Mitraclip reduz mortalidade e internações na Insuficiência mitral funcional

Apesar de estar em uso há uma década no continente europeu, o dispositivo Mitraclip só possui indicação consensual para IM degenerativa (primária).

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Após oito anos de longa espera e seguindo a publicação recente do estudo MITRA-FR há poucas semanas, o estudo COAPT desembarcou este mês no congresso americano de hemodinâmica (TCT) com publicação simultânea no New England Journal of Medicine. Apesar de estar em uso há uma década no continente europeu, o dispositivo Mitraclip/Abbott™ só possui indicação consensual para insuficiência mitral (IM) degenerativa (primária) moderada-grave (≥3+), haja vista o estudo que validou este dispositivo, EVEREST, ter praticamente excluído de sua casuística os casos de IM funcional.

Diferentemente dos dispositivos das TAVIs, o Mitraclip, ao aproximar os folhetos anterior e posterior da valva mitral criando um orifício valvar duplo, não foi tão bem acolhido pela comunidade de clínicos cardiologistas, tendo em vista a maior complexidade do aparato valvar mitral com diferentes mecanismos relacionados à insuficiência valvar e um perfil de indicação com algumas restrições anatômicas avaliadas pelo ecocardiograma.

No entanto, alguns incidentes trouxeram certa descrença enquanto os resultados da pesquisa eram aguardados. Entre os exemplos estão a lenta inclusão de pacientes (mesmo sendo um estudo multicêntrico – 78 centros) e o fato de o comitê de ajudicação do estudo ter aumentado o número de pacientes inicialmente programado (n=400) para 610 já com estudo correndo há dois anos, a fim de se alcançar o desfecho primário proposto de redução de reinternação por insuficiência cardíaca (ICC) quando comparado ao tratamento clínico optimizado em dois anos de seguimento.

Leia mais: MitraClip versus tratamento clínico na IM grave de alto risco cirúrgico

Deve-se ter em mente o resultado negativo do MITRA-FR para o Mitraclip (estudo europeu publicado há um mês naquele mesmo periódico) cuja análise falhou em demonstrar diminuição do desfecho composto de morte e reinternação por ICC ao final de 1 ano quando comparado ao tratamento clínico optimizado guiado consensualmente. Ambos os estudos randomizaram pacientes com ICC CF NYHA 2-4, com tratamento clínico optimizado e IM funcional moderada-grave (≥3+).

Ao final de 2 anos de seguimento, o COAPT demonstrou redução marcante do desfecho primário (reinternação por ICC) em favor do Mitraclip (35,8% vs 67,9%; p < 0,001) com um número necessário para tratar (NNT) impressionante de 3,1 pacientes. Quando avaliamos a mortalidade global ao final de dois anos (desfecho secundário) também se observa redução marcante favorecendo o uso do dispositivo (29,1% vs 46,1% – p , 0,001) com NNT=5,9 pacientes (IC 95% 3,9-11,7). Resultados dessa magnitude trazem grande entusiasmo à comunidade de cardiologistas intervencionistas, mas os resultados são tão díspares quando olhamos para os dois estudos que questionamentos devem ser feitos.

Ao se tratar esta patologia valvar em um miocárdio em estágio de falência progressiva, é possível modificar a evolução natural da fisiopatologia deste miocárdio? E aqui cabe a dúvida do que veio antes: uma válvula doente remodelando o ventrículo esquerdo ou a dilatação deste acometendo o aparato valvar. A cirurgia de valvoplastia mitral tem resultados desanimadores na IM funcional e se este for o mecanismo em questão provavelmente estaremos olhando para novos desenhos de dispositivos valvares mitrais no horizonte.

Chama a atenção a natureza exclusiva da população randomizada, > 1/3 dos pacientes portadores de ressincronizadores e alta adequação aos medicamentos preconizados (> 90% beta-bloqueador, > 70% IECA/BRA, > 50% mineralocorticoides) pré-randomização, algo que não ocorreu no MITRA-FR, no qual os pacientes passavam por titulação de terapêutica medicamentosa após o dispositivo já ter sido implantado, o que pode sim ter impactado os resultados negativos naquela análise, além de resultados mais satisfatórios no grupo Mitraclip no que concerne o tratamento invasivo do estudo COAPT.

MITRA-FR

COAPT

Área do orifício de regurgitação efetivo (OREA) – média/DP

31±10mm2

41±15mm2

Terapia medica optimizada

Optimização durante FUP

Raros ajustes necessários no FUP

I Mi residual pós Mitraclip (3+).

17%

5%

FUP – seguimento tardio; I Mi – insuficiência mitral; OREA da valva mitral avaliado ao ecocardiograma.

Para uma boa proporção de miocardiopata dilatados que evoluem com I Mi funcional sintomáticos a despeito de tratamento clínico optimizado e quando indicado, com ressincronizador, o COAPT traz esperanças palpáveis nesta população. Se estes resultados serão capazes de gerar modificações em termos de indicação consensual para alçar o dispositivo a classe I neste cenário ainda precisamos aguardar, mas no curto prazo a publicação do RESHAPE-HF prevista para 2019 pode servir como voto de minerva entre resultados tão díspares nos estudos aqui descritos.

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Referências:

  • Stone, GW, Lindenfeld JA, Abraham WT, et al. Transcatheter mitral-valve repair in patients with heart failure. N Engl J Med. 2018;Epub ahead of prin
  • Obadia J-F, Messika-Zeitoun D, Leurent G, et al. Percutaneous repair or medical treatment for secondary mitral regurgitation. N Engl J Med 2018;Epub ahead of print

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