal, mas, se o paciente não tolerar, prescrever dieta polimérica (se não houver alergia alimentar) via cateter nasogástrico ou nasojejunal, não há diferença entre a posição do cateter. Só prescrever nutrição parenteral para intolerantes à dieta enteral como pacientes com fístula pancreática, ducto pancreático perfurado, íleo paralítico ou síndrome compartimental abdominal.

Antibioticoprofilaxia não é recomendada na PA, mesmo em PA grave ou na presença de necrose, que geralmente é estéril. Antibioticoterapia está indicada em infecção sistêmica, colangite e suspeita de necrose infectada. Idealmente, deve ser feita punção aspirativa por agulha fina para diferenciar necrose pancreática estéril de infectada. Carbapenêmicos, fluoroquinolonas e metronidazol são os antibióticos mais usados.

São indicações de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): colangite, lama biliar causando pancreatite biliar, coledocolitíasee obstrução ductal pancreática ou biliar.

Quais são as possíveis complicações?

Podem ocorrer complicações locais (ex. pseudocisto, necrose pancreática e abscesso) e sistêmicas como choque séptico, sepse grave, perfuração, obstrução ou sangramento intestinal, e outros.

Qual é o tratamento da pancreatite crônica?

Diante de agudização do quadro, o tratamento é semelhante ao de PA e, se houver clínica de insuficiência pancreática exócrina, fazer reposição de enzimas pancreáticas. É possível avaliar essa insuficiência e mal absorção de gordura pela aferição de elastase pancreática I ou teste para avaliação de gordura fecal de 72 horas.

A dieta entre as exacerbações dever ser normal com 35 a 40% de gorduras, 20% de proteínas e 40% a 45% de carboidratos. Seguir acompanhamento clínico ambulatorial com avaliação ponderoestatural, dosagem de vitaminas A, 25 hidroxivitamina D, E e K a cada 6 a 12 meses, adiantar a dosagem para 3 meses se necessitar de ajustar as reposições.

Para analgesia diante de PC, além das medicações para dor aguda, lembrar também de contemplar dor neuropática com medicamentos como amitriptilina, pregabalina ou gabapentina.

Conclusão

Diante de um paciente de quadro de dor abdominal intensa principalmente epigástrica, uma das hipóteses diagnósticas é a pancreatite aguda.  A investigação inicial pode ser feita com dosagem de amilase e lipase séricas associado à ultrassonografia de abdome. O tratamento é de suporte e destacamos que as diretrizes atuais recomendam a prescrição de dieta normal precocemente idealmente por via oral.

Referências bibliográficas:

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