Manejo das alterações tireoidianas na gestação

O manejo das alterações tireoidianas na gestação é um tema muito frequente e capaz de gerar dúvidas até mesmo nos especialistas.

No início de junho abordamos um tema muito frequente e capaz de gerar dúvidas até mesmo nos especialistas, que é o manejo das alterações tireoidianas na gestação. Na publicação anterior, abordamos a importância e as minúcias no cuidado do hipotireoidismo e hipotireoidismo subclínico. Hoje, focaremos nos cuidados ao diagnosticar um hipertireoidismo, o manejo de nódulos e câncer de tireoide em linhas gerais na gestação e ainda, sobre como diagnosticar tireoidites pós-parto. A base do texto foi a revisão publicada em janeiro de 2022 na Nature Endocrine Reviews a respeito do tema.

Manejo das alterações tireoidianas na gestação

Hipertireoidismo

As duas principais causas de hipertireoidismo na gestação são Doença de Graves (prevalência estimada em 0,05%) e tireotoxicose transitória da gestação (TTG) (prevalência estimada em 2 a 11%). É fundamental fazer a distinção entre as condições.

A TTG é causada por altos níveis de bHCG, sobretudo no início da gestação e comumente associada a quadro de hiperêmese. Ambas vão se apresentar com perfil de TSH suprimido (não esquecer que é muito comum a redução fisiológica do TSH, porém nesses casos o não há elevação do T4 livre, tampouco há sintomas!) e T4l elevado. Uma pista inicial pode ser a razão T3/T4 > 20:1 na Doença de Graves, devido à produção preferencial por T3 nessa condição, e < 20:1 na TTG, onde os níveis de T3 não costumam se elevar tanto. Além disso, os sintomas no Graves podem se iniciar antes da gestação e é possível que a paciente perceba isso.

Mas as principais pistas continuam sendo os principais critérios para se diagnosticar Graves: TRAb positivo e oftalmopatia.

A TTG é uma condição benigna, que tende a ser autolimitada e se resolve ao final do primeiro trimestre, não estando associada a piores desfechos gestacionais. O tratamento deve ser sintomático.

Ouça também: Highlights do ENDO 2022 [podcast]

Já o hipertireoidismo causado pela doença de Graves deve ser tratado, uma vez que pode trazer consequências à gestação como por exemplo, pré eclâmpsia, maior risco de abortamento, insuficiência cardíaca materna, trabalho de parto prematuro, baixo peso ao nascer e hipertireoidismo fetal.

Vale a pena lembrar que o hipertireoidismo subclínico não está associado a desfechos adversos comprovados.

Nódulos Tireoidianos 

A prevalência de nódulos tireoidianos na gestação varia entre 3 e 29%. Idade mais avançada, ingestão de iodo insuficiente ou excessiva e maior paridade podem aumentar o risco. Na gestação, os nódulos podem crescer, sobretudo mediante o estímulo do hCG (esse fenômeno pode também levar a uma discreta hiperplasia da glândula com aumento de volume). O exame de escolha continua sendo o ultrassom, com os mesmos critérios para definição da necessidade de PAAF, que é um procedimento seguro na gestação. Nódulos benignos devem ter a mesma conduta de fora da gestação, enquanto nódulos BETHESDA III devem ter a PAAF repetida. Em casos de TSH supresso além da 16ª semana associado a um nódulo, há suspeita de um adenoma tóxico. Neste caso, pela alta probabilidade de benignidade, a PAAF pode ser postergada para após o parto, quando é possível realizar a cintilografia para esclarecer se de fato se trata de um nódulo quente.

Considerando o alto estresse associado a um possível diagnóstico de câncer e o bom prognóstico global, em alguns casos é possível adiar a PAAF para depois da gestação, caso a paciente prefira, com dados de estudos mostrando que essa prática não gera pior impacto em desfechos como sobrevida global, mudanças no volume tumoral ou desenvolvimento de metástases linfonodais.

