Novas evidências da transmissão zoonótica de SARS-CoV-2

A pandemia do vírus SARS-CoV-2 teve sua origem na China, possivelmente relacionada ao contato com animais silvestres exóticos.

Conforme descrito no início da pandemia da síndrome Covid-19, em dezembro de 2019, a origem sugerida do coronavírus SARS-CoV-2 estaria possivelmente relacionada com o contato com animais silvestres exóticos e frutos do mar vivos, vendidos em um mercado em Wuhan, China. Devido às similaridades com o coronavírus SARS-CoV-1, sugere-se também uma relação zoonótica para SARS-CoV-2, assim como ocorrido em diversos outros casos de surtos infecciosos prévios por transmissão de vírus de origem animal. Embora haja uma correlação filogenética próxima em relação aos coronavírus de morcegos e pangolins, as divergências evolutivas existentes que geraram o SARS-CoV-2 parecem ter ocorrido no período entre 1948 e 1982, mas o reservatório do presente vírus ainda não foi determinado (Costagliola et al. 2020; Jo et al., 2020; Tiwari et al., 2020; Sharun et al., 2021).

A pandemia do vírus SARS-CoV-2 teve sua origem possivelmente relacionada ao contato com animais silvestres exóticos.

Transmissão zoonótica de SARS-CoV-2

Em ensaios experimentais, diversos hospedeiros apresentaram susceptibilidade à infecção por SARS-CoV-2 incluindo: cães, gatos, furões, hamster, macacos rhesus, macacos cynomolgus, marmotas, musaranhos, coelhos e morcegos frutíferos. Dentre esses, gatos, hamster, musaranhos e furões foram capazes também de transmitir o coronavírus da atual pandemia. Adicionalmente, suínos e aves não são infectados por esses vírus. Já foram descritas a detecção de RNA de SARS-CoV-2 em cães nos Estados Unidos (EUA) e Hong Kong. Achados semelhantes foram observados em gatos na Holanda, França, Hong Kong, Bélgica, Espanha e Estados Unidos. Quatro tigres e três leões também apresentaram resultados positivos para RNA de SARS-CoV-2 no zoológico do Bronx, em Nova Iorque, EUA (Jo et al., 2020; Mahdy et al., 2020; Sharun et al., 2021).

Em estudos epidemiológicos mais detalhados, o coronavírus da atual pandemia foi detectado em diversas visões (Neovison vison) de criadouros, que evoluíram com manifestações clínicas respiratórias e elevada mortalidade na Holanda. A abordagem comparativa por sequenciamento genômico das partículas virais detectadas, associada à combinação de dados epidemiológicos, permitiu detectar surtos de infecção por estirpes virais de SARS-CoV-2 em visões cultivados e trabalhadores desses criadouros de visões. A história começou com o diagnóstico inicial de infecção por SARS-CoV-2 em dois visões (NB1 e NB2) de um criadouro realizado em abril de 2020, iniciando todo um rastreio de possíveis contatos animais e humanos locais. Os contactantes humanos (profissionais dos criadouros) relataram sintomas respiratórios em dias anteriores aos casos manifestados em visões. Um terceiro visão (NB3) apresentou sintomas no início de maio de 2020 e cinco funcionários em contato ocupacional direto com esse animal, e com testes prévios negativos, iniciaram sintomas dias após os contatos com o animal, e testaram positivo para SARS-CoV-2, com completa identidade genômica com o coronavírus isolado do animal NB3. Tais achados indicam que os funcionários foram infectados após a síndrome respiratória e detecção de SARS-CoV-2 no visão NB3. Essa dinâmica foi observada em outro cluster de infecções com a primeira detecção em um visão NB7, e subsequentemente em funcionários contactantes. A partir de então, o sistema nacional de resposta às doenças zoonóticas foi ativado nesse país, e um sistema de vigilância foi, então, implementado desde maio de 2020, com notificação obrigatória ao Netherlands Food and Consumer Product Safety Authority (NFCPSA) em caso de sintomas suspeitos nesses animais da família Mustelidae. Concomitantemente à vigilância dos casos em animais, mais de 1750 partículas virais de SARS-CoV-2 obtidos de pacientes humanos foram submetidas ao sequenciamento genômico e comparados com os descritos a partir de visões. O progresso das transmissões de seres humanos para visões de criadouros, e a partir desses animais aos humanos, foi detalhadamente descrito por Oude Munnink et al. (2021) na revista Science, e por outros autores (Oreshkova et al., 2020; Boklund et al.2021).

