O uso de MDMA no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático

Este artigo vai falar sobre uma metanálise sobre o uso de MDMA no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Recentemente, vários veículos midiáticos vêm expondo estudos envolvendo drogas psicodélicas para o tratamento de transtornos psiquiátricos. Este artigo vai falar sobre uma metanálise recente que se propôs a fazer uma revisão sistemática sobre o uso de metilenodioximetanfetamina (MDMA), popularmente conhecida como ecstasy, para o tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

O TEPT é uma doença complexa e que se caracteriza por alterações envolvendo quatro principais núcleos de sintomas: a evitação; a presença de sintomas que fazem com que o paciente reviva a experiência; alterações negativas na cognição e no humor e alterações na excitação e reatividade. Isso se dá após a exposição a um evento traumático, que pode ser um desastre natural, uma violência sexual ou outras formas de eventos que ameaçam a vida.

Sua prevalência ao longo da vida varia entre 8 e 9%, podendo ser ainda maior em determinadas populações, como militares que foram para a guerra. Por suas consequências, possui importante impacto econômico, social e relacionado à saúde pública, além de comorbidades como o uso de substâncias ou mesmo suicídio.

terapeuta conversando com paciente com transtorno de estresse pós-traumático

Tratamento do transtorno de estresse pós-traumático

Os guidelines mais recentes sobre o tratamento do transtorno sugerem uma abordagem com psicoterapia, o uso de psicofármacos ou ambos. Dentre as psicoterapias, aquelas consideradas como primeira linha são a terapia cognitivo-comportamental (TCC) focada no trauma; terapia de processamento cognitivo; técnica de exposição prolongada e dessensibilização e reprocessamento de movimentos oculares, individual ou em grupo. Várias metanálises corroboram a eficácia das psicoterapias, sendo que a abordagem individual parece ser mais eficaz do que a em grupo.

Do ponto de vista farmacológico, a única classe de medicação aprovada pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, para o tratamento são os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS). Estes conseguiriam diminuir a intensidade dos sintomas, mas ainda seriam menos eficazes que a psicoterapia. Outras classes são usadas num esquema off-label, como ansiolíticos, estabilizadores do humor e antipsicóticos, mas as evidências de suas eficácias são limitadas.

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Outro exemplo de medicação voltada aos sintomas é o prazosin, que atuaria em receptores adrenérgicos, diminuindo a hiperexcitação e os distúrbios do sono (como pesadelos). Apesar das opções terapêuticas de primeira linha, a resistência ao tratamento permanece alta. Até 50% dos pacientes podem não responder ou desenvolver importantes efeitos colaterais relacionados à medicação. Por isso vem aumentando as pesquisas envolvendo novas abordagens para o tratamento, como o uso de propranolol e da D-cicloserina. Contudo, estes vêm apresentando respostas mistas nas pesquisas.

Tratamento com MDMA

Uma outra opção em estudo é o MDMA, que é uma droga psicodélica de uso recreativo. Por atingir diferentes sistemas neurotransmissores no cérebro, essa substância ofereceria algumas vantagens quando comparada aos ISRS. Sua forma pura associada à psicoterapia facilitaria o tratamento, pois o paciente estaria mais propenso a reviver algumas experiências traumáticas com um nível de engajamento emocional apropriado.

Embora várias pesquisas sugiram sua eficácia, essa opção ainda não foi liberada por vários órgãos reguladores, mesmo que estes estejam autorizando pesquisas no estágio clínico 3 em diversos países, visando acelerar sua liberação. Alguns estudiosos ainda duvidam de sua eficácia, sugerindo a existência de vieses. Por isso esta metanálise foi realizada.

A revisão envolveu uma ampla pesquisa em base de dados como a Cochrane, o Pubmed, a Medline, a Embase, a PsycINFO, CINAHL, Current Controlled Trials e o Clinical Trials. As buscas ocorreram em junho e dezembro de 2018. Os estudos envolviam participantes diagnosticados com TEPT ou TEPT refratária baseada na duração dos sintomas e no tratamento malsucedido. O tratamento deveria reunir a combinação de MDMA e psicoterapia e o diagnóstico se deu baseado no DSM-lV-TR.

Após estabelecer critérios de inclusão, exclusão e ferramentas de análise, 49 estudos foram inicialmente selecionados, mas apenas cinco foram considerados relevantes para a elaboração do artigo discutido. Este estudo tem uma série de limitações, como a pouca literatura já produzida sobre este assunto (quando comparado a outros tratamentos para o TEPT), apresenta pouca heterogeneidade, sendo usados estudos com amostras pequenas e com variações entre os mesmos (ex.: no que diz respeito a doses e duração do tratamento). A qualidade da evidência de cada estudo variou de moderada a alta.

É necessário considerar também o viés de publicação, já que alguns trabalhos com resultados negativos ou neutros nem sempre são publicados. A variação nas definições de TEPT crônico na literatura e na prática clínica podem constituir outro viés. Questões referentes ao grupo controle e acompanhamento a longo prazo também são algumas limitações. O pequeno número de trabalhos não permitiu uma análise de meta-regressão para avaliação de algumas variáveis.

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Resultados e conclusões

O tratamento com MDMA associado à psicoterapia foi associado a uma maior taxa de resposta. As proporções dos pacientes que obtiveram resposta clínica foram de 58% no geral, 72% no grupo que fez uso do MDMA e 19% no grupo controle. Do ponto de vista quantitativo houve uma baixa heterogeneidade.

A taxa de resposta foi significativamente maior no grupo experimental, indicando que o MDMA associado à psicoterapia está relacionado a um aumento significativo de resposta clínica. As taxas de remissão também foram, de forma semelhante, maiores nesse mesmo grupo experimental. Também houve uma redução considerável no número dos sintomas e sua intensidade.

Além disso, seus efeitos positivos parecem ter se mantido durante o seguimento, o que indica um potencial efeito duradouro. Os estudos de dose-resposta encontraram que a droga pode ser administrada de forma segura num ambiente clínico, mas discordaram quanto à eficácia. Efeitos colaterais também foram observados, havendo destaque para alguns, como aumento dos sintomas depressivos e de ideação suicida.

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Conclui-se que este tratamento possui potencial para ser eficaz, seguro e duradouro nos casos de TEPT crônico e refratário. Os pacientes apresentam maior probabilidade de apresentar resposta clínica, remissão dos sintomas e diminuição das pontuações nas escalas de avaliação, mantendo este padrão por um período de dois a 74 meses. Estes resultados reforçam a eficácia deste tipo de tratamento a curto e longo prazo.

Contudo, ainda se carece de evidências suficientes que suportem o amplo uso da psicoterapia associada ao MDMA em relação aos tratamentos convencionais. Estudos de fase 3 já estão acontecendo. Há outros trabalhos que também encontraram evidências preliminares para o uso de outros tratamentos experimentais nos pacientes com TEPT, como o uso de psilocibina, ayahuasca, D-cicloserina, e ácido lisérgico.

Referências bibliográficas:

  • Bahji A, Forsyth A, Groll D, Hawken ER. Efficacy of 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA)-assisted psychotherapy for posttraumatic stress disorder: A systematic review and meta-analysis. Progress in Neuropsychopharmacology & Biological Psychiatry 96 (2019). DOI: https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2019.109735.

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