Desde o início da corrida para o controle e disseminação mundial do coronavírus SARS-CoV-2, associado à pandêmica síndrome de Covid-19, diversas estratégias têm sido sugeridas. Porém, a mais efetiva e recentemente em distribuição e avaliação corresponde a imunização ativa através da vacinação com fragmentos de material genético viral diretamente ou via vetores, vacina proteica, vírus inativado, recombinantes ou outras estratégias. Com a ampla divulgação e estimulação à adesão ao programa de vacinação em diversos países, surgem alguns questionamentos como “Quais fatores efetivamente influenciam a resposta à imunização por vacinas?”
Uma excelente revisão publicada emZimmermann e Curtis em 2019, antes mesmodo surgimento da pandemia atual, destrincha os detalhes já publicados em literaturacientífica sobre essa discussão. E trazemos aqui os pontos mais importantes, nãorelacionados à formulação vacinal, para a melhor compreensão e no intuito de evitarmosprejuízo