O uso de fator estimulador de colônia de granulócitos teria impacto na Covid-19?

O fator estimulador de colônia de granulócitos faz parte do tratamento em oncologia e dados de autópsias de Covid-19 mostram extravasamento de neutrófilos.

O fator estimulador de colônia de granulócitos (G-CSF) faz parte do tratamento de suporte de pacientes oncológicos, a fim de evitar ou reduzir o tempo de neutropenia secundária à quimioterapia. É questionável se que o uso do fator teria associação com pior prognóstico na infecção pelo novo coronavírus. Dados de autópsias de pacientes com Covid-19 mostram extravasamento de neutrófilos no espaço alveolar, o que poderia ser intensificado pelo efeito do G-CSF.

Além disso, muitos pesquisadores e médicos que estão na linha de frente contra a Covid-19 vêm notando neutropenia nos indivíduos com infecção grave. Já há estudos que mostram também que tais pacientes apresentam linfopenia com maior frequência e intensidade do que os casos mais leves. A razão entre o número absoluto de neutrófilos e o de linfócitos é um índice facilmente calculado e que pode contribuir na avaliação do estado inflamatório do doente: a resposta inflamatória estimularia a produção de neutrófilos e a apoptose de linfócitos.

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G-CSF na Covid-19

Dados na literatura não apenas em doenças infecciosas (incluindo causadas por outros coronavírus, como o MERS-CoV), mas também em neoplasias, síndrome coronariana aguda, hemorragia intracraniana, polimiosite e dermatomiosite, mostram que uma razão alta associa-se a maior risco de mortalidade. Recentes estudos com pacientes com Covid-19 grave ressaltaram a mesma associação. Em um estudo chinês com 93 casos confirmados de Covid-19, por exemplo, observou-se que idade ≥ 49,5 anos e razão neutrófilos/ linfócitos ≥ 3,3 foram fatores independentes de mau prognóstico.

Na tentativa de estudar o impacto prognóstico do G-CSF na Covid-19, autores americanos avaliaram três pacientes que desenvolveram infecção grave nas primeiras 72 horas após administração do fator. Os indivíduos receberam o mesmo esquema de hidroxicloroquina para tratamento da infecção viral:

Paciente 1

Era um homem de 65 anos, com leucemia mieloide aguda recaída, em tratamento com azacitidina e venetoclax, que foi admitido com neutropenia febril. Foi iniciada antibioticoterapia de amplo espectro empiricamente e feita uma dose de G-CSF. No segundo dia de internação (24 horas após a dose de G-CSF), houve piora clínico-radiológica, com hipoxemia e necessidade de ventilação mecânica, além de aumento das opacidades pulmonares bilateralmente.

A contagem de neutrófilos tinha aumentado de 300/mm³ para 2.200/mm³. A razão entre o número absoluto de neutrófilos e o de linfócitos foi aumentando progressivamente durante a evolução, a qual foi marcada por diversas complicações. O paciente foi a óbito no 12º dia de internação.

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Paciente 2

Era uma mulher de 35 anos, com linfoma de grandes células B primário de mediastino, submetida a transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas cerca de 2 meses antes, que foi admitida por febre e tosse seca. Na ocasião, tinha leucometria normal e encontrava-se estável hemodinamicamente.

No terceiro dia de internação, notou-se neutropenia e, devido à persistência da febre, foi iniciada antibioticoterapia de amplo espectro. No quinto dia, a paciente recebeu uma dose de G-CSF, que resultou em aumento significativo da contagem de neutrófilos (de 600/mm³ para 10.700/mm³ de 48 horas).

No 12º dia, houve nova queda de neutrófilos (600/mm³), tendo sido feita outra dose de G-CSF. Novamente ocorreu aumento rápido e importante da contagem neutrofílica (20.200/mm³ após 24 horas da dose de G-CSF). Dois dias após a segunda dose do fator estimulador, a paciente apresentou hipoxemia, hipotensão e taquicardia, além de piora radiológica. A razão entre o número absoluto de neutrófilos e o de linfócitos foi reduzindo progressivamente durante a evolução, e a paciente recebeu alta após 33 dias de internação.

Paciente 3

Era uma mulher de 58 anos, com carcinoma ductal invasivo de mama, em tratamento com doxorrubicina e ciclofosfamida, que foi admitida com neutropenia febril. Foi iniciada antibioticoterapia de amplo espectro empiricamente e feita uma dose de G-CSF. Apesar do aumento da contagem de neutrófilos (de 600/mm³ para 7.500/mm³), nova dose de G-CSF foi feita no segundo dia de internação.

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No terceiro dia, houve piora clínico-radiológica, com taquipneia e aumento das opacidades pulmonares bilateralmente; a contagem de neutrófilos tinha aumentado para 16.500/mm³. Houve necessidade de ventilação mecânica, porém paciente foi apresentando melhora clínica evolutiva, o que coincidiu com a redução gradual da razão entre o número absoluto de neutrófilos e o de linfócitos. A paciente foi extubada após 20 dias de ventilação mecânica e permanecia internada, estável hemodinamicamente.

Conclusões

Nos três casos, a razão entre o número absoluto de neutrófilos e o de linfócitos ficou maior que 5 nas primeiras 72 horas após a administração de G-CSF, quando houve piora do padrão respiratório. Os indivíduos mais idosos apresentaram quadro mais grave, com necessidade de ventilação mecânica e leito em centro de tratamento intensivo.

Pode-se pensar que o uso do G-CSF com consequentes neutrofilia e aumento da razão neutrófilos/ linfócitos tenha contribuído para a piora clínica dos doentes, particularmente naqueles com outros fatores de mau prognóstico. Tal relação foi observada nos três casos relatados, porém ainda são necessários estudos, preferencialmente prospectivos e com um adequado número de participantes, para melhor fundamentar o impacto do G-CSF na evolução da Covid-19.

Referências bibliográficas:

  • Nawar, Tamara, et al. “Granulocyte‐colony stimulating factor in COVID‐19: Is it stimulating more than just the bone marrow?.” American Journal of Hematology (2020).
  • Yang, Ai-Ping, et al. “The diagnostic and predictive role of NLR, d-NLR and PLR in COVID-19 patients.” International immunopharmacology (2020): 106504.

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