Neobrain Brasil 2019: Resultado e viabilidade da hipotermia terapêutica

Após ensaios clínicos randomizados, a hipotermia terapêutica tem sido preconizada como terapia padrão para o tratamento de RN com EHI.

A asfixia perinatal e sua principal complicação, a encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), continuam sendo causas importantes de mortalidade e morbidade neonatal em todo o mundo. A prevalência de EHI é estimada em 1-3/1.000 recém-nascidos (RN) vivos em países desenvolvidos e 20/1.000 RN nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Existe uma grande variabilidade de resultados, desde a sobrevida sem sequelas até os principais déficits neurológicos e óbito.

Hipotermia terapêutica

Após ensaios clínicos randomizados conduzidos na América do Norte, Europa e Austrália, a hipotermia terapêutica (HT) tem sido preconizada como terapia padrão para o tratamento de RN com EHI moderada e grave por asfixia perinatal.

A HT não apenas diminui a mortalidade, mas também melhora os resultados neurológicos em longo prazo nos sobreviventes e os benefícios do tratamento superam quaisquer efeitos adversos em curto prazo. Ainda faltam dados para demonstrar a eficácia e a segurança da HT em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento; nessas regiões, portanto, não é possível prever os resultados dessa modalidade terapêutica.

Dessa forma, Procianoy e colaboradores (2019) realizaram o estudo “Outcome and Feasibility after Seven Years of Therapeutic Hypothermia in Southern Brazil”, publicado recentemente no American Journal of Perinatology e abordado pelo autor, Dr. Renato Procianoy, no Neobrain Brasil 2019.

O objetivo deste estudo foi descrever a experiência em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) de nível III no Brasil, um país em desenvolvimento, usando um protocolo implementado e bem estabelecido, relatando as características dos pacientes tratados, efeitos adversos, resultados e neurodesenvolvimento em longo prazo.

Metodologia

Este estudo foi realizado na UTIN de 50 leitos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Os participantes foram inscritos prospectivamente entre março de 2011 e novembro de 2017. Foram recrutados RN com idade gestacional (IG) acima de 35 semanas, com peso ao nascer acima de 1.800 g e sem grandes malformações congênitas.

Os sobreviventes foram submetidos a ressonância magnética (RM) e a eletroencefalograma (EEG).

O desfecho primário foi óbito durante a hospitalização e o neurodesenvolvimento avaliado usando as Escalas de Desenvolvimento Infantil Bayley III (BSID III) aos 12 meses de idade.

Protocolo de HT

1. Os neonatos incluídos no estudo iniciaram HT de corpo inteiro dentro de seis horas após o nascimento e preenchiam os seguintes critérios:

  • Evidência de asfixia perinatal: gasometria arterial de sangue do cordão umbilical na primeira hora de vida com pH <7 ou déficit de base <15 mmol/L, na primeira hora de vida; OU histórico de eventos perinatais agudos (como descolamento de placenta e prolapso do cordão umbilical, ou Apgar igual a 5 ou menos aos 10 minutos de vida, ou necessidade de ventilação por, pelo menos, 10 minutos após o nascimento);
  • Evidência de EHI moderada ou grave diagnosticada pelos estágios clínicos de Sarnat e Sarnat.

2. Após o treinamento de toda a equipe de atendimento, foi implementado um protocolo de HT para garantir que o mesmo atendimento fosse prestado a todos os RN que apresentassem critérios de inclusão, incluindo avaliação neurológica e acompanhamento. Todos os examinadores foram treinados para consistência no exame neurológico. Os exames foram repetidos de hora em hora nas primeiras seis horas até o momento da indicação do resfriamento, diariamente durante o resfriamento, após o resfriamento e na alta1.

3. Antes do início do tratamento, todos os pacientes eram submetidos à colocação de acesso venoso profundo ou cateter central de inserção periférica (PICC) e cateterismo arterial1.

4. Durante a HT:

  • Os neonatos eram resfriados por 72 horas usando uma manta de resfriamento com temperatura esofágica mantida a 33,5°C;
  • Nas primeiras quatro horas de resfriamento, os sinais vitais dos RN eram monitorados a cada 15 minutos e a cada hora;
  • Os exames de sangue eram solicitados no início do tratamento e diariamente durante 72 horas: plaquetas, gasometria arterial, eletrólitos (Na, K, Ca, Mg), ureia, creatinina, glicose, testes de coagulação e função hepática;
  • Proteína C reativa, hemocultura, troponina e ecocardiograma também eram solicitados inicialmente;
  • A decisão de realizar novos exames foi tomada de acordo com a indicação clínica a qualquer momento no protocolo;
  • Os pacientes eram acompanhados e monitorados quanto à ocorrência de complicações, como arritmia, contagem de plaquetas inferior a 100.000/μL, sangramento e necrose gordurosa subcutânea. A contagem de plaquetas foi mantida acima de 50.000/μL. O Na sérico foi mantido no limite superior da normalidade.

Leia também: Neobrain Brasil 2019: escore clínico modificado de Sarnat

5. Reaquecimento:

  • Após 72 horas de resfriamento com temperatura esofágica de 33,5°C, o ponto de ajuste do dispositivo era aumentado em 0,5°C/hora até que a temperatura esofágica atingisse 36,5°C;
  • Os sinais vitais eram verificados a cada 30 minutos durante esse período;
  • O paciente era mantido em colchão de hipotermia até atingir a temperatura esofágica de 36,5°C.

Resultados

  • 72 RN foram tratados com HT (41 com EHI moderada e 31 com EHI grave). Destes, 16 foram a óbito;
  • A RM foi realizada em 56 pacientes: 24 apresentaram algumas alterações;
  • 53 pacientes realizaram EEG: 11 normais, 20 levemente alterados, 12 moderadamente alterados e 10 severamente alterados;
  • 40 pacientes foram avaliados pelo BSID III: 45% apresentaram algum atraso no neurodesenvolvimento, 8 (20%) tiveram retardo motor, 15 (37,5%) tiveram atraso na linguagem e 13 (32,5%) tiveram atraso no desenvolvimento cognitivo.

Conclusão

Os autores concluíram que a mortalidade e os eventos adversos neste estudo foram semelhantes aos descritos em grandes ensaios clínicos randomizados. Ademais, relatam que a HT é um método seguro e eficaz de proteção neurológica em RN asfixiados em um país em desenvolvimento, quando realizado adequadamente.

O estudo de Procianoy e colaboradores (2019) mostra, portanto, que, para que um protocolo de HT tenha sucesso, deve ser visto de forma contínua e persistente por toda a equipe multidisciplinar, desde a indicação da terapia ao follow-up. Este estudo é um grande avanço nas pesquisas em neonatologia no Brasil.

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Referência bibliográfica:

  • PROCIANOY, R. S. et al. Outcome and Feasibility after Seven Years of Therapeutic Hypothermia in Southern Brazil. Am J Perinatol. 2019

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