Nos últimos anos vários países legalizaram o uso de cannabis. Alguns apenas de forma medicinal, visto os possíveis benefícios do canabidiol no tratamento de dor crônica, epilepsia, náusea, vômito e inapetência em pacientes sob quimioterapia. Já outros países também liberaram o uso da planta de forma recreativa, a fim de tentar reduzir o comércio ilegal, porém é sabido que seu uso a longo prazo pode cursar com dependência, déficit de atenção e de memória e até desencadear esquizofrenia. Sugere-se também, que o uso de cannabis por mulheres em idade reprodutiva aproximadamente dobrou nos últimos 20 anos e evidências mostram que seu uso pode inibir os pulsos de GnRh, alterando a ovulação e também a receptividade uterina e implantação. Estudo publicado na Human Reproduction este mês visou avaliar a interferência do uso de cannabis na taxa de sucesso de gestação em mulheres tentando engravidar.
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Método do estudo
Foi realizada uma coorte prospectiva em 4 centros americanos entre 2006-20012 com 1228 mulheres entre 18 e 40 anos tentando gestar e com antecedente de 1 ou 2 abortos, estas pacientes foram submetidas a questionário, o qual incluía pergunta sobre uso de maconha nos últimos 12 meses e também era realizada análise urinária em 4 momentos diferentes.
O estudo foi uma análise secundária do trial multicêntrico com avaliação do uso de aspirina em baixa dose em pacientes com aborto prévio. As mulheres foram acompanhadas durante 6 ciclos menstruais e também no início da gestação para aquelas que conseguiram engravidar. Como viés, não foi avaliado no estudo o uso de maconha pelos parceiros, o que pode ser um fator confundidor, pois muitas vezes a droga é utilizada pelo casal e pode interferir também na qualidade seminal.
Os resultados mostraram que apenas 5% das mulheres do estudo fizeram uso de cannabis neste período (seja o diagnóstico por autodeclaração ou por metabólitos na urina). Das pacientes que engravidaram apenas 1,3% (11/789) utilizaram cannabis nas primeiras 8 semanas de gestação, sendo comprovado por urina positiva. Mais de 50% das participantes que tiveram urina positiva não declararam uso de cannabis, mostrando a falta de acurácia dos dados fornecidos pelas pacientes mesmo em regiões em que a maconha é legalizada.
O uso da planta foi mais comum em mulheres que se declararam não brancas e de menor nível escolar. Constatou-se também entre as mulheres que utilizaram cannabis, que houve maior ingesta de álcool, antidepressivos e maior frequência de atividade sexual.
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Foi detectada maior concentração plasmática de LH e também maior relação LH:FSH entre as usuárias de cannabis, mostrando influência da substância no ciclo menstrual e um provável aumento de anovulação. No estudo, 42% das mulheres que utilizaram cannabis no período pré-concepcional se tornaram gestantes, enquanto 66% das não usuárias conseguiram engravidar, mostrando 41% de redução de fecundidade entre as usuárias. Não foi possível estimar o risco de aborto nas primeiras 8 semanas decorrente de cannabis, pois o número de usuárias dentro do estudo que engravidaram e evoluíram para perda gestacional foi muito baixo.
Mensagem prática
O uso de cannabis por mulheres em idade reprodutiva pode ocasionar alterações hormonais com redução de pulsos de GnRh e aumento da relação LH:FSH, com tendência à anovulação e menores taxas de gestação.
Referências bibliográficas:
- Mumford SL, Flannagan KS, Radoc JG, et al. Cannabis use while trying to conceive: a prospective cohort study evaluating associations with fecundability, live birth and pregnancy loss, Human Reproduction. 2021;deaa355. doi: 10.1093/humrep/deaa355
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