Novos guidelines ACR para o manejo da gota

O American College of Rheumatology publicou recentemente seus mais novos guidelines no tratamento da gota, a artropatia inflamatória mais frequente.

A gota é a artropatia inflamatória mais frequente na população geral, acometendo quase 4% da população americana. Por esse motivo, é fundamental que o seu tratamento seja realizado de maneira adequada, visando a prevenção de deformidades e consequente incapacidade. Nesse contexto, o American College of Rheumatology publicou recentemente seus mais novos guidelines no tratamento da gota, essa doença tão frequente. A seguir, elencarei os principais pontos desse documento.

Um dado interessante que o comitê destaca ainda na introdução do artigo é que, apesar de terem sido recomendados alvos mais rigorosos de ácido úrico nos últimos anos no tratamento da gota, não se observou um aumento significativo no uso de hipouricemiantes nos últimos 20 anos, denotando uma má adesão aos protocolos vigentes.

Saiba mais: Crise de gota: tratar com naproxeno ou dose baixa de colchicina?

Paciente com gota fica atento aos novos guidelines da ACR

Indicações para o início do tratamento hiporuicemiante

O início do tratamento hipouricemiante deve respeitar algumas indicações, uma vez que ele não é isento de efeitos colaterais potencialmente graves.

As principais recomendações para início da terapia hipouricemiante são crises frequentes de gota (2 ou mais por ano), presença de tofos subcutâneos e evidência radiográfica de dano estrutural. Nesses casos, o painel recomenda fortemente seu início.

A introdução de hipouricemiantes em pacientes com crise aguda de gota prévia, porém com episódios infrequentes (< 2 por ano), é recomendada de maneira condicional; nesse contexto, é importante levar em consideração outras características do pacientes, como ácido úrico muito elevado (> 9 mg/dL), idade < 40 anos (maior probabilidade de novos eventos, uma vez que a doença teve início precoce) e a presença de doença cardiovascular ou doença renal crônica (DRC). No entanto, devido aos dados insuficientes, os autores do artigo não foram capazes de recomendar fortemente a terapia hipouricemiante mesmo nesses subgrupos. Dessa forma, ela deve ser considerada caso a caso.

Os guidelines recomendam que não se deve introduzir terapia hipouricemiante em pacientes que estão apresentando a primeira crise aguda de gota. No entanto, caso o paciente apresente DRC em estágio 3 ou mais, níveis muito elevados de ácido úrico (> 9 g/dL) ou urolitíase, o início do hipouricemiante é recomendado condicionalmente (avaliação caso a caso).

O tratamento da hiperuricemia assintomática também não deve ser realizado de maneira rotineira, uma vez que a chance de se desenvolver gota ao longo de 5 anos de seguimento é baixa. Isso é válido mesmo para pacientes com DRC, doença cardiovascular, urolitíase ou hipertensão arterial sistêmica.

Escolha do tratamento hipouricemiante

Naqueles com indicação para início de terapia hipouricemiante, o alopurinol é o tratamento de escolha inicial, inclusive para pacientes com DRC estágio 3 ou mais. O febuxostato (ainda não aprovado no Brasil) deve ser utilizado como segunda linha de inibidor de xantina oxidase, caso a resposta esperada não seja atingida com alopurinol (deve-se preferir a troca por outro inibidor da xantina oxidase vs. início de uricosúrico, se disponível).

Para os pacientes de etnia asiática oriental e afro-americana, os autores recomendam a pesquisa do HLA-B*5801 antes do início do alopurinol. Além disso, nos casos de reações alérgicas ao alopurinol, é recomendado condicionalmente a terapia de dessensibilização, se não houver possibilidade do uso de outra medicação hipouricemiante.

No Brasil, o único uricosúrico disponível atualmente é a benzbromarona. As recomendações da ACR tratam apenas da probenecida (indisponível no Brasil). Se for iniciado o uricosúrico, o painel do ACR recomenda que não se deve dosar rotineiramente a uricosúria antes do seu início nem durante o tratamento, e os pacientes não devem realizar a alcalinização da urina.

Para os inibidores da xantina oxidase, é fortemente recomendado que se inicie com doses baixas (allopurinol 100 mg/dia ou menos e febuxostato 40 mg/dia ou menos), com posterior titulação das doses. O mesmo é condicionalmente recomendado para os uricosúricos.

A pegloticase não deve ser utilizada como tratamento de primeira linha.

Profilaxia de crises durante o tratamento hipouricemiante

O uso profilático de colchicina, AINEs em baixas doses ou prednisona/prednisolona em baixas doses, concomitante ao tratamento hipouricemiante, é fortemente recomendado. Ele deve ser mantido por, pelo menos, 3-6 meses e pode ser mantido se o paciente continuar apresentando crises agudas de gota.

Momento de início da terapia hipouricemiante

Em alguns casos, a decisão de se iniciar o tratamento hipouricemiante ocorre no momento de uma crise aguda de gota. Nesse contexto, os autores sugerem que iniciar o tratamento hipouricemiante durante a crise é seguro (não aumenta a duração da crise e um painel de pacientes se afirmou capaz de entender as múltiplas informações relativas ao manejo da crise e o tratamento hipouricemiante a longo prazo) e possui alguns benefícios, como evitar que o paciente perca seu seguimento e aproveitar o momento de motivação do paciente para se tratar melhor. Desse modo, os guidelines recomendam condicionalmente que o início da terapia hipouricemiante pode ser feito durante a crise aguda.

Leia também: Dieta DASH, dieta ocidental e risco de gota

Alvo terapêutico (ou treat-to-target strategy)

Todo paciente recebendo terapia hipouricemiante deve atingir níveis de ácido úrico < 6 mg/dL, através de titulação das doses das medicações. Caso o alvo não seja atingido, deve-se realizar o ajuste do tratamento.

Nota do autor: no Brasil, inicia-se com alopurinol; se o paciente não atingir o alvo com doses máximas de alopurinol, associa-se benzbromarona naqueles sem contraindicação.

Duração do tratamento

A recomendação final foi de manutenção indefinidamente do tratamento hipouricemiante, se ele for bem tolerado (recomendação condicional).

Tratamento da crise aguda de gota

O tratamento da fase aguda deve ser feito com colchicina (baixas doses são fortemente recomendadas, não devendo ser indicada doses altas), AINEs ou corticoides (oral, intra-articular ou intramuscular). Inibidores da IL-1 ou ACTH são reservados para casos específicos refratários.

Pode-se recomendar o uso de gelo tópico como terapia adjuvante não farmacológica.

Outros pontos

Além das medidas descritas, é necessário reforçar a indicação de mudanças no estilo de vida, com redução no consumo de álcool, perda ponderal e exercício físico. Além disso, é importante recomendar que o paciente tenha uma dieta sem excessos de purina.

Com relação ao tratamento anti-hipertensivo, se indicado, dar preferência para losartana. Em pacientes utilizando hidroclorotiazida, podemos realizar a troca para outros agentes, quando possível. Não há indicação de suspensão de AAS (pode elevar a uricemia) e não há indicação para troca de estatinas ou outros fibratos para fenofibrato (efeito hipouricemiante discreto).

Para outros detalhes, leiam o artigo original referenciado abaixo e o tema de Gota contido no Whitebook.

Referências bibliográficas:

  • FitzGerald JD, Dalbeth N, Mikuls T, et al. 2020 American College of Rheumatology guideline for the management of gout. Arthritis Care Res. 2020; doi: 10.1002/acr.24180.

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