Narcolepsia: compreendendo diagnóstico e tratamento

A sonolência excessiva diurna é geralmente o sinal inicial e, por ser pouco específico, leva a um grande atraso no diagnóstico da narcolepsia.

A narcolepsia é uma doença do sono cuja principal característica envolve uma rápida transição para o sono REM. A etimologia de narcolepsia tem origem do grego νάρκη (narké) e λῆψις (lepsis), que significam — respectivamente — “dormência” e “ataque”. É uma condição crônica de origem hipotalâmica, atualmente considerada como um distúrbio autoimune que resulta em perda neuronal da hipocretina em pessoas geneticamente suscetíveis.

Há dois subtipos de narcolepsia: tipo 1 (NT1) e tipo 2 (NT2). A prevalência de narcolepsia tipo 1 é aproximadamente em torno de 1 a cada 2.000 indivíduos (0,05%), com uma idade de início de característica bimodal com picos entre os 15 e 35 anos. Já para a estimativa de prevalência em narcolepsia tipo 2 há uma certa limitação de dados na literatura, embora um estudo da Wisconsin Sleep Cohort tenha sido estimado em torno de 0,2%.

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Trata-se de doença com clínica composta por sintomas motores, cognitivos, metabólicos, autônomos, além de psiquiátricos. A conjuntura clínica da narcolepsia traz impacto negativo direto sobre aspectos sociais, profissionais e familiares, comprometendo a qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Além disso, essa população sofre atraso significativo para a efetuação desse diagnóstico, com estimativa de que ocorra em torno de 10 anos após o início dos sintomas.

Narcolepsia: compreendendo diagnóstico e tratamento

Aspectos clínicos

A narcolepsia apresenta, como sintoma principal e consistente, a sonolência diurna excessiva. Além disso, podem apresentar sintomas como cataplexia, paralisia do sono, alucinações relacionadas ao sono e sono noturno fragmentado.

  • Sonolência diurna excessiva: a necessidade impreterível para dormir ou para cochilos durante o dia.
  • Cataplexia: evento que cursa com perda súbita de tônus muscular induzida por evento emocional (principalmente emoções positivas fortes como riso) com a consciência preservada. Os episódios geralmente duram cerca de segundos a minutos. Um aspecto importante a ser destacado é que esse sintoma é uma das principais características para auxílio na distinção de narcolepsia tipo 1 e tipo 2, visto que a narcolepsia tipo 1 é o único transtorno de hipersonia com manifestação para cataplexia.
  • Paralisia do sono: episódios com incapacidade para se movimentar quando está adormecendo ou acordando. Pode cursar com sintomas autonômicos como sensação de sufocamento, tremor em olhos e dormência em extremidades. Os sintomas podem durar até 10 minutos.
  • Alucinações relacionadas ao sono: Caracteriza-se por alucinações ao adormecer (hipnagógicas) ou despertar (hipnopômpicas), na maioria das vezes de caráter visual. Pode ocorrer em 2/3 dos pacientes com narcolepsia.
  • Sono fragmentado: Relatos de sono com despertares noturnos frequentes e dificuldade de reinício do sono.

Apesar de a narcolepsia tipo 1 apresentar a tétrade de sonolência diurna excessiva, cataplexia, paralisia do sono e alucinações relacionadas ao sono, há estimativas de que apenas 45% dos pacientes com essa doença apresentam tipicamente as 4 características clínicas no quadro inicial.

Exames complementares

Polissonografia com teste de múltiplas latências:

Em suspeita de narcolepsia, há a necessidade de realizar polissonografia (PSG) seguida, no dia seguinte, do teste de múltiplas latências do sono (TMLS). Para realização desse exame, alguns cuidados devem ser seguidos, como: suspensão de medicamentos supressores de sono REM em período de 14 dias e execução de diário de sono (com intuito de afastar sono insuficiente ou distúrbios do ritmo circadiano).

O estudo de PSG é mandatório não apenas para analisar diagnóstico de narcolepsia, mas também para excluir outras causas de distúrbios de sono como apneia do sono, movimentos periódicos de membros etc.

A arquitetura e o padrão do sono na narcolepsia costumam apresentar redução de latência do sono REM, aumento do número de despertares, aumento do número de transições entre estágios de sono e de vigília, aumento do tempo acordado após início do sono e aumento do estágio N1 do sono.

