O controle mais rigoroso da pressão arterial reduz o risco de demência?

A hipertensão já foi identificada como um risco para comprometimento cognitivo e demência, mas ainda não sabemos os benefícios de um controle mais firme.

A hipertensão arterial, que afeta a maioria dos idosos, já foi identificada em estudos observacionais como fator de risco potencialmente modificável para comprometimento cognitivo leve e demências degenerativas (como a demência de Alzheimer e a Vascular). Entretanto, ainda não sabemos ao certo se o controle mais intensivo da pressão arterial reduz a incidência de tais patologias.

Desde 2015, com a publicação do estudo SPRINT, que comparou o tratamento intensivo da hipertensão arterial (meta de PAS < 120 mmHg) com o tratamento padrão (PAS < 140 mmHg), vem ocorrendo uma mudança do paradigma, até então vigente, de que o tratamento da hipertensão no idosos deveria visar metas mais parcimoniosas. O trial mostrou que, mesmo no braço do estudo que avaliou apenas os idosos com 75 anos ou mais (SPRINT SENIOR), houve benefício de se atingir uma meta mais rigorosa em detrimento da meta padrão.

Ouça também: Hipertensão: qual é a meta de pressão arterial em idosos? PEBMEDCast

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Estudo sobre controle rigoroso da pressão arterial

No sentido de investigar essa relação, em 2018 foi publicado o Sprint Mind. O Trial teve como objetivo avaliar o efeito do controle mais intensivo da pressão arterial (PAS < 120 vs PAS < 140 mmHg) no risco de desenvolver demência. O estudo incluiu 9.361 indivíduos com mais de 50 anos (média de 67,9 anos) e elevado risco cardiovascular, com um follow-up de 3,3 anos em média (foi interrompido antes do previsto devido aos benefícios observados na redução dos desfechos cardiovasculares). O desfecho primário foi a ocorrência de demência provável e o desfecho secundário foi a ocorrência de transtorno neurocognitivo leve (TNL) ou o desfecho combinado de TNL ou demência provável.

Os pacientes eram submetidos aos testes de rastreio cognitivo no momento da randomização e pelo menos uma vez durante o follow-up. Foram realizados três testes: para avaliação cognitiva global (MoCA), memória e aprendizado (subtestes do Wechsler Memory Scale) e velocidade de processamento (Teste de codificação de símbolos de dígitos da Wechsler Adult Intelligence).

Como resultado, o Trial encontrou que o controle intensivo da PA não reduziu o risco de demência provável, mas reduziu o risco de TNL e do desfecho combinado TNL ou demência provável.

Limitações do estudo

Como importantes limitações, citamos que por causa do término precoce do estudo e de menor quantidade de casos de demência do que o esperado, o estudo pode ter sido insuficiente para avaliar esses desfechos. Além disso, o diagnóstico de TNL não foi adjudicado no momento da randomização, portanto não sabemos com certeza se não havia pacientes com esse diagnóstico no baseline.

Por outro lado, o estudo demonstrou que o controle intensivo da pressão arterial não resultou em danos à cognição, como era acreditado por alguns especialistas.

Mais recentemente, no final de 2019, foi publicado o Infinity Trial, também na tentativa de compreender melhor os benefícios do controle intensivo da pressão arterial.

Estudos prévios já haviam mostrado que a doença microvascular subcortical, representada pela hiperintensidade da substância branca na ressonância magnética (RNM), está associada a HAS nos idosos. Também já tem sido mostrado que o aumento dessa hiperintensidade é acompanhado de deterioração na função cognitiva, aumento do risco de acidente vascular cerebral e limitação de mobilidade.

Visando entender melhor essa associação, o Infinity Trial teve como objetivo estudar os efeitos de 2 níveis de pressão arterial sistólica média de 24 horas (MAPA) na mobilidade, progressão da doença da substância branca e função cognitiva ao longo de 3 anos. O Trial incluiu 199 pacientes com idade ≥ 75 anos com hipertensão sistólica e evidência de hiperintensidade da substância branca na RNM. Os pacientes foram randomizados para uma PA sistólica média de 24 horas ≤ 130 mm Hg (tratamento intensivo) versus ≤ 145 mm Hg (tratamento padrão).

Os desfechos primários do estudo foram alterações na mobilidade (velocidade da marcha) e aumento no volume da hiperintensidade da substância branca. Alterações na função cognitiva (função executiva, velocidade de processamento e memória) e eventos adversos cardiovasculares foram avaliados como desfechos secundários.

Resultados

Após 3 anos de seguimento, o estudo encontrou como resultados: os níveis intensivos de tratamento da pressão arterial não mostraram diminuição da mobilidade ou declínio cognitivo em comparação com os níveis padrão de tratamento; no entanto, houve menor acúmulo de doença da substância branca naqueles com tratamento intensivo. Os eventos cardiovasculares adversos foram mais prevalentes no grupo do tratamento padrão. Quedas e síncope foram semelhantes nos grupos.

Embora esse achado estrutural não tenha sido acompanhado por diferenças de mobilidade e resultados cognitivos, é possível que, por períodos de tempo maiores que 3 anos, ocorram benefícios nos resultados funcionais.

Mensagem final

Sabemos que as doenças cardiovasculares, em especial a HAS, constituem importantes fatores de risco modificáveis para demências degenerativas;

Apesar disso, ainda não há evidência de que controle mais intensivo da pressão arterial em comparação ao controle padrão leve a uma redução desse risco;

Entretanto, os trials recentes citados trazem resultados animadores nesse sentido, ao mostrarem que o controle mais intensivo da PA reduz volume de hiperintensidade de substância branca e incidência de transtorno neurocognitivo leve, ambos podendo constituir marcadores de progressão para demência.

Por outro lado, precisamos ter cautela nas interpretações e lembrar que:

  1. Nem todo quadro de transtorno neurocognitivo leve evolui para demência, parte dos pacientes retornam para o estado cognitivo normal e outros estabilizam;
  2. Alterações em exames de imagem não necessariamente têm correlação clínica com alterações cognitivas: não raramente, nos deparamos com pacientes com cognição normal e alterações em exames de imagem, assim como o contrário é verdadeiro.

Ambos os estudos trazem uma informação importante para nossa prática clínica (estando atentos ao perfil de paciente incluído): as metas de PA mais intensivas foram seguras na população idosa, além de terem mostrado redução dos eventos cardiovasculares.

Ensaios clínicos com seguimentos mais longos são necessários para esclarecer nossas dúvidas.

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