Meningite meningocócica: surtos em São Paulo acendem alerta sobre prevenção

Além do surto de meningite meningocócica, outra situação chama a atenção: a detecção de dois casos causados pelo sorogrupo X, raro no país.

No mês de setembro, a cidade de São Paulo (SP) declarou a ocorrência de um surto de meningite meningocócica em dois bairros. No período de 16 de julho a 15 de setembro, foram cinco casos confirmados, com um óbito de uma mulher de 42 anos. 

Apesar de parecerem poucos casos, o número já supera a quantidade de diagnósticos esperados, sendo que a ocorrência de três ou mais infecções causadas pelo mesmo sorogrupo dentro um período de 90 dias configura um surto da doença. 

Além do surto atual, outra situação identificada na cidade chama a atenção: a detecção de dois casos causados pelo sorogrupo X, raro no país. Trata-se de duas crianças – de sete meses e seis anos de idade – diagnosticadas em novembro de 2021 e janeiro de 2022. A investigação epidemiológica não conseguiu estabelecer um vínculo relacionado a esses casos, uma vez que as crianças residem em regiões diferentes da cidade, não tiveram contato com outros indivíduos com a doença e nem viajaram para países em que a circulação do sorogrupo X é mais prevalente. 

Outra morte, de uma jovem de 22 anos, foi confirmada nesta quinta-feira (6). Apesar de também ter sido causada por meningite, não possui relação com os surtos registrados na cidade.

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meningite

Agente etiológico e epidemiologia 

A meningite meningocócica é causada pela bactéria Gram-negativa Neisseria meningitidis. A doença meningocócica está associada a uma mortalidade de 10 a 20% e morbidade de 11 a 19%, incluindo perda de extremidades, cicatrizes e déficits auditivos, visuais e cognitivos.  

De acordo com os componentes dos polissacarídeos de sua cápsula, os isolados de N. meningitidis podem ser classificados em 13 sorogrupos, dos quais 6 são os principais agentes de doença invasiva: A, B, C, W-135, X e Y. Essa cápsula polissacarídea é considerado o principal fator de virulência desta espécie bacteriana. 

A transmissão é predominantemente pessoa-a-pessoa, por meio de contato direto com secreções respiratórias ou inalação de gotículas, sendo a nasofaringe o principal local de colonização. Estima-se que a prevalência de colonização varie de 3 a 25% da população, com maior frequência em crianças pequenas e com pico em adolescentes. O estado de carreador pode ser intermitente ou prolongado, podendo manter-se durante meses. 

Interessante notar que colonização e estado de carreador não predizem a ocorrência de doença invasiva e nem predizem diretamente a ocorrência de surtos. Os mecanismos que influenciam na dinâmica de transmissão, colonização e adoecimento ainda não são completamente compreendidos, mas aglomerações e contato próximo, coinfecções respiratórias e tabagismo passivo ou ativo são fatores que vêm sendo associados. 

A epidemiologia da doença é afetada pelos sorogrupos circulantes, idade e suscetibilidade dos hospedeiros, uso de antibióticos pela população e vacinação. No Brasil, atualmente o sorogrupo B é o principal agente de doença meningocócica invasiva. 

O sorogrupo X é raro fora do território africano e, por esse motivo, os casos detectados em SP levantaram um alerta das autoridades de vigilância. Entretanto, um estudo retrospectivo sugere circulação em território nacional desde 2013. 

Quadro clínico 

Embora possa causar outras apresentações, meningite bacteriana aguda é a principal manifestação de doença invasiva por N. meningitidis. Em crianças maiores, adolescentes e adultos, o quadro clínico típico envolve a presença de cefaleia aguda, febre, vômitos, mialgia, fotofobia, irritabilidade, agitação, dificuldade concentração, e sintomas meníngeos. 

