O que há de novo no Traumatismo Crânioencefálico?

TCE ainda é uma das principais causas de morbidade e mortalidade no trauma. O foco do texto são os cuidados clínicos para evitar o chamado dano secundário.

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O TCE ainda é uma das principais causas de morbidade e mortalidade no trauma. Medidas preventivas de acidentes são extremamente importantes como profilaxia primária, bem como a ação imediata do cirurgião, quando houver necessidade de intervenção cirúrgica. Mas o foco deste texto são os cuidados clínicos para evitar o “dano secundário”, aquele secundário à hipóxia/hipoperfusão após o insulto inicial.

O primeiro desafio é evitar hipóxia e hipotensão. Começando pelo AB (airway/breathing), a prioridade número 1 é manter a estabilização cervical (até termos certeza que não há lesões) e a via aérea patente. Todo paciente com Glasgow ≤ 8 deve ser intubado para garantir patência e ventilação. Contudo, mesmo pacientes com melhor despertar, são candidatos à ventilação mecânica caso apresentem hipoxemia importante. O alvo é uma pO2 > 60 mmHg.

O grande desafio está no paciente com trauma torácico e/ou broncoaspiração associada, pois pode haver uma P/F muito ruim (< 200). O uso de PEEP e altas pressões deve ser feito com muito cuidado, pois podem reduzir o retorno venoso jugular e agravar a hipertensão intracraniana. Esse tipo de doente mais grave se beneficia de maior monitorização, incluindo uma PIC. Com essa informação na mão, é possível manter uma pressão de perfusão cerebral (PPC) > 60/70 mmHg. Aqui, vem a primeira novidade: ao contrário de estudos iniciais, não está claro se o alvo deve ser PPC de 60 ou 70 mmHg. Até novos estudos serem publicados, as diretrizes do Brain Trauma Foundation Guidelines recomendam “60 ou 70 mmHg”.

O outro aspecto primordial é o C (circulation), evitando hipotensão e contribuindo, pois, para manter boa PPC. No doente hipotenso, a primeira medida é infusão cristaloide, em bolus de 20 a 30 ml/kg. Não economize: se for necessário, inicie amina (nora) em infusão contínua. E qual o papel do “salgadão”, aquela solução hipertônica de NaCl 3 a 7%? Estudos no atendimento pré-hospitalar não mostraram superioridade em relação à salina convencional para correção de hipotensão. Desse modo, seu uso é como parte do arsenal para reduzir a pressão intracraniana.

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*Medidas gerais: repouso, cabeceira elevada, sedação propofol

E qual paciente se beneficia da monitorização invasiva da pressão intracraniana (PIC)? Os mais graves! Isto é, Glasgow ≤ 8 e/ou com lesões graves na TC. Apesar de haver vários dispositivos disponíveis no mercado, os clínicos torcem para o cirurgião colocar um cateter intraventricular, pois além de medir a PIC, permite a drenagem de liquor. O ideal é manter PIC < 20 mmHg. Elevações persistentes (> 10 min) e/ou com repercussão clínica devem ser imediatamente tratadas. Todos os pacientes com TCE moderado a grave devem ficar em repouso, com cabeceira elevada e com atenção para colar não apertar demais a cervical.

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O paciente com TCE grave é forte candidato à ventilação mecânica e o sedativo de escolha é propofol, sendo o plano B o midazolam e o pentobarbital. Caso haja PIC > 20 mmHg, permitir drenagem do liquor a uma velocidade de 1 a 2 ml/min, durante 2-3 min; em seguida dê um intervalo de 2-3 min e faça nova drenagem se necessário. A segunda opção é o uso de soluções hipertônicas, como manitol e “salgadão”. Meta-análises recentes mostraram superioridade da salina hipertônica (7%, dose 2 ml/kg), sendo então a nossa escolha inicial. Mas prepare-se para distúrbios hidroeletrolíticos: a hipernatremia é o mais comum, podendo tolerar um sódio sérico até 150/155 mEq/L. A terceira opção é hiperventilação. Monitore o CO2 expirado (end-tidal CO2); inicialmente deixe na faixa normal 35-40 mmHg. Em situações de hipertensão refratária, use por tempo curto. O uso da hiperventilação é mais seguro quando temos a monitorização da SvO2 no “bulbo de jugular”, evitando o risco de hipoxemia por vasoconstrição intracraniana excessiva.

Além do controle de O2/PA, todo doente neurocrítico se beneficia do controle de 3 fatores de agressão ao SNC: febre (temperatura), glicemia e convulsões. Há diversos estudos avaliando o papel dos anticonvulsivantes profiláticos. Estudos iniciais encorajaram o uso de fenitoína, em especial nos primeiros 7 dias, após TCE grave com lesão estrutural. Contudo, meta-análises recentes questionam essa medida. O assunto ainda é controverso e não há resposta definitiva. Uma opção é: você tem como monitorar EEG? Se sim, fica de olho e usa se necessário. Não tem monitor contínuo de EEG? Considere então a fenitoína por 7 dias – mas não se apegue, depois disso não há evidências de benefício no longo prazo!

Veja também: ‘Como reconstruir um crânio após um TCE?’

O controle glicêmico também é super bem vindo. Apesar do controle “intenso” (< 110 mg/dl) não ter mostrado benefícios – pois aumenta o risco de hipoglicemia – considera-se a faixa ideal de 70-140 mg/dl. Use insulina de ação curta para controle da hiperglicemia. Em relação à temperatura, uma verdade é certa: evite febre! E use antitérmicos se necessário. A dúvida que persiste é o papel da hipotermia. Os estudos em adultos são heterogêneos e 2 ensaios clínicos em crianças não mostram benefício da hipotermia leve. Desse modo, atualmente a recomendação é apenas manter normotermia. A exceção é o paciente com hipertensão intracraniana refratária, no qual a hipotermia pode ser utilizada como “last resource”. Há um estudo em andamento para avaliar o papel da hipotermia leve em adultos (Prophylactic Hypothermia Trial to Lessen Traumatic Brain Injury [POLAR]).

E a craniectomia? Há duas opções. A primeira delas, é o paciente com lesão expansiva (ex: hematoma). Essa craniectomia é chamada de “primária” e é assunto do cirurgião. Nosso papel como clínico está na craniectomia secundária: o dano cerebral é difuso e você chama o neurocirurgião para realizar craniectomia descompressiva. Há dois grandes estudos na área – DECRA e RESCUEicp, com resultados contraditórios. No DECRA, houve piora do desfecho com a cirurgia, enquanto no RESCUEicp houve menor mortalidade – apesar que aqueles sobreviventes muitas vezes ficaram com muitas sequelas. Enquanto uma verdade absoluta não aparece, a recomendação é tratar a hipertensão intracraniana com as medidas descritas acima – sedação, agente hiperosmolar, hiperventilação – e chamar o cirurgião se nada funcionar!

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