Mindfulness: quebrando a roda do burnout médico

Despersonalização, desmotivação e exaustão emocional relacionada ao trabalho – essas são as três dimensões do burnout médico.

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Festas de final de ano, feriados prolongados, carnaval. Todas essas festividades contam com algo em comum: haverá ao menos um médico de plantão por perto, isso quando você não for o próprio em serviço. Essa realidade nos lembra do quanto o nosso ambiente de trabalho tem se modificado, trazendo consigo muitas adversidades: jornadas longas de plantão, muitos empregos, grande volume de atendimentos, pressão inerente a muitos casos graves, má remuneração e incertezas quanto ao pagamento (quando há pagamento). Tudo isso parece se multiplicar nessa época.

Esse ambiente de alta pressão e demanda de recursos internos pode culminar em três consequências para o profissional de saúde: despersonalização, desmotivação e exaustão emocional relacionada ao trabalho. Essas são as três dimensões da conhecida síndrome de burnout, talvez a nosologia mais comum entre os médicos modernos. Estudos indicam que os fatores ambientais, como os que comentamos antes, são os principais deflagladores de sintomas.

Um estudo recente publicado no Lancet evidenciou que metade dos médicos norte-americanos experimenta, pelo menos, um sintoma da síndrome atualmente. O cenário no Brasil possivelmente acompanha a tendência. As especialidades que realizam os atendimentos iniciais – tanto na urgência e emergência, quanto na atenção básica- são as mais afetadas. As consequências são evidentes como mostram Kuhn e Flanagan: a taxa de suicídio entre os médicos, especialmente com eventos não relacionados à depressão, é maior do que qualquer outra categoria profissional. E o mais alarmante, tem crescido nos últimos anos.

A dúvida, então, é como intervir de maneira eficaz e assertiva para modificar o cenário, especialmente em meio a um cenário tão desfavorável quanto o brasileiro. Talvez a chave esteja em não atuar no ambiente buscando soluções rápidas, mas sim no indivíduo. Uma maneira que está se provando eficaz é através das práticas de mindfulness.

Mindfulness é uma prática com origem em tradições meditativas budistas com exercícios para foco e atenção no momento presente através da respiração consciente e não julgamento. A forma mais difundida entre os profissionais de saúde é a mindfulness baseada na redução do estresse (MBSR em inglês), de Kabat Zinn. Originalmente desenvolvida para pacientes com dor crônica, a intenção da técnica é aliviar o sofrimento com base em sessões coletivas de 2h30 min e práticas individuais de 45 min. As práticas envolvem exercícios de respiração consciente, atenção ao ambiente (ruídos, temperatura, ventilação, luminosidade) e percepção corporal. Essa base é adaptada em diversos estudos e muito aplicada entre profissionais da saúde.

Um grupo de pesquisadores revisou 23 estudos envolvendo práticas de mindfulness entre profissionais de saúde. Destes, nove tinham como objetivo específico avaliar os sintomas de burnout médico e sua relação após as práticas de mindfulness. Os resultados mostraram que as práticas meditativas conseguiram atuar nas três dimensões do burnout aumentando a motivação, diminuindo a exaustão emocional e ampliando a empatia e compaixão, diminuindo assim a despersonalização.

Como todo tratamento, as maiores dificuldades se relacionam ao estabelecimento da posologia. Assim, não há consenso na dose ideal, ou seja, qual o tempo adequado de prática e qual o período mínimo de intervenção. Mas o fato é que a partir de 10 min de prática diária regular os benefícios começam a ser percebidos.

Então, antes de alimentar o círculo vicioso que estamos sendo convidados a reproduzir em nossa prática profissional atual, que tal quebrarmos a roda? Tiremos 10 min de nossa rotina atribulada e respiremos conscientemente. Aceitemos as emoções, deixemos que fluam sem julgamento. Permitamos que por ao menos 10 min estejamos por inteiro aqui e agora conosco mesmos. Iniciemos por nós mesmos novas condições, ao menos internas, de melhorarmos nossa qualidade de vida e de assistência, permitindo que como pessoas melhores, sejamos médicos melhores.

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Referências:

  • Janssen M, Heerkens Y, Kuijer W, van der Heijden B, Engels J (2018) Effects of Mindfulness-Based Stress Reduction on employees’ mental health: A systematic review. PLOS ONE 13(1): e0191332.
  • Martin. Physician burnout: let’s talk. The Lancet , Volume 389 , Issue 10077 , 1370
  • Kuhn, C.; Flanagan, E. Self-care as a professional imperative: physician burnout,depression, and suicide Can J Anesth/J Can Anesth (2017) 64: 158

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