Sinais neurológicos focais e crises convulsivas parecem ser menos frequentes do que em meningites causadas por outras espécies de bactérias, também podem ocorrer na doença meningocócica, especialmente em crianças. Empiema subdural é uma complicação rara. Rash purpúrico concomitante é observado em 26 a 62% dos pacientes.  

Crianças abaixo de cinco anos podem não apresentar sinais de irritação meníngea e as principais manifestações podem ser letargia ou irritabilidade, febre, vômitos, alteração do nível de consciência ou crises convulsivas. Lactentes podem apresentar choro inconsolável, dificuldade de alimentação e abaulamento de fontanelas. 

Tratamento 

Ceftriaxone é o tratamento de escolha, na dose de 2g, IV, 12/12h, por sete dias. Tratamento de suporte também é importante para promover um desfecho favorável, com especial atenção para o reconhecimento e manejo precoces do desenvolvimento de sepse e de hipertensão intracraniana. O uso de dexametasona como terapia adjuvante na meningite meningocócica não tem benefício comprovado. Outras complicações, como coagulação intravascular disseminada ou purpura fulminans, devem ser manejadas de acordo. 

Prevenção 

Existem duas formas principais de prevenção contra doença meningocócica: quimioprofilaxia e vacinação. 

A quimioprofilaxia está indicada para contatos próximos ou para aqueles com contato direto com secreções orais de um indivíduo infectado. As medicações recomendadas incluem ceftriaxone, ciprofloxacino e rifampicina, nos esquemas indicados no quadro abaixo. A administração de profilaxia está recomendada em até 14 dias após o contato, preferencialmente nas primeiras 48h. 

Em ambiente hospitalar, pacientes com meningite meningocócica suspeita ou confirmada devem permanecer em isolamento por gotículas por até 24h de antibioticoterapia adequada. Profissionais de saúde que tenham tido contato direto com secreções respiratórias sem uso de EPI dentro desse período de 24h iniciais de tratamento também têm indicação de receber profilaxia. 

Antibiótico 

Posologia 

Comentários 

Rifampicina 

  • < 1 mês: 5mg/kg, VO, 12/12h, por 2 dias
  • 1 mês: 10mg/kg, VO, 12/12h, por 2 dias (máximo de 600mg)
  • Adultos: 600mg, VO, 12/12h, por 2 dias 

Não recomendado em gestantes. Pode interferir com eficácia de anticoncepcionais orais, anticonvulsivantes e anticoagulantes. 

Ceftriaxone 

  • < 15 anos: 125mg, IM, dose única
  • 15 anos: 250mg, IM, dose única 

Tratamento de escolha em gestantes. 

Ciprofloxacino 

  • Crianças: 20mg/kg, VO, dose única
  • Adultos: 500mg, VO, dose única 

Em crianças, é importante avaliar a relação risco-benefício da administração de quinolona. Não recomendado em gestantes. 

A introdução de vacinas conjugadas contra meningococos tem sido associada à diminuição de doença invasiva mundialmente. As vacinas atualmente disponíveis são sorogrupo-específicas e nenhuma confere proteção contra todos os sorogrupos patogênicos. 

As vacinas conjugadas são seguras, têm um excelente perfil de imunogenicidade e induzem respostas de memória com doses repetidas. Além disso, têm efeitos prolongados na redução de transmissão, resultando em imunidade de rebanho. 

No Brasil, as vacinas meningocócicas C e ACWY estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) para crianças e adolescentes, respectivamente. Indivíduos com condições que conferem maior risco de doença invasiva – como os com asplenia anatômica ou funcional, deficiência de complemento, os que iniciarão eculizumabe, pessoas com HIV/AIDS, os com imunodeficiências congênitas ou adquiridas, transplantados, microbiologistas, os que apresentam fístulas liquóricas, DVPs ou implantes de cócleas, entre outros – podem ter acesso a essas vacinas gratuitamente nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs). A vacina recombinante meningocócica B está disponível no sistema privado.

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