Oftalmoparesia internuclear bilateral secundária a esclerose múltipla: relato de caso

A oftalmoparesia internuclear é uma condição rara. As etiologias são diversas, mas se destacam as lesões vasculares e desmielinizantes.

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A oftalmoparesia internuclear (OIN) é uma condição rara, principalmente quando bilateral. As etiologias são diversas, mas se destacam as lesões vasculares e desmielinizantes. Relatamos um caso de OIN bilateral que se apresentou na emergência clínica como vômitos incoercíveis. Mostramos imagens do exame da motricidade ocular e da ressonância magnética evidenciando lesão mediana pontina posterior.

Excluídas outras possibilidades diagnósticas, o diagnóstico de esclerose múltipla foi firmado. Fazemos breve revisão da neurofisiologia do fascículo longitudinal medial, estrutura que quando lesada gera o quadro clínico descrito, e do diagnóstico diferencial do OIN.

Anormalidades no movimento ocular extrínseco são frequentes na prática da Neurologia, sobretudo em indivíduos com esclerose múltipla4. Devido a sutileza da lesão, por vezes não há queixas clínicas, entretanto manifestações exuberantes, tais como diplopia, nistagmo grave associado a vômitos e desidratação também podem ocorrer.

Apresentamos um caso clínico no qual a queixa principal, vômitos – sintoma potencialmente trivial –, foi secundária a doença neurológica, situação na qual o exame da motricidade ocular foi fundamental para o diagnóstico.

Oftalmoparesia internuclear bilateral

Relato de caso

Homem, 21 anos, previamente hígido, com história de vômitos incoercíveis há três dias da admissão; adicionalmente referia “tontura” descrita como turvação visual no mesmo período. Negava episódios similares prévios ou outras queixas.

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Ao exame neurológico apresentava desidratação e alteração da motilidade ocular extrínseca apresentada por dificuldade na adução de ambos os olhos nas miradas horizontais, com convergência preservada (Figura 1), associado a nistagmo do olho em abdução, compatível com oftalmoparesia internuclear (OIN) bilateral. Associava-se ainda discreta paresia facial de padrão periférico a direita, ataxia apendicular nos quatro membros e discretos sinais de libertação piramidal nos membros superiores (sinais de Hoffman e Tromner).

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FIGURA1: OIN bilateral. Note boa convergência a limitação da adução de ambos os olhos no olhar conjugado horizontal (A e B), mas boa execução do movimento de convergência ocular em C.

 

Apesar da clínica pouco exuberante, a investigação por neuroimagem com ressonância magnética mostrou lesões caracterizadas por hipersinal nas sequências ponderadas em T2 e FLAIR em regiões periventriculares, bem como lesões em lobos temporais, corpo caloso, córtico-justacorticais, pedúnculos cerebelares, tronco e cerebelo, assimétricas, além de lesão medular de extensão equivalente a dois corpos vertebrais. Apenas algumas dessas lesões tinham captação do meio de contraste – dentre elas, uma lesão pontina posterior (Figura 2).

FIGURA 2. RM crânio ponderada em FLAIR. Note hipersinal pontino posterior (seta). Também há alterações de sinal em região temporal bilateral (em A) e corpo caloso, principalmente na interface caloso-septal, que é sugestiva de esclerose múltipla (em B).

 

Estudo do LCR mostrou celularidade e proteína normais, com ausência de bandas oligoclonais, mas com síntese intratecal de IgG. As provas imunológicas para presença de vírus e outros patógenos do SNC no LCR também foram negativas. Função hepática, renal e tireoidiana normais. FAN, FR, HBV, HVC, HIV, HTLV, VDRL negativos, B12 e complemento normais.

Diante dos achados, pulsoterapia com metilprednisolona por cinco dias foi instituída, resultando em melhora substancial dos sintomas. O diagnóstico de esclerose múltipla foi firmado, pelos critérios mais recentes de McDonald. Recebeu alta com planejamento de seguir tratamento ambulatorial para instituição de medicação modificadora do curso da doença.

Discussão

Oftalmoparesia internuclear é um sintoma que pode ter várias etiologias. A causa mais comum é vascular (acidente vascular cerebral), seguida por doenças desmielinizantes (como esclerose múltipla); entretanto, quando bilateral, as causas desmielinizantes se tornam mais comuns2.