Já o teste de múltiplas latências do sono consiste em 5 oportunidades oferecidas ao paciente para dormir em intervalo de 2 horas, durante o período habitual de vigília. É recomendado realização 90 a 180 minutos após o despertar do paciente no dia seguinte à PSG. Em cada teste, é avaliado a latência do sono e a presença de SOREMP (sleep-onset REM period) que é definida qunado ocorre início do sono REM dentro de 15 minutos após início do sono. Na terceira edição da ICSD, a latência média de sono é considerada anormal quando ≤ 8 minutos, sendo necessária a presença de ≥ 2 episódios de SOREMP para o diagnóstico polissonográfico de narcolepsia. A presença de SOREMP suporta o diagnóstico de narcolepsia. Contudo, essa alteração pode estar presente em distúrbios como apneia do sono, sendo importante descartar ou tratar essas condições antes de considerar esse achado suportivo para essa condição.

Dosagem de hipocretina em líquor:

Em estudo executado por Mignot e colaboradores, foi analisado líquor de 274 pacientes com narcolepsia em 2002 e a partir disso categorizados parâmetros de valores de normalidade.

Um ponto de corte de 110 pg/ml foi traçado, sendo que no caso de narcolepsia tipo 1 esse ponto de corte apresentou sensibilidade de 87% e especificidade em torno de 99%. A maioria dos pacientes com narcolepsia tipo 2 apresentou níveis normais de hipocretina em líquor, sendo esse marcador uma boa forma de diferenciação entre esses dois tipos de narcolepsia.

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Testagem do antígeno leucocitário humano HLA-DQB1*06:02:

Esse teste é uma ferramenta a ser considerada em vista deste alelo estar presente em 98% dos indivíduos com deficiência de hipocretina na narcolepsia tipo 1. Contudo, esse alelo pode estar presente em torno de 30% dos controles, de forma que o resultado negativo é mais útil do que positivo.

A positividade do HLA-DQB1*06:02 confere risco relativo de 5 vezes para NT1 enquanto risco de 3,35 vezes para desenvolvimento de NT2. Contudo, a presença desse alelo para desenvolvimento de narcolepsia tipo 2 apresenta especificidade menor, de forma que sua ausência não elimina a hipótese dessa condição.

Atualmente, a dosagem desse marcador não está inserida nos critérios diagnósticos segundo a International Classification of Sleep Disorders. Entretanto, realizar sua testagem pode ser interessante nos pacientes com história de cataplexia visto que a deficiência de hipocretina é rara em pacientes com alelo negativo, podendo, portanto, evitar exames mais invasivos como dosagem de hipocretina no líquor — exame ainda pouco disponível no Brasil.

Diagnóstico

Critérios diagnósticos para narcolepsia tipo 1 e tipo 2, segundo a International Classification of Sleep Disorders (ICSD-3):

NARCOLEPSIA TIPO 1 NARCOLEPSIA TIPO 2
Sonolência excessiva diurna Presente por no mínimo três meses (OBRIGATÓRIO)
Cataplexia Presente e associada a

achados típicos TMLS

Ausente
Achados típicos no TMLS Presente e associados a cataplexia Presentes (OBRIGATÓRIO)
Hipocretina-1 baixa ou indetectável no LCR Presente Ausente ou não medida
Exclusão de outras causas Não se aplica Necessária (OBRIGATÓRIO)

Tratamento

Abordagens não farmacológicas como sonecas programadas são recomendadas para pacientes com narcolepsia tipo 1 visto que são geralmente restauradoras.

Em relação a abordagens farmacológicas, o tratamento de sonolência diurna excessiva pode ser realizado a partir de agentes como modafinil, psicoestimulantes tradicionais (como metilfenidato), oxibato de sódio, solriamfetol e pitolisant. No Brasil, as drogas disponíveis são modafinil com dose entre 100-400 mg/dia com posologia de duas tomadas diárias, assim como metilfenidato com dose entre 10-60 mg/dia com posologia entre duas-três tomadas diárias.

Para tratamento de cataplexia, o único medicamento aprovado pelo FDA é o oxibato de sódio. Contudo, esse medicamento não está disponível no Brasil. Como uso off-label, antidepressivos são fármacos possíveis no controle desse sintoma. Os inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina são considerados de primeira linha, com dose podendo variar entre 37,5 mg a 225 mg/dia. Outros antidepressivos, com menor suporte de evidência científica, podem ser considerados como inibidores de recaptação de serotonina (IRSS) e tricíclicos.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Trotti LM. Central disorders of hypersomnolence. Continuum (Minneapolis, Minn.) 2020;26(4):890-907. DOI: 10.1212/CON.0000000000000883.
  • Narcolepsia do diagnóstico ao tratamento. Organização Andrea Bacelar, Leticia Soster. 1ª ed. – São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2021.

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