NeurologiaSET 2018

Neuromiopatia do doente crítico: quando pensar e como evitar?

A neuromiopatia do doente crítico costuma ocorrer em cerca de 25-70% dos pacientes com cenário de doença grave. Leia mais no artigo a seguir.

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Por Mário Luciano de Mélo
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Não é raro vermos no dia a dia da UTI pacientes que estão superando doenças ameaçadoras da vida, que geralmente envolvem uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica grave (secundária a politraumatismos, choque séptico ou outras condições). Esse perfil de pacientes frequentemente necessita de longo tempo de suporte ventilatório, de terapia renal substitutiva, utiliza medicações potencialmente neuro-miotóxicas (estatinas, aminoglicosídeos, bloqueadores neuromusculares, glicocorticoides, etc) e fazem disglicemias importantes. Entretanto, alguns desses pacientes, em contraste com a melhora clínica, têm dificuldade em sair da ventilação mecânica.

Nesse cenário de doença grave, imobilidade e fatores neurônio-estressantes, a neuromiopatia do doente crítico costuma ocorrer em cerca de 25%-70% dos pacientes. Essa condição é multifatorial e parece estar relacionada a alterações microvasculares e hipoperfusão nervosa e muscular, distúrbios da excitabilidade elétrica (mau funcionamento de canais de sódio e cálcio) e aumento do estresse oxidativo levando à disfunção mitocondrial e catabolismo. Todos esses fatores juntos levam à lesão nervosa e muscular.

Leia mais: Doente crítico crônico: possibilidades multiprofissionais na preparação para alta da UTI

No paciente com pouca interação com o examinador, a doença se manifesta pela dificuldade em desmamar da ventilação mecânica quando não há causa cardíaca e/ou pulmonar que justifique (os pacientes com neuromiopatia do doente crítico tendem a ficar 3 a 4 dias a mais sob intubação + ventilação mecânica do que os que não tem). O paciente colaborativo pode se queixar de fraqueza muscular e disestesias que não existiam antes da doença atual. Há um espectro de manifestações clínicas, podendo haver tanto uma forma de doença exclusivamente muscular (padrão miopático de envolvimento muscular proximal, incluindo diafragma) como forma de polineuropatia pura. Entre os extremos, há as manifestações mistas – fraqueza de predomínio distal, ou distal + proximal, queixas sensitivas importantes, diminuição de reflexos profundos, etc. Entretanto, as formas de predomínio miopático são mais frequentes.

Apesar de a doença ser frequente, é subdiagnosticada por causa das dificuldades operacionais de realizar eletroneuromiografia – indisponibilidade de aparelho e recursos humanos, paciente anasarcado, hipotérmico, sedado, com restrição de mobilidade e aparelhos circunjacentes que interferem com os potenciais elétricos –, bem como de realizar biópsia muscular.

O tratamento consiste em limitar a exposição (tempo e intensidade) dos fatores de risco e estimular a mobilidade (tanto ativa quanto passiva) dos pacientes. Os trabalhos têm mostrado que um controle rigoroso da glicemia se associa com menor frequência de neuromiopatia, mas aumenta as hipoglicemias sintomáticas e o intervalo alvo ótimo de glicemia ainda não está claro. Fisioterapia motora e estimulação muscular elétrica diárias limitam a perda muscular, melhoram funcionalidade na alta e tendem a diminuir o tempo de ventilação mecânica e de internamento em UTI, de modo que são fundamentais em todo paciente crítico.

Cerca de 1/5 dos pacientes acometidos vão ter queixas clínicas na alta hospitalar. Na evolução, sobretudo nas formas de predomínio muscular, os indivíduos podem recuperar-se em até 6 a 24 meses, incluindo normalização eletroneuromiográfica.

Então, lembre-se de neuromiopatia do doente crítico no paciente grave que tem dificuldade de desmame de ventilação mecânica (excluídas causas cardíacas e pulmonares), especialmente nos que receberam estresse neuromuscular. Controle glicêmico, diminuição dos fatores de risco (na medida do possível) e fisioterapia motora diária são medidas importantes na diminuição da incidência de neuromiopatia e, consequentemente, da saída mais rápida de ventilação mecânica e melhora do prognóstico desses pacientes.

Referências:

  • Shepherd S, et al. Review of Critical Illness Myopathy and Neuropathy. The Neurohospitalist, 7(1) 41-48, 2017. DOI: 10.1177/1941874416663279.

