Na exacerbação do DPOC, devemos pesquisar ativamente embolia pulmonar?

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é considerado prevalente na população de pacientes com exacerbação do DPOC.

A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma causa importante de morbimortalidade mundial e impõe altos custos aos sistemas de saúde no cuidado de pacientes com essa condição. A exacerbação do DPOC é definida como piora aguda dos sintomas respiratórios com necessidade de terapias adicionais, além de ser geralmente ligada à maior mortalidade. Principais causas incluem infecções, cor pulmonale agudo e tromboembolismo pulmonar. 

O tromboembolismo pulmonar (TEP) é considerado prevalente na população de pacientes com exacerbação do DPOC. No entanto, nem sempre apenas com dados clínicos é possível firmar o diagnóstico da condição. A angiotomografia de tórax (Angio-TC Tórax), exame com alta acurácia para TEP, tem custo elevado e envolve exposição à radiação, efeitos adversos do contraste entre outros. Sendo assim, é importante colocar sempre na balança a decisão de pesquisa ativa de TEP com angio-TC de tórax em detrimento aos custos e riscos que o exame carrega. 

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Nesse cenário, foi publicado em 05 de outubro de 2021, no JAMA, o SLICE Trial (Significance of Pulmonary Embolism in COPD Exacerbations). O ensaio clínico randomizado e multicêntrico envolveu 18 hospitais acadêmicos na Espanha com duração de Setembro de 2014 até Julho de 2020. Teve como objetivo comparar desfechos de pacientes hospitalizados por exacerbação do DPOC e que foram randomizados para um grupo submetido à pesquisa ativa de TEP (com uso de d-dímero e Angio-TC de tórax) ou para um grupo submetido ao cuidado padrão.  

Na exacerbação do DPOC, devemos pesquisar ativamente embolia pulmonar?

Sobre o estudo

Foram incluídos pacientes hospitalizados por exacerbação do DPOC no período do estudo, conforme meta amostral previamente calculada. Foram excluídos pacientes com suspeita clínica inicial de TEP, gestantes, com contraindicação à realização da angio-TC de tórax, diagnóstico de pneumonia, pneumotórax ou outras infecções respiratórias do trato inferior ou que necessitassem de ventilação mecânica no momento da admissão hospitalar. A randomização aconteceu na razão 1:1 para dois grupos: intervenção (cuidado padrão associado à pesquisa ativa de TEP) e controle (cuidado padrão apenas). Pela natureza da intervenção, não foi possível cegamento. 

Intervenção e desfechos pesquisados

Todos pacientes receberam o manejo clínico habitual para pacientes com exacerbação do DPOC, conforme protocolos locais. No grupo intervenção, pacientes foram submetidos à coleta de d-dímero até 12 horas pós-randomização (os valores do exame foram padronizados conforme cada laboratório local). Para pacientes com d-dímero negativo, o diagnóstico de TEP foi excluído. Para pacientes com d-dímero positivo, a angio-TC de tórax foi realizada. A angio-TC de tórax foi considerada positiva quando detectada falha de enchimento em ramos subsegmentares ou ramos proximais. 

Se o diagnóstico de TEP fosse confirmado, estava indicada a terapia anticoagulante conforme recomendações de guidelines (anticoagulação parenteral inicial seguida de antagonistas da vitamina K ou novos anticoagulantes orais). 

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O desfecho primário pesquisado, avaliado dentro de 90 dias da randomização, foi um composto de: episódio novo não fatal ou recorrente de tromboembolismo venoso (TEV) sintomático, readmissão por DPOC ou morte. Desfechos secundários incluíram mortalidade, readmissões e novos episódios de TEV após 90 dias de randomização, além do tempo de internação. 

Resultados

Um total de 370 pacientes foram alocados no grupo intervenção e 367 pacientes no grupo controle. No grupo intervenção, 99,7% tiveram o exame do D-dímero coletado. 

  • O percentual de D-dímero negativo foi de 49,6%, correspondendo a 146 pacientes, nos quais TEP foi excluído;
  • A angio-TC de tórax foi realizada também em 11 pacientes cujo d-dímero foi negativo (suspeita clínica alta), com TEP diagnosticado em apenas um caso;
  • 186 pacientes apresentaram D-dímero positivo, com 97,3% deles (181 pacientes) tendo sido submetidos à angio-TC de tórax;
  • 16 pacientes (8,8%) apresentaram TEP à angio-TC de tórax.
  • A prevalência final de TEP entre os 192 pacientes que foram submetidos à angio-TC foi de 8,9%; 
  • Nenhum dos pacientes necessitou terapia fibrinolítica, cirúrgica ou percutânea.

Em relação aos desfechos, vamos aos principais achados:

  • Em 90 dias, não foi observada diferença significativa no desfecho primário composto de episódio novo não fatal ou recorrente de tromboembolismo venoso (TEV) sintomático, readmissão por DPOC ou morte, entre os grupos intervenção e controle (risco relativo, 1,02, IC 95%, 0,82 a 1,28; p=0,86);
  • O mesmo comportamento observado acima se aplica aos desfechos secundários;
  • DPOC foi a principal causa de morte nos dois grupos;
  • A mediana do tempo de hospitalização foi de 6 (4-9) dias no grupo intervenção e de 6 (4-8) dias no grupo controle.

Destaques dos autores

O estudo, que envolveu pacientes com necessidade de hospitalização por exacerbação de DPOC, evidenciou que uma estratégia ativa para o diagnóstico de embolia pulmonar (D-dímero para todos e se positivo, angio-TC de tórax) não resultou em menor percentual de um desfecho combinado composto por episódio novo não-fatal ou recorrente de tromboembolismo venoso (TEV) sintomático, readmissão por DPOC ou morte. 

Os autores destacam como limitações a frequência baixa de TEP nos pacientes do grupo intervenção, menor do que esperado. Os resultados não excluem a possibilidade de um efeito clinicamente importante da intervenção. No entanto, o estudo não apresentou poder suficiente para mostrar diferença significativa, provavelmente necessitando maior tamanho amostral, segundo os autores. 

Mensagens Práticas

  • Trial bem conduzido mas que não apresentou “n” suficiente para demonstrar uma diferença significativa entre as intervenções propostas;
  • Chamo atenção para o D-dímero. Seu excelente valor preditivo negativo foi confirmado pelos dados do estudo. Dos 6 pacientes com d-dímero negativo que foram submetidos à angio-TC de tórax, apenas um apresentava TEP;
  • A angio-TC de tórax é uma exame com custo elevado e envolve efeitos adversos renais (uso do contraste), por exemplo.
  • Portanto, por mais que TEP possa ser um dos fatores de descompensação para a exacerbação de DPOC, não devemos pesquisar de forma rotineira tal diagnóstico com a execução da angio-TC. Os dados apresentados pelo estudo não favorecem esse tipo de conduta.
  • Na minha prática, nesse perfil de pacientes, quando a suspeita de TEP não é forte, avalio inicialmente sinais de infecção, avaliação do parênquima pulmonar, sinais ao ecocardiograma que possam indicar repercussões de TEP ou até mesmo pesquisa de fontes trombóticas à distância, como pesquisa de TVP em MMII; 

Referências bibliográficas:

  • Jiménez D, Agustí A, Tabernero E, et al. Effect of a Pulmonary Embolism Diagnostic Strategy on Clinical Outcomes in Patients Hospitalized for COPD Exacerbation: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 2021;326(13):1277-1285. doi:10.1001/jama.2021.14846.

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