Micofenolato de mofetila no manejo inicial da púrpura trombocitopênica imune

Púrpura trombocitopênica imune é uma condição autoimune que autoanticorpos antiplaquetários promovem a destruição das plaquetas circulantes. Saiba mais.

A púrpura trombocitopênica imune (PTI) é uma condição autoimune em que autoanticorpos antiplaquetários promovem a destruição das plaquetas circulantes. Possui uma incidência de cerca de 3/100.000 pessoas-ano e pode ser classificada de acordo com a sua duração em aguda (duração de até três meses), persistente (duração de três a doze meses) ou crônica (duração maior que doze meses). Quando ocorre de forma isolada, é considerada primária. Por outro lado, se houver associação com outra condição, é classificada como secundária. Os pacientes podem apresentar trombocitopenia grave (< 50.000/mm³) e/ou manifestações hemorrágicas. Por isso, um diagnóstico precoce e um manejo adequado são fundamentais.

Nem sempre há indicação de tratamento na púrpura trombocitopênica imune. Deve-se levar em consideração o risco e as manifestações hemorrágicas de cada indivíduo. Quando indicado, o tratamento de primeira linha costuma ser o uso de corticosteroide em dose imunossupressora, o que está associado a potenciais efeitos adversos, como alterações de humor, insônia, ganho de peso, aumento da pressão arterial, hiperglicemia, osteoporose e úlcera péptica. T. Michelle Brown et al avaliaram 589 pacientes com PTI tratados com corticoide e observaram que 98% tiveram, pelo menos, um efeito adverso da terapia, sendo que interrupção ou ajuste posológico foram necessários em 38% dos casos.

Além da toxicidade, a resposta à corticoterapia é imprevisível, com aproximadamente 20-30% de refratariedade, e há risco de recorrência durante desmame do corticoide ou após a sua suspensão. Por conta disso, já foram estudadas outras abordagens para a púrpura trombocitopênica imune, porém nenhuma estratégia mostrou-se eficaz e segura o suficiente para ser considerada como primeira escolha, ao invés da corticoterapia.

Micofenolato de mofetila é um agente imunossupressor usado como terapia de segunda linha na púrpura trombocitopênica imune, no Reino Unido. Estudos retrospectivos mostram taxas de resposta de 50 a 80%, incluindo em casos refratários a corticoide. Sendo assim, pesquisadores aventaram a hipótese de que a associação do imunossupressor à corticoterapia aumentaria a eficácia do tratamento de pacientes com PTI.

Saiba mais: Agonistas do receptor de trombopoetina em gestantes com PTI

púrpura trombocitopênica imune

Estudo FLIGHT

O estudo FLIGHT, multicêntrico e randomizado, comparou corticoterapia isolada e corticoterapia associada ao micofenolato de mofetila como tratamento de primeira linha em pacientes com PTI.

Foram incluídos na análise indivíduos com idade maior que 16 anos, diagnóstico de PTI (primária ou secundária), plaquetometria < 30.000/mm³ e indicação de terapia. Gestação, lactação, infecção por HIV, hepatite B ou C e imunodeficiência comum variável foram fatores de exclusão, bem como contraindicação ao uso de micofenolato de mofetila ou corticoide, incapacidade de consentimento informado e relutância em seguir contracepção (se randomização para o grupo do micofenolato). 

Cento e vinte pacientes foram acompanhados, passando por avaliações clínicas e laboratoriais regularmente, durante um período mínimo de 12 meses. A mediana de idade foi de 54 anos (faixa de 17 a 87 anos), 54% dos indivíduos eram do sexo masculino e a plaquetometria mediana pré-tratamento foi de 7.000/mm³.

Corticoterapia isolada: 61 participantes foram tratados apenas com corticoide. A maioria recebeu prednisolona 1 mg/kg por 4 dias, seguido de desmame (40 mg/dia por duas semanas, 20 mg/dia por duas semanas, 10 mg/dia por duas semanas, 5 mg/dia por duas semanas e 5 mg em dias alternados por duas semanas) até suspensão. Tal esquema posológico foi seguido independente da contagem plaquetária dos pacientes, mas foram permitidos desmame mais rápido para os casos refratários e redução de dose na presença de efeitos adversos. Alternativamente, os indivíduos poderiam receber até três pulsos de dexametasona (40 mg/dia por 4 dias, em cada pulso).