Posteriormente aos alarmantes achados observados nos estudos em território holandês, inúmeros de surtos de infecção respiratória de visões e humanos contactantes na Dinamarca também confirmaram a possibilidade desses animais corresponderem a um potencial reservatório e a possibilidade de favorecimento do surgimento de novas variantes de SARS-CoV-2 (Hammer et al., 2021; Larsen et al., 2021). Estudos subsequentes detectaram a progressão ampla de casos semelhantes nas Américas, reforçando a necessidade de controle e investigação epidemiológica e microbiológica detalhada da dinâmica dessas transmissões zoonóticas e os possíveis problemas para a saúde pública mundial (Sharun et al., 2021).

Referências bibliográficas

  • Boklund A, Hammer AS, Quaade ML, Rasmussen TB, Lohse L, Strandbygaard B, Jørgensen CS, Olesen AS, Hjerpe FB, Petersen HH, Jensen TK, Mortensen S, Calvo-Artavia FF, Lefèvre SK, Nielsen SS, Halasa T, Belsham GJ, Bøtner A. SARS-CoV-2 in Danish Mink Farms: Course of the Epidemic and a Descriptive Analysis of the Outbreaks in 2020. Animals (Basel). 2021 Jan 12;11(1):164.
  • Costagliola A, Liguori G, d’Angelo D, Costa C, Ciani F, Giordano A. Do Animals Play a Role in the Transmission of Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus-2 (SARS-CoV-2)? A Commentary. Animals (Basel). 2020 Dec 24;11(1):16.
  • Hammer AS, Quaade ML, Rasmussen TB, Fonager J, Rasmussen M, Mundbjerg K, Lohse L, Strandbygaard B, Jørgensen CS, Alfaro-Núñez A, Rosenstierne MW, Boklund A, Halasa T, Fomsgaard A, Belsham GJ, Bøtner A. SARS-CoV-2 Transmission between Mink (Neovison vison) and Humans, Denmark. Emerg Infect Dis. 2021 Feb;27(2):547-551.
  • Jo WK, de Oliveira-Filho EF, Rasche A, Greenwood AD, Osterrieder K, Drexler JF. Potential zoonotic sources of SARS-CoV-2 infections. Transbound Emerg Dis. 2020 Oct 9:10.1111/tbed.13872.
  • Larsen HD, Fonager J, Lomholt FK, Dalby T, Benedetti G, Kristensen B, Urth TR, Rasmussen M, Lassaunière R, Rasmussen TB, Strandbygaard B, Lohse L, Chaine M, Møller KL, Berthelsen AN, Nørgaard SK, Sönksen UW, Boklund AE, Hammer AS, Belsham GJ, Krause TG, Mortensen S, Bøtner A, Fomsgaard A, Mølbak K. Preliminary report of an outbreak of SARS-CoV-2 in mink and mink farmers associated with community spread, Denmark, June to November 2020. Euro Surveill. 2021 Feb;26(5):2100009.
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  • Oude Munnink BB, Sikkema RS, Nieuwenhuijse DF, Molenaar RJ, Munger E, Molenkamp R, van der Spek A, Tolsma P, Rietveld A, Brouwer M, Bouwmeester-Vincken N, Harders F, Hakze-van der Honing R, Wegdam-Blans MCA, Bouwstra RJ, GeurtsvanKessel C, van der Eijk AA, Velkers FC, Smit LAM, Stegeman A, van der Poel WHM, Koopmans MPG. Transmission of SARS-CoV-2 on mink farms between humans and mink and back to humans. Science. 2021 Jan 8;371(6525):172-177.
  • Sharun K, Tiwari R, Natesan S, Dhama K. SARS-CoV-2 infection in farmed minks, associated zoonotic concerns, and importance of the One Health approach during the ongoing COVID-19 pandemic. Vet Q. 2021 Jan 1;41(1):50-60.
  • Tiwari R, Dhama K, Sharun K, Iqbal Yatoo M, Malik YS, Singh R, Michalak I, Sah R, Bonilla-Aldana DK, Rodriguez-Morales AJ. COVID-19: animals, veterinary and zoonotic links. Vet Q. 2020 Dec;40(1):169-182.

 

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