O uso do tramadol no controle da dor é bom para quem?

A Cochrane publicou uma resposta clínica derivada da revisão sistemática, que respondeu: quais os benefícios do tramadol no câncer?

Em julho de 2019, a Cochrane publicou uma resposta clínica derivada da revisão sistemática de maio de 2017 “Tramadol with or without paracetamol (acetaminophen) for cancer pain.”. A pergunta da resposta clínica era: “Qual os benefícios e malefícios do tramadol em adultos com dor devido ao câncer?”.

enfermeiro regulando tramadol para aplicação junto de soro fisiológico em paciente com câncer

Tramadol na prática clínica

Antes de trazer as conclusões, aproveito para discutir algumas informações indispensáveis para quem pretende usar tramadol na sua prática clínica:

  • O tramadol é um opioide sintético, de ação central, com mecanismos não opioides envolvidos na analgesia, uma vez que a analgesia é apenas parcialmente inibida (30%) pela naloxona;
  • Assim como a codeína, é um pró-fármaco, pois a sua ação analgésica depende da metabolização hepática pelo sistema P450 para conversão do seu metabólito ativo, no caso o O-desmetiltramadol (M1);
  • Esse metabolismo de primeira passagem pode trazer algumas particularidades quanto a eficácia analgésica devido ao polimorfismo do gene CYP2D6, presente entre 5-10% da população. Portanto, alguns pacientes podem não ter analgesia com uso do tramadol (metabolizadores lentos), bem como podem metabolizar rapidamente e ter efeitos adversos intensos;
  • A analgesia é promovida pelo M1, que atua como agonista no receptor µ opioide bem como na liberação e inibição da recaptação de serotonina e na inibição da recaptação de noradrenalina (estrutura similar à venlafaxina);
  • Por atuar nos receptores de serotonina e noradrenalina, pode ser uma boa droga no controle da dor neuropática. A atividade nos receptores serotoninérgicos é responsável pelos efeitos eméticos do medicamento;
  • Atentar para a contraindicação do uso concomitante com IMAO’s e antidepressivos tricíclico devido ao aumento da sedação. Há risco aumentado de síndrome serotoninérgica em pacientes em uso de inibidores da recaptação de serotonina;
  • Além disso, existe inibição do tramadol quando utilizado com sertralina, fluoxetina, paroxetina, bupropiona;
  • Em pacientes idosos, o fármaco pode causar ou exarcebar distúrbios cognitivos e da marcha. Também pode precipitar convulsões em doentes epiléticos ou outros que recebam medicação que reduza o limiar convulsivo.
    Para evitar as crises convulsivas, o tramadol injetável deve ser administrado em infusão lenta de 100 mg em 2 a 3 horas;
  • Há relato de associação à hipoglicemia. Em pacientes com diabetes tipo 1, a taxa de hipoglicemia pode chegar à 50%;
  • O tramadol também foi associado a uma chance aumentada de hiponatremia;
  • É contraindicado para menores de 12 anos;
  • A apresentação de liberação imediata deve ser prescrita de 6/6 horas. A de liberação prolongada de 12/12 horas;
  • Em geral a equivalência entre morfina e tramadol é de 1:10. Algumas referências falam sobre uma equivalência diferenciada de parenteral para via oral, respectivamente 1:10 e 1:5 devido a maior disponibilidade de tramadol via oral;
  • O PCF6 (Palliative Care Formulary) orienta que uma dose baixa de morfina 20-30 mg/24 horas promove rápida e melhor alívio da dor oncológica que o tramadol.

Leia também: Morfina: mitos e verdades para boa prática em Cuidados Paliativos

Com essas contas, vale a pena rever a prescrição, pois quando se prescreve 50 mg de tramadol de 6/6 horas, ou 100 mg 12/12 horas (liberação prolongada), ou seja, 200 mg/dia, equivalem à 40 mg/dia de morfina VO. Lembrando que se for comprimido ou cápsula, a caixa do tramadol não vem com mais de 10 cp e a da morfina varia de 50 a 60 cp. 

Paciente oncológico

De posse dessas informações, trago as conclusões desse estudo da Cochrane:

  • Para o manejo da dor oncológica, existem poucas opções para controle da dor leve a moderada antes de lançar mão de opioides fortes (ex.: morfina);
  • Não há evidências claras para apoiar o uso de tramadol em dores leves a moderadas ou fortes;
  • As evidências sugeridas foram de que o tramadol pode ser menos eficaz que a morfina no controle da dor. Seu papel como analgésico para a dor do câncer não é claro;
  • Não há informações para o uso de tramadol em pediatria.

Foi reforçado que as evidências são de qualidade baixa e limitada, entendendo que as pesquisas na população de pacientes oncológicos são desafiadoras para grandes estudos de alta qualidade e com mínimo viés.

Fica aqui a sugestão do exercício crítico na prescrição do tramadol e a pergunta que sempre deve ser pensada: por que não morfina?

Referências bibliográficas:

  • Barbosa A, Pina PR, Tavares F, et al. Manual de Cuidados Paliativos. 3ª. ed. Lisboa. Faculdade de Medicina de Lisboa; 2016.
  • Twycross R, Wilcock A, Howard P. Palliative Care Formulary; 6ª. ed. London. 2018.
  • Wiffen P et al. Tramadol with or without paracetamol (acetaminophen) for cancer pain. The Cochrane database of systematic reviews. 2017; 5 (5).
  • Burch J, Briarava M. What are the benefits and harms of tramadol for adults with cancer pain? Cochrane Clinical Answers. 2019.
  • Fournier J, et al. Tramadol for Noncancer Pain and the Risk of Hyponatremia. The American Journal of Medicine. 2015; 128(4):418-425.
  • Golightly LK, et al. Hypoglycemic effects of tramadol analgesia in hospitalized patients: a case-control study. J Diabetes Metab Disord. 2017; 16(1).

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