O surgimento dessa condição depende da lesão dos circuitos relacionados ao comando do olhar horizontal, do qual o grande articulador é o fascículo longitudinal medial (FLM)5. O FLM é um conjunto bilateral de fibras que corre próximo da linha média – o que justifica a possibilidade de lesões únicas, medianas, poderem afetar ambos os FLMs –, da porção mais posterior e superior do bulbo até o aqueduto cerebral. Nesse percurso ele faz contato entre vários núcleos relacionados ao controle do olhar e posição da cabeça.

Estudos em neurofisiologia apontam que o comando para olhar para a direita é dado pelo centro cortical frontal do olhar voluntário esquerdo, que se comunica com a formação reticular paramediana pontina direita e esta com o núcleo do sexto nervo direito, o qual inerva o músculo reto lateral ipsilateral, fazendo o olho direito olhar para a direita.

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Utilizando o exemplo do olhar horizontal para direita enfatizamos que o papel do FLM é garantir o movimento sincrônico do olho esquerdo de modo que seja mantido o foco do olhar durante a mirada horizontal para o lado direito. Tal sincronicidade depende de fibras altamente mielinizadas, rápidas, presentes neste fascículo para comunicar o núcleo do sexto nervo com o subnúcleo do terceiro nervo do olho contralateral para ativação do músculo reto medial.

Entretanto, a convergência ocular (adução de ambos os olhos para olhar para um objeto muito próximo, como a ponta do nariz, Figura 1C) está preservada – evidenciando que não há lesão dos retos mediais nem dos núcleos nem do próprio do terceiro nervo –, pois o movimento de vergência independe do FLM. Nas lesões unilaterais, o lado da lesão é o lado cujo olho não aduz.

A OIN tem alto valor localizatório – lesão do FLM, no tronco cerebral –, porém a capacidade de definir etiologia é limitada. História clínica, sintomas associados e neuroimagem são essenciais na investigação. Entretanto, algumas condições como miastenia gravis e lesões orbitárias podem mimetizar o quadro3, devendo o clínico estar atento a pistas da história e do interrogatório sintomatológico.

O diagnóstico diferencial inclui, além das doenças vasculares (AVC isquêmico e hemorrágico) e desmielinizantes, lesões infecciosas (sífilis, neurocisticercose, toxoplasmose), lesões expansivas (tumores primários, metástases), trauma, intoxicação por drogas (barbitúricos, tricíclicos) e malformação de Chiari1. Nos casos de esclerose múltipla com cometimento do movimento ocular, o prognóstico parece ser pior4.

Conclusão

A OIN tem alto valor topográfico, apesar de pouco valor etiológico. Apesar de a etiologia vascular ser mais frequente, a ausência de fatores de risco cardiovasculares e idade jovem, fazem pensar na possibilidade doenças desmielinizantes. História clínica, sintomas associados e neuroimagem serão fundamentais na determinação diagnóstica desses casos. O prognóstico depende essencialmente da etiologia.

Coautoria:

Clélia Maria Ribeiro Franco
José Luiz de Miranda Coelho Inojosa

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Referências:

  1. KARATAS, M. Internuclear and supranuclear disorders of eye movements: clinical features and causes. Eur J Neurol, v. 16, n. 12, p. 1265-77, Dec 2009. ISSN 1468-1331. Disponível em <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19723293 >.
  2. KEANE, J. R. Internuclear ophthalmoplegia: unusual causes in 114 of 410 patients. Arch Neurol, v. 62, n. 5, p. 714-7, May 2005. ISSN 0003-9942. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15883257 >.
  3. LIN, W. V.  et al. Orbital metastasis mimicking internuclear ophthalmoplegia: A case report and review. Can J Ophthalmol, v. 52, n. 4, p. e149-e151, Aug 2017. ISSN 1715-3360. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28774543 >.
  4. SERVILLO, G.  et al. Bedside tested ocular motor disorders in multiple sclerosis patients. Mult Scler Int, v. 2014, p. 732329,  2014. ISSN 2090-2654. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24876966>.
  5. VIRGO, J. D.; PLANT, G. T. Internuclear ophthalmoplegia. Pract Neurol, v. 17, n. 2, p. 149-153, Apr 2017. ISSN 1474-7766. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27927777>.

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