Corticoterapia associada ao micofenolato de mofetila: 59 participantes receberam o mesmo esquema de corticoide do outro grupo, associado ao agente imunossupressor. O micofenolato foi feito na dose de 500 mg de 12/12 horas por duas semanas, com aumento para 750 mg de 12/12 horas por mais duas semanas (se tolerado). Após quatro semanas de tratamento, a dose era aumentada para 1 g de 12/12 horas, sem ausência de efeitos adversos. Tal esquema posológico foi seguido independente da contagem plaquetária dos pacientes. Depois de seis meses de terapia, se alcançada resposta completa (plaquetometria > 100.000/mm³), a dose da medicação era reduzida em 250 mg a cada mês, até atingir a menor dose possível capaz de manter plaquetometria > 30.000/mm³. O tratamento era suspenso em pacientes que apresentavam remissão espontânea.

Desfecho

O desfecho primário do estudo foi falha terapêutica, definida como contagem plaquetária < 30.000/mm³ e início de terapia de segunda linha. Os desfechos secundários foram efeitos adversos, eventos hemorrágicos, necessidade de terapia de resgate, resposta terapêutica (definida como contagem plaquetária acima de 30.000/mm³ e, pelo menos, o dobro da contagem basal, sendo considerada resposta completa se contagem plaquetária > 100.000/mm³) e qualidade de vida.

Os autores observaram 40 casos de falha terapêutica: 13 (22%) no grupo do micofenolato e 27 (44%) no grupo do corticoide isolado – HR 0,41 (95% CI, 0,21-0,80; p = 0,008). No grupo do micofenolato, plaquetometria maior que 30.000/mm³ e que 100.000/mm³ foi evidenciada em 93,2% e 91,5% dos pacientes respectivamente, enquanto que, no outro grupo, 75,4% responderam ao tratamento, com apenas 63,9% de resposta completa. Refratariedade à terapia ocorreu em 6,8% no braço da terapia combinada e em 24,6% no braço da corticoterapia isolada. A incidência de eventos hemorrágicos, necessidade de terapia de resgate e internação hospitalar foi semelhante nos dois grupos. Em relação aos efeitos adversos, a ocorrência também foi similar nos braços analisados, porém pacientes que usaram micofenolato queixaram-se mais de fadiga, o que impacta negativamente na qualidade de vida.

Discussão

Sif Gudbrandsdottir et al demonstraram que a associação de rituximabe, um anticorpo monoclonal anti-CD20, à corticoterapia aumenta a eficácia do tratamento da PTI: 58% pacientes que receberam terapia combinada apresentaram resposta sustentada (plaquetometria > 50.000/mm³ por seis meses), enquanto que apenas 37% dos indivíduos tratados apenas com dexametasona tiveram tal resposta. No entanto, o uso de rituximabe associou-se a maior incidência de efeitos adversos grau 3 ou 4, o que, em conjunto com os custos, justificou a não inclusão do rituximabe no tratamento de primeira linha da PTI.

No estudo FLIGHT, a combinação de micofenolato de mofetila à corticoterapia mostrou-se eficaz como tratamento de primeira linha da PTI, com maiores taxas de resposta e menor risco de falha terapêutica. No entanto, na população analisada, mais da metade dos indivíduos tratados apenas com corticoide apresentaram resposta e não necessitaram de terapia de resgate. Além disso, o uso do micofenolato associou-se a maior incidência de fadiga. Sendo assim, outros estudos são necessários a fim de definir o papel do micofenolato no manejo inicial da PTI e o perfil de pacientes que mais se beneficiariam da terapia combinada.

Referências bibliográficas:

  • Bradbury, Charlotte A., et al. Mycophenolate Mofetil for First-Line Treatment of Immune Thrombocytopenia. New England Journal of Medicine 385.10 (2021): 885-895. doi10.1056/NEJMoa2100596
  • Brown, T. Michelle, et al. Patient-reported treatment burden of chronic immune thrombocytopenia therapies. BMC blood disorders 12.1 (2012): 1-8. doi10.1186/1471-2326-12-2
  • Gudbrandsdottir, Sif, et al. Rituximab and dexamethasone vs dexamethasone monotherapy in newly diagnosed patients with primary immune thrombocytopenia. Blood, The Journal of the American Society of Hematology 121.11 (2013): 1976-1981. doi10.1182/blood-2012-09-455691

 

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