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Não é raro vermos no dia a dia da UTI pacientes que estão superando doenças ameaçadoras da vida, que geralmente envolvem uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica grave (secundária a politraumatismos, choque séptico ou outras condições). Esse perfil de pacientes frequentemente necessita de longo tempo de suporte ventilatório, de terapia renal substitutiva, utiliza medicações potencialmente neuro-miotóxicas (estatinas, aminoglicosídeos, bloqueadores neuromusculares, glicocorticoides, etc) e fazem disglicemias importantes. Entretanto, alguns desses pacientes, em contraste com a melhora clínica, têm dificuldade em sair da ventilação mecânica.

Nesse cenário de doença grave, imobilidade e fatores neurônio-estressantes, a neuromiopatia do doente crítico costuma ocorrer em cerca de 25%-70% dos pacientes. Essa condição é multifatorial e parece estar relacionada a alterações microvasculares e hipoperfusão nervosa e muscular, distúrbios da excitabilidade elétrica (mau funcionamento de canais de sódio e cálcio) e aumento do estresse oxidativo levando à disfunção mitocondrial e catabolismo. Todos esses fatores juntos levam à lesão nervosa e muscular.

Leia mais: Doente crítico crônico: possibilidades multiprofissionais na preparação para alta da UTI

No paciente com pouca interação com o examinador, a doença se manifesta pela dificuldade em desmamar da ventilação mecânica quando não há causa cardíaca e/ou pulmonar que justifique (os pacientes com neuromiopatia do doente crítico tendem a ficar 3 a 4 dias a mais sob intubação + ventilação mecânica do que os que não tem). O paciente colaborativo pode se queixar de fraqueza muscular e disestesias que não existiam antes da doença atual. Há um espectro de manifestações clínicas, podendo haver tanto uma forma de doença exclusivamente muscular (padrão miopático de envolvimento muscular proximal, incluindo diafragma) como forma de polineuropatia pura. Entre os extremos, há as manifestações mistas – fraqueza de predomínio distal, ou distal + proximal, queixas sensitivas importantes, diminuição de reflexos profundos, etc. Entretanto, as formas de predomínio miopático são mais frequentes.

Apesar de a doença ser frequente, é subdiagnosticada por causa das dificuldades operacionais de realizar eletroneuromiografia – indisponibilidade de aparelho e recursos humanos, paciente anasarcado, hipotérmico, sedado, com restrição de mobilidade e aparelhos circunjacentes que interferem com os potenciais elétricos –, bem como de realizar biópsia muscular.

O tratamento consiste em limitar a exposição (tempo e intensidade) dos fatores de risco e estimular a mobilidade (tanto ativa quanto passiva) dos pacientes. Os trabalhos têm mostrado que um controle rigoroso da glicemia se associa com menor frequência de neuromiopatia, mas aumenta as hipoglicemias sintomáticas e o intervalo alvo ótimo de glicemia ainda não está claro. Fisioterapia motora e estimulação muscular elétrica diárias limitam a perda muscular, melhoram funcionalidade na alta e tendem a diminuir o tempo de ventilação mecânica e de internamento em UTI, de modo que são fundamentais em todo paciente crítico.

Cerca de 1/5 dos pacientes acometidos vão ter queixas clínicas na alta hospitalar. Na evolução, sobretudo nas formas de predomínio muscular, os indivíduos podem recuperar-se em até 6 a 24 meses, incluindo normalização eletroneuromiográfica.

Então, lembre-se de neuromiopatia do doente crítico no paciente grave que tem dificuldade de desmame de ventilação mecânica (excluídas causas cardíacas e pulmonares), especialmente nos que receberam estresse neuromuscular. Controle glicêmico, diminuição dos fatores de risco (na medida do possível) e fisioterapia motora diária são medidas importantes na diminuição da incidência de neuromiopatia e, consequentemente, da saída mais rápida de ventilação mecânica e melhora do prognóstico desses pacientes.

Referências:

  • Shepherd S, et al. Review of Critical Illness Myopathy and Neuropathy. The Neurohospitalist, 7(1) 41-48, 2017. DOI: 10.1177/1941874416663279.

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Mário Luciano de MéloMário Luciano de Mélo
Mestre em Neurociências pela UFPE ⦁ Residente de Neurologia no HC/UFPE