Morte encefálica na Covid-19 pediátrica: Devemos manter protocolos habituais?

Nota técnica com revisão de protocolos na morte encefálica pediátrica na pandemia é publicada na Pediatric Critical Care Medicine. Saiba mais.

A pandemia de Covid-19 tem trazido inúmeros desafios aos cuidados de saúde em todo o mundo. Alta gravidade da doença, colapso de sistemas de saúde, exaustão dos profissionais da linha de frente e alta mortalidade são alguns dos novos problemas que temos enfrentado no último ano. 

Para além dessas questões, outra toma importância dentro desse cenário. Os protocolos habituais que estamos adaptados podem não ser seguros com relação ao alto risco de transmissibilidade da doença. Dessa forma, várias associações médicas têm revisto seus protocolos, de forma a modificá-los para torná-los mais seguros para os profissionais de saúde quando da sua aplicação. 

Morte encefálica pediátrica

Os protocolos para a morte encefálica pediátrica

Seguindo essa linha, uma nota técnica para revisão dos protocolos de morte encefálica pediátrica foi publicada na edição de março de 2021 da Pediatric Critical Care Medicine. Os autores trazem diversas orientações para modificações nos aspectos mais complexos do protocolo com relação ao risco de transmissão do SARS-CoV-2, como por exemplo, no teste da apneia, que pode levar à disseminação de aerossóis quando o ventilador mecânico é desconectado para realização do teste. 

Os autores iniciam reforçando a necessidade de realização dos testes apropriados para diagnóstico da Covid-19, antes de iniciar o protocolo para avaliação de morte encefálica. Além disso, as equipes responsáveis pela realização dos testes devem estar devidamente paramentadas de forma a reduzir o risco de contaminação, e os circuitos dos ventiladores e dos balões de ressuscitação devem estar com filtros antivirais devidamente acoplados.

Exame neurológico

O exame neurológico para avaliação de morte encefálica deverá ser realizado conforme os protocolos habituais. Deve-se lembrar, porém, que os testes para avaliação do reflexo de tosse e reflexo de gag têm potencial de produção intensa de aerossóis, devido ao risco de causar tosse. O reflexo de gag é avaliado com estímulo das paredes faríngeas posteriores bilateralmente, enquanto o reflexo de tosse é avaliado quando da aspiração das vias aéreas (geralmente do tubo endotraqueal).

Sendo assim, idealmente devemos realizar a aspiração do tubo através de circuito fechado (não fazer aspiração aberta com desconexão do ventilador). Certificar-se também de que o balonete do tubo esteja adequadamente insuflado, reduzindo o risco de produção de aerossóis durante os procedimentos. Apesar disso, essa última orientação pode ser difícil de realizar em alguns cenários pediátricos, como em pacientes com ventilação mecânica com tubos sem balonete. 

Teste da apneia

O teste da apneia é o teste que apresenta maior risco para a disseminação da Covid-19 dentro do contexto do protocolo de avaliação de morte encefálica. Para a realização do teste, deve-se realizar hiperoxigenação do paciente com uma fração inspirada de oxigênio a 100%. Esse processo, na pediatria, pode ser realizado através de oxigenação com um balão com reservatório, de forma a alcançar uma fração de oxigênio desejada e manter a pressão expiratória final (PEEP) adequada para prevenir atelectasias e redução da capacidade residual funcional. Esse procedimento, no entanto, se torna altamente indesejável no contexto da Covid-19, pois requere desconexão do circuito do ventilador. Sendo assim, os autores sugerem trocar o modo de ventilação para pressão positiva contínua (CPAP), que traz os mesmos efeitos desejados da ventilação com o balão com reservatório e evitando a necessidade de desacoplamento do tubo do circuito de ventilação.

Também é importante a observação de critérios de estabilidade dos pacientes antes da realização do teste de apneia. Pacientes que, durante o teste, apresentarem hipoxemia grave ou instabilidade hemodinâmica podem necessitar da ventilação com balão, colocando em risco toda a equipe. Portanto, em pacientes que se apresentem com alto risco de descompensação durante o teste de apneia, podemos utilizar pequenos ajustes que reduzam esse risco. A avaliação transcutânea de dióxido de carbono pode ser utilizada para acompanhamento do aumento da pressão parcial de CO2, sendo um guia para o melhor momento de coleta da gasometria arterial e reduzindo o tempo necessário de apneia.

Leia também: Covid-19 em crianças: epidemiologia da doença em 2021

Outra modificação proposta é a redução dos parâmetros ventilatórios em 50%, com coleta seriada dos gases arteriais até que os níveis de PaCO2 cheguem ao valor desejado. Nesse momento, pode-se modificar o modo ventilatório para CPAP e observar por 60 segundos. Caso o paciente não apresente drive respiratório, os critérios para morte encefálica são alcançados. 

Se, mesmo com todos esses cuidados, houver necessidade de realização de ventilação manual com balão com reservatório, o tubo orotraqueal pode ser clampeado durante desconexão do circuito de ventilação. Esse procedimento pode reduzir a produção de aerossol, mas não anula totalmente. 

Redução de aglomeração durante os procedimentos

Um desafio adicional tem sido com relação ao número de pessoas presentes no momento dos testes para avaliação de morte encefálica, incluindo os familiares. Em muitos casos, os familiares não poderão estar presentes devido às próprias restrições impostas pelos hospitais. Quando estiverem presentes, é importante que se respeitem todos os protocolos de distanciamento social durante a realização da avaliação. Por fim, mais do que nunca se faz necessário diálogo e transparência com as famílias com relação aos prognósticos dos seus familiares, devendo essa conversa ser realizada de forma presencial, também respeitando os protocolos de distanciamento e o uso adequado de equipamentos de proteção individual. 

 

 

Referência bibliográfica:

  • KIRSCHEN, Matthew P.; MCGOWAN, Nancy; TOPJIAN, Alexis. Brain Death Evaluation in Children With Suspected or Confirmed Coronavirus Disease 2019. Pediatric critical care medicine, v. 22, n. 3, p. 318, 2021. doi: 10.1097/PCC.0000000000002650

 

 

 

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