O PEEP impacta na duração da ventilação mecânica em pacientes sem SDRA?

Existe dúvida na literatura quanto ao valor da PEEP, principalmente nos pacientes sem Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA).

Hoje, sabe-se que baixos volumes correntes estão ligados à ventilação mecânica (VM) protetora e associados a melhores desfechos nos pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). No entanto, ainda existe dúvida na literatura quanto ao valor da PEEP, principalmente nos pacientes sem SDRA. A evidência atual mostra que, com o passar do tempo, o valor da PEEP utilizada em pacientes sem SDRA na UTI sofreu aumento gradual (média de 5 cmH2O em 1998 para média de 7 cmH2O em 2016, conforme algumas casuísticas). Existem vantagens (PEEP alta reduz o risco de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica) e desvantagens (PEEP alta pode agravar a injúria pulmonar ou causar impacto hemodinâmico) documentadas para cada uma das estratégias.

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O PEEP impacta na duração da ventilação mecânica em pacientes sem SDRA?

O estudo RELAx Trial

Dessa forma, foi publicado, em dezembro de 2020, o artigo Effect of a Lower vs Higher Positive End-Expiratory Pressure Strategy on Ventilator-Free Days in ICU Patients Without ARDS no JAMA. O ensaio clínico, randomizado e multicêntrico, ocorreu na Holanda, envolvendo 8 hospitais. O estudo, a partir de cálculo amostral específico, randomizou 980 pacientes para dois grandes grupos – PEEP baixa VS. PEEP alta. A principal pergunta a ser respondida foi: em pacientes internados na UTI, sem SDRA, que necessitaram de VM invasiva, uma estratégia com PEEP baixa foi não inferior a uma estratégia com PEEP alta, em relação ao número de dias livres de ventilação mecânica, no dia 28?

Grupos e Randomização

O trial incluiu pacientes que foram submetidos à VM invasiva, sem SDRA, logo antes ou após a admissão na UTI e que não se esperava que os mesmos fossem extubados dentro de 24 horas da randomização. Os pacientes eram randomizados, na proporção 1:1, uma hora após o início da VM na UTI, para um dos dois grupos: PEEP baixa ou PEEP alta.

Intervenções

O grupo PEEP baixa deveria iniciar a VM com PEEP de 5 cmH20 e com FiO2 entre 21% e 60%. A cada 15 minutos após início da VM, a PEEP era reduzida em 1 cmH20 até 0 cmH20, desde que a SpO2 se mantivesse acima de 92% e a PaO2 se mantivesse acima de 60 mmHg. Posteriormente, a VM continuava com a menor PEEP obtida. Permitia-se breves quedas na SpO2, sem intervenções, até 5 min. Se SpO2 continuasse caindo, FiO2 era aumentada até 60%, antes de aumentar a PEEP gradualmente em 1 cmH2O.

Já o grupo PEEP alta deveria iniciar a VM com PEEP de 8 cmH2O e FiO2 entre 21% e 60%. Em caso de dessaturação, a FiO2 deveria ser aumentada até 60% antes de aumentar a PEEP. A meta era manter a PEEP em 8 cmH2O, uma vez iniciada a VM desse grupo. Em ambos os grupos, o alvo de oxigenação foi SpO2 entre 92 e 96% e PaO2 entre 60 e 85 mmHg.

Desfechos e análise estatística

O número de dias livres da ventilação mecânica no dia 28 pós-randomização foi o desfecho primário do estudo. Pacientes que foram a óbito ou receberam VM por mais de 28 dias foram considerados como 0 dias livres de VM. Já os desfechos secundários incluíram: tempo de internação na UTI e no hospital, duração da VM entre os sobreviventes, complicações pulmonares como PAV, desenvolvimento de SDRA, atelectasias e pneumotórax.

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Do ponto de vista estatístico, o estudo adotou a estratégia comparativa de não inferioridade, com poder de 80%, com margem de inferioridade de 10%, representando 0,5 dias de ventilação ou 1,6 dias livres da VM. Esse design foi escolhido pelos autores por considerarem pragmático do ponto de vista clínico, uma vez que a prática habitual nas UTIs ao longo dos anos foi utilizar valores mais elevados de PEEP, apesar da falta de evidência.

Resultados

Durante o período do estudo, 2.869 pacientes foram avaliados, com uma amostra final de 980 pacientes sendo incluídos para randomização, após preencherem os critérios de inclusão. 484 pacientes foram randomizados para o grupo PEEP baixa e 496 para o grupo PEEP alta. Quanto às características da baseline, 79,4% dos pacientes foram admitidos por causas não cirúrgicas. A causa mais frequente para VM invasiva foi insuficiência respiratória (30,2%).

A mediana do tempo para o início da VM na UTI após randomização foi de 0,6 horas (IQR, 0,2-1,1 horas). Além disso, os valores médios da PEEP (no dia 5 pós-randomização) apresentaram-se significativamente mais baixos no grupo PEEP baixa em relação ao grupo PEEP alta, documentando que o protocolo do estudo quanto à PEEP apresentou adesão adequada e foi realizado na prática.

Quanto aos desfechos, pacientes do grupo PEEP baixa apresentaram uma mediana de tempo de 18 dias livres de VM (IQR, 0-27 dias). Já os pacientes do grupo PEEP alta apresentaram mediana de 17 dias livres de VM (IQR, 0 – 27 dias). A análise de não inferioridade mostrou-se significativa, com P de 0,007 e margem de inferioridade de -10%, conforme previsto pelo desenho estatístico do estudo. Foi realizada ainda análise de superioridade entre os dois grupos, porém sem diferença estatística significativa, com P = 0,22. A análise dos desfechos secundários, como tempo de internação, duração de VM e mortalidade (28 e 90 dias), também não mostrou diferença significativa.

Destaques dos autores e conclusão

No presente trial, em pacientes internados na UTI sem SDRA e submetidos à VM, uma estratégia utilizando PEEP baixa foi não inferior à utilização de uma estratégia com PEEP alta. Conforme registrado pelos autores, trata-se do maior trial publicado na literatura em relação ao assunto (PEEP alta x PEEP baixa em pacientes sem SDRA). Alguns pontos fortes como pouca perda de follow-up, rápida randomização dos pacientes (1h após início da VM na UTI) e inclusão de centros acadêmicos e não acadêmicos foram destacados. Nem todos pacientes foram randomizados em 1 hora, apesar da maioria ter sido. Além disso, a amostra incluiu um grupo heterogêneo de pacientes sem SDRA, no entanto, não foi possível observar nenhuma diferença entre os subgrupos.

Mensagens Práticas

O estudo teve design pragmático, com boa aplicabilidade clínica. Sendo assim, a cultura da PEEP mais alta em pacientes sem SDRA, talvez extrapolada das próprias evidências acumuladas da ventilação na SDRA, passa a ser questionável. O uso da PEEP baixa nesse perfil de pacientes tem agora a evidência produzida pelo RELAx trial para justificar sua aplicação na prática clínica.

Referências bibliográficas:

  • Writing Committee and Steering Committee for the RELAx Collaborative Group. Effect of a Lower vs Higher Positive End-Expiratory Pressure Strategy on Ventilator-Free Days in ICU Patients Without ARDS: A Randomized Clinical Trial. 2020;324(24):2509–2520. doi:10.1001/jama.2020.23517

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