O que sabemos sobre as formas graves de Covid-19 na infância?

De acordo com estudos realizados até o momento, pacientes na infância são menos susceptíveis à infecção pela Covid-19.

De acordo com estudos realizados até o momento, crianças, além de serem menos susceptíveis à infecção pelo novo coronavírus de 2019 (SARS-CoV-2), exibem quadros clínicos mais brandos que os adultos.

Leia também: Quais sintomas de Covid-19 estão mais associados com PCR positivo em crianças?

Covid-19 na infância

O que se sabe?

Os dados disponíveis sobre a doença pelo novo coronavírus de 2019 (Covid-19) na faixa etária pediátrica ainda são escassos, notadamente no que diz respeito à gravidade dos sintomas desta infecção nas crianças. Aparentemente, segundo estudos recentes, os lactentes estão sob maior risco de desenvolver problemas respiratórios, principalmente os mais jovens. Além disso, uma nova apresentação da Covid-19 tem sido descrita por pesquisadores ao redor do mundo: a “síndrome inflamatória multissistêmica associada ao Covid-19”, do inglês multisystem inflammatory syndrome in children (MIS-C). Ela é caracterizada por febre, dor abdominal, sintomas gastrointestinais, cutâneos e alterações hemodinâmicas. Este quadro possui achados similares aos encontrados em outras entidades clínicas, como síndrome de Kawasaki, síndrome do choque tóxico, sepse bacteriana e síndrome de ativação macrofágica.

Com o objetivo de auxiliar a compreensão das formas graves da Covid-19 na infância, pesquisadores espanhóis realizaram um estudo multicêntrico utilizando dados obtidos a partir de 47 unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP) espanholas. Neste trabalho, foram comparadas crianças com sintomas consistentes com MIS-C e aquelas sintomáticas, porém sem preencher critérios para esta síndrome.

Todos os menores de 18 anos com diagnóstico de infecção pelo SARS-CoV-2 e admitidos em uma das UTIP participantes da pesquisa foram incluídos no estudo. Os pacientes com diagnóstico de MIS-C (definido através dos critérios da “Royal College of Paediatrics and Child Health”) foram incluídos independentemente do exame microbiológico confirmatório.

Definição de caso de MIS-C de acordo com a “Royal College of Paediatrics and Child Health”

  • Menores de 19 anos com febre por mais de 3 dias;

E

  • Aumento de marcadores inflamatórios como velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C reativa (PCR) e procalcitonina;

E

  • DOIS dos seguintes:
    • Exantema ou acometimento bilateral com: conjuntivite bilateral não purulenta ou sinais de inflamação muco-cutânea (boca, mãos e pés);
    • Hipotensão ou choque;
    • Sinais de disfunção miocárdica, pericardite, valvulite, ou anormalidades coronarianas (incluindo achados ao ecocardiograma ou aumento de troponina e pró-peptídeo natriurético tipo B – proBNP);
    • Evidência de coagulopatia: D-dímero aumentado, elevação do tempo de atividade da protrombina (TAP) e do tempo de tromboplastina parcial ativada (PTTa));
    • Sintomas gastrointestinais agudos como diarreia, vômito, dor abdominal;

E

  • Nenhuma outra causa microbiana óbvia de inflamação como sepse bacteriana, síndrome do choque por estafilococos ou estreptococos;

E

  • Evidência de infecção pelo SARS-CoV-2: RT-PCR positivo, sorologia positiva ou contactante íntimo de indivíduo infectado pelo SARS-CoV-2.

Características dos pacientes

Ao todo, foram recrutadas 74 crianças com idades variando entre 15 dias e 16,5 anos, a maioria delas do sexo masculino e sem comorbidades.

Foram evidenciados dois grandes grupos de pacientes sintomáticos: o primeiro com febre, choque, disfunção cardíaca aguda, sintomas gastrointestinais (ou seja, com hiperinflamação e critérios para MIS-C) e o segundo com sintomas respiratórios, incluindo síndrome angustiado desconforto respiratório agudo (SDRA), que frequentemente esteve associado com disfunção hepática e renal ( isto é, pacientes com uma apresentação de Covid-19 mais semelhante ao observado em adultos).

