Médicos brasileiros são os que mais pedem exames

Os exames laboratoriais e radiológicos são peças fundamentais no diagnóstico e tratamento de diversas patologias e formam os pilares da Medicina moderna e do progresso nos últimos 30 anos.

Na prática clínica, os exames laboratoriais e radiológicos são peças fundamentais no diagnóstico e tratamento de diversas patologias e formam os pilares da Medicina moderna e do progresso nos últimos 30 anos.

Não há dúvida que desde coisas simples como hemoglobina glicada e lipidograma até intervenções complexas, como colonoscopia aos 50 anos, foram inovações que contribuíram para detecção precoce de doenças, maior chance de cura e, com isso, maior sobrevida. O objetivo desse texto não é ir contra a maré. O problema está com tudo aquilo que é bom em nossa vida: gostamos tanto, que o uso se torna excessivo.

Há 30 anos, os bons livros de semiologia eram compostos de dois grandes volumes, do tamanho de um Harrison. Havia milhares de sintomas e sinais para auxiliar o médico a obter o diagnóstico correto. Afinal, tínhamos apenas exames laboratoriais, radiografia simples e ultrassom para nos ajudar e a história e o exame físico eram as peças fundamentais no raciocínio clínico.

Hoje, os livros de semiologia resumem-se a um volume, por vezes metade de um Porto ou um Mario-Lopez. Os alunos perguntam: precisa aprender isso? Usamos na prática? E a verdade é que muita coisa não se usa mais mesmo. Até a proposta de associar o ultrassom à propedêutica semiológica vem ganhando força. Aqui, é preciso também pontuarmos o excesso: uma história bem feita e um bom exame físico continuam sendo as ferramentas que levarão ao diagnóstico certo e à melhor conduta em 90% dos casos.

O excesso de confiança em exames complementares e a necessidade de resultados financeiros está levando o médico a abreviar a história/exame físico e a se apoiar em pedir exames. Com isso, ele consegue reduzir o tempo de consulta – ganhando mais $ por hora de trabalho – e o paciente fica satisfeito pois tem a sensação que o exame complementar “é mais confiável”.

Foi-se época em que o cardiologista mandava repetir um Eco que não fosse compatível com sua ausculta cardíaca. Hoje, muita gente não entende o som que ouve e pede um Eco para descobrir o que há. Isso sem falar também nas instituições onde o médico que atende o paciente pede o exame e ele mesmo realiza, ganhando um extra… Aqui é um bom momento para você refletir entre o que é Legal pela Lei e o que é ético-moral.

Há outro porém: o nosso sistema de saúde tem uma armadilha, pois não há restrição ou controle para a solicitação de exames complementares, o que tem gerado um aumento exorbitante dos custos para os planos de saúde, tema que vem há anos na imprensa e de uma reportagem recente do jornal O Estado de São Paulo. E quem paga conta? Você, na mensalidade do seu plano de saúde. Seus pais, mais ainda.

Na maioria dos países, sistemas de regulação, públicos ou privados, só permitem a solicitação de exames com indicação apropriada, pelo menos os de maior custo-complexidade. Na Inglaterra e no Canadá, a gestão é pública, e nos EUA, privada através dos seguros de saúde ou dos programas Medicare/Medicaid. Até consulta com especialista é por vezes regulada. Aqui no Brasil não, é uma festa: uma dor lombar sem sinais de alarme pode gerar uma consulta direto no reumatologista e dali uma ressonância de coluna.

A judicialização do nosso sistema de saúde é outro problema a ser avaliado. Para garantir os direitos fundamentais de nós brasileiros, o constituinte em 1988 decidiu incluir como direito fundamental e cláusula pétrea o “direito à saúde e dever do Estado”. Sem a regulamentação necessária em dispositivos infraconstitucionais, a interpretação da lei tem sido muitas vezes: o Estado e os planos devem garantir tudo aos pacientes. Então se não tem o remédio na farmácia estadual, liminar para comprar com dinheiro. Se o plano negou a internação, liminar para internação. Se negou o exame, liminar para realizá-lo. E assim sucessivamente.

Não que haja culpa do Judiciário, claro que não! Se o médico, detentor do conhecimento técnico, solicita e diz que é urgente, o Juiz concede – prevalece o direito à vida e à saúde. O problema é o legislador, que deveria encontrar uma maneira de racionalizar o processo: qual o limite do dever do Estado? Deve pagar diálise para um paciente com 100 anos e demência avançada sem interação? Deve arcar com internações em instituições privadas na falta de leitos em seus hospitais?

E quais propostas estão surgindo para consertar tantos problemas?

1) Co-participação nos planos de saúde: a ideia é boa. O paciente passaria a arcar com parte dos custos dos exames e não pressionaria o médico para “pedir um check up completo”, “quero tudo que o plano dá direito”. O problema aqui é que muitos planos cobram coparticipação nas internações hospitalares, e aí a conta pode ficar exorbitante, afugentando os clientes.

2) Controle na autorização dos exames, com necessidade de seguir certos passos antes de realizar um exame mais complexo. Tem sido uma das medidas mais adotadas no SUS e na saúde suplementar. O risco aqui é engessar o sistema: por exemplo, para pedir uma coronariografia, muitas prefeituras exigem um teste funcional alterado antes. Mas e o paciente com dor típica apesar do tratamento clínico? E aquele que infartou e tem só ECG com onda Q?

3) Campanhas de conscientização entre os médicos. Uma daquelas de maior destaque é a Choosing Wisely, que aborda o uso desnecessários de exames e medicações, como antibióticos.

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