Coautor: Rafael Polakiewicz. Doutorando em Ciências do Cuidado em Saúde (UFF), Mestre em Ciências do Cuidado em Saúde (UFF) e Especialista em Atenção Psicossocial.
O discurso de ódio racial é antigo na história mundial e possui notável dano àqueles que sofrem e são alvos porque são vistos como uma ameaça ou até mesmo como um agressor ou um empecilho à sociedade. O ódio racial é deflagrado contra a raça e a diferença, ou mesmo a qualquer condição existencial que estabeleça alguma diversidade, levando a um discurso que normalmente tem seu conteúdo enraizado em questões culturais, sociais e econômicas. Além disso, as motivações para tais atitudes racistas, podem estar baseadas em motivações de inconsciente social que provocam um comportamento não condizente com normas sociais, morais e éticas a uma população.
No último dia 14 de maio, um homem, de 18 anos, atacou e matou dez pessoas, além de ferir outras três, na cidade de Buffalo, a segunda maior cidade do estado de Nova York. O homem armado abriu fogo contra as 13 pessoas, enquanto transmitia o ataque ao vivo pelo Twitch, uma plataforma online de videogame. O xerife do condado de Eerie, em Buffalo, descreveu o caso como um crime com motivação racial direta, uma vez que 11 das 13 pessoas eram negras, e agora, o FBI (Federal Bureau of Investigation), uma espécie de Polícia Federal dos Estados Unidos da América (EUA), investiga o caso como crime de ódio racial.
Contexto nacional
Na história do Brasil, os africanos, que tem a cor da pele negra, foram sucumbidos pela escravidão e muitos deles morreram e/ou foram violentados indignamente. Essas punições e torturas que marcaram esse povo que viviam em condições sub-humanas, gerava uma onda de suicídio entre os negros escravizados, pois eles preferiam a morte do que se submeter a tais humilhações. Quantos foram? Nunca saberemos! Eles não eram importantes. Fato é que apesar da perda de suas identidades, eles se estabeleceram no país mesmo contra vontade, mas criaram raízes e ajudaram a construir nossa cultura, que hoje é reconhecida por todo o mundo.
Isso posto, com a abolição da escravatura, os brancos não queriam pagar por um serviço que antes era feito por meio da violência, ameaça, prisão e morte aos negros. Assim, os estrangeiros começaram a realizar o trabalho braçal e os negros foram para áreas isoladas e afastadas do centro, nos chamados guetos, formando comunidades e a origem do processo que hoje chamamos de favelização. Compreende-se que não foi uma escolha, mas resultado da necessidade de se estabelecer, mesmo que em terrenos muitas vezes improdutivos para sobreviver. Eles estavam teoricamente livres, entretanto não podiam participar ativamente da sociedade, viviam a parte, exercendo atividades que os brancos permitiam. A entrada de fato no convívio social só foi estabelecido após muita luta e cabe ressaltar que mesmo nos dias atuais, a representatividade social-política é ínfima.
Vale deixar claro que o crime acontecido nos EUA não é isolado, diariamente ocorre algo assim, seja no Brasil ou ao redor do mundo, quando diversas formas de violência são dirigidas a pessoas negras. A segregação no mercado de trabalho, abordagens policiais equivocadas direcionada somente aos negros, violência diária a mulher negra, violência psicológica a criança e ao adolescente negro, capacitismo a pessoa negra e o ódio sem motivo são apenas alguns exemplos dos problemas diários que pessoas negras precisam conviver todos os dias em nossa atual sociedade.
Especificamente no Brasil, um país que tem o histórico de escravidão em seu passado e de possuir no poder o que é considerado como elite social, a maioria branca e com pouca diversidade, o simples fato da existência e/ou ascensão da pessoa negra, pode incomodar quem perpasse esse discurso de ódio racial e preconceito à cor da pele. Nesse contexto, as pessoas negras que passam todos os dias por diversos tipos de violência podem acabar por desenvolver sofrimento psíquico severo.
O homem negro é o que mais sofre e morre no Brasil, as mulheres negras são abusadas psicologicamente e sexualmente diariamente e os adolescentes negros tem menos acesso a educação, além de serem mais expostos a violência e a fome, por conseguinte, todos esses problemas sociais são geradores de diversas manifestações psíquicas. Além desses fatos, há também o racismo velado, que através de discursos e ataques indiretos, faz com que a pessoa negra se sinta menosprezada e menos valorizada na sociedade, quando, por exemplo, o cabelo de uma mulher negra recebe uma crítica ou é considerado como “ruim”, ou mesmo a própria cor da pele ou traços físicos no corpo. Outra forma de preconceito velado são as expressões, muitas vezes popularizadas, mas que trazem consigo a origem preconceituosa:
- “a dar com pau” – um pau criado para jogar comida pela boca dos negros que preferiam não comer e morrer a serem escravizados;
- “meia tigela” – quando não atigiam a meta, os negros recebiam a comida em meia tigela como forma de punição;
- “denegrir” – tornar negro;
- “a coisa tá preta” – associação da cor preta a algo ruim;
- “inveja branca” – o branco associado a algo que não é ruim;
- “criado mudo” – escravos que ficavam ao lado da cama para servir água e entregar os artigos pessoais, precisavam ficar mudos, senão eram punidos.
Existem diversas outras expressões e atitudes que podem gerar sofrimento mental à pessoa negra e isso é algo que de forma alguma pode ser negligenciado. O profissional da saúde precisa estar atento a essa grave questão social-cultural, que pode levar a transtornos depressivos, ansiedade, distúrbios do sono, distúrbios alimentares, medo, entre outros. O preconceito racial humilha e a humilhação social, sem dúvidas, faz sofrer.