Câncer de Tireoide  

A incidência de câncer de tireoide vem crescendo em mulheres jovens. Dados dos EUA (entre 1991 e 1999) mostram que o câncer de tireoide foi o segundo mais diagnosticado no período perinatal, totalizando uma incidência entre 1 ano antes e 1 ano depois do parto, aproximadamente 17 casos a cada 100.000 mulheres.

Mais importante, o seguimento da mesma coorte mostrou que não houve piora nos desfechos maternos ou neonatais em mulheres diagnosticadas com câncer nesse período e também não houve um impacto na sobrevida.

A ATA considera que a maior parte de mulheres com câncer bem diferenciado de tireoide (CDT) pode manter uma vigilância ativa com USG seriado. Caso se observe um crescimento tumoral ou surgimento de metástases, deve ser considerado o tratamento cirúrgico no meio da gestação (2º trimestre), onde é mais segura. Os demais subtipos (medular e anaplásico) devem ser submetidos a tratamento cirúrgico, considerando sua natureza mais agressiva.

Se houver indicação de radioiodoterapia (RIT), esta deve ser postergada até o pós-parto. A glândula mamária também expressa a NIS, que faz o simporte de sódio e iodo e portanto, acumula iodo radioativo. Nesses casos, é importante suspender o aleitamento materno no mínimo 6 semanas a 3 meses antes do tratamento com iodo.

O antecedente de um CDT não contraindica a gestação de forma global. Dados de uma coorte coreana de 2006 a 2014 sugeriram não haver piores desfechos na gestação. Um estudo norte-americano, por sua vez, mostrou que gestantes que apresentavam resposta excelente ou indeterminada não tiveram impacto negativo no controle do câncer. Já dentre as pacientes com resposta estrutural incompleta, 29% tiveram progressão de doença. Portanto, nesse caso, é necessário ter cautela. A recomendação é de seguimento usual caso resposta excelente ou indeterminada, reavaliação mais frequente se resposta bioquímica incompleta. Casos de resposta estrutural incompleta devem ser individualizados e explicados à paciente.

Saiba mais: ENDO 2022: Tratar hipotireoidismo com levotiroxina é suficiente

Quanto aos alvos de TSH, como já foi bem demonstrado que o hipertireoidismo subclínico não traz consequências à gestação, não há problemas em se manter uma terapia supressiva com levotiroxina.

Tireoidite pós-parto

A tireoidite pós-parto pode ocorrer em até 8% das mulheres até 1 ano após a gestação. É uma tireoidite destrutiva, que em geral ocorre 4 a 8 semanas após o parto. Pode afetar mesmo após um abortamento e também pode acometer quem já tem hashimoto e usa levotiroxina. É mais comum em quem tem anti-TPO positivo.

Como outras tireoidites, acontecem fases diferentes. A primeira fase se apresenta como uma tireotoxicose, resultante da inflamação tireoidiana e liberação dos estoques de hormônios. Essa fase dura cerca de 1 a 2 meses e o tratamento é de suporte. Após, pode ocorrer uma fase de hipotireoidismo transitório, sendo que até 50% pode desenvolver um hipotireoidismo permanente, com risco maior em pacientes com anti-TPO positivo. Em 70% das vezes há recorrência nas gestações seguintes.

Conclusão

As doenças da tireoide na gestação são um capítulo à parte devido às diversas alterações hormonais próprias do período, sobretudo o aumento do estrógeno e do hCG. Tais pacientes devem ser seguidas por um endocrinologista quando houver qualquer dúvida, a fim de evitar tratamentos desnecessários e que podem gerar consequências indesejáveis.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Lee SY, Pearce EN. Assessment and treatment of thyroid disorders in pregnancy and the postpartum period. Nat Rev Endocrinol. 2022 Mar;18(3):158-171. DOI: 10.1038/s41574-021-00604-z.

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