Em sua maioria (75%), pacientes com critério para MIS-C foram maiores de 6 anos. Tal achado é compatível com o demonstrado anteriormente na literatura, porém se contrapõe a doença de Kawasaki classicamente descrita que acomete sobretudo os menores de 5 anos.

Saiba mais: Transmissão da Covid-19 por crianças: o que sabemos até agora?

Nos pacientes do grupo MIS-C, sintomas gastrointestinais foram mais comuns que os respiratórios, ao contrário do que foi encontrado nos pacientes com infecção clássica pelo SARS-CoV-2. Enquanto nestes últimos os sintomas gastrointestinais estiveram presentes em apenas 4% dos casos, mais da metade (60%) dos pacientes com hiperinflamação exibiram esse tipo de manifestações. Além disso, no grupo MIS-C, 100% dos pacientes apresentaram febre, enquanto 1/3 dos pacientes com sintomas clássicos foram afebris.

Quanto à necessidade de aminas vasoativas, a maioria dos pacientes com MIS-C apresentou instabilidade hemodinâmica e necessitou desse tipo de terapia, o que foi incomum no grupo com manifestações clássicas. Em contrapartida, o uso de ventilação mecânica foi maior no grupo sem MIS-C. Em relação ao tratamento, antibióticos, corticosteroides e imunoglobulinas foram prescritos mais comumente para os pacientes com MIS-C.

Em relação a fisiopatologia da MIS-C, o presente estudo também endossou a teoria de que a sintomatologia é consequência de uma resposta hiperinflamatória desregulada secundária a presença do vírus e não consequência da sua ação direta. Todos os casos de MIS-C descritos foram observados pelo menos 15 dias após a imposição do lockdown na Espanha. Além disso, mais da metade dos pacientes com MIS-C exibiram resultados de PCR negativos, porém a maior parte apresentou sorologia positiva.

Surpreendentemente, a despeito do quadro clínico ser marcado por gravidade, não houve nenhum óbito entre os pacientes com MIS-C. Outras séries de casos publicadas até o momento também observaram uma mortalidade baixa.

Estudos envolvendo um maior número de crianças são necessários para caracterizar esta síndrome com mais precisão e estabelecer quais tratamentos são mais indicados. Com o novo aumento de casos observado em diversos estados brasileiros a partir do final de novembro, talvez possamos observar um maior número de crianças infectadas. E, neste contexto, é de extrema importância o diagnóstico e monitoramento precoce dos potenciais casos de doença grave pelo SARS-CoV-2.

Referências bibliográficas:

  • García-Salido A, et al; Spanish Pediatric Intensive Care Society working group on SARS-CoV-2 infection. Severe manifestations of SARS-CoV-2 in children and adolescents: from COVID-19 pneumonia to multisystem inflammatory syndrome: a multicentre study in pediatric intensive care units in Spain. Crit Care. 2020 Nov 26;24(1):666
  • Whittaker E, et al; PIMS-TS Study Group and EUCLIDS and PERFORM Consortia. Clinical Characteristics of 58 Children With a Pediatric Inflammatory Multisystem Syndrome Temporally Associated With SARS-CoV-2. JAMA. 2020 Jul 21;324(3):259-269
  • Verdoni L, Mazza A, Gervasoni A, Martelli L, Ruggeri M, Ciuffreda M, Bonanomi E, D’Antiga L. An outbreak of severe Kawasaki-like disease at the Italian epicentre of the SARS-CoV-2 epidemic: an observational cohort study. 2020 Jun 6;395(10239):1771-1778
  • Fundação Oswaldo Cruz (BRASIL). Boletim Observatório COVID-19 números 48 e 49. Semanas epidemiológicas de 22 a 30 de novembro e 1º a 5 de dezembro de 2020. Acesso em 16/12/2020. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u35/boletim_covid_semana_48-49_web.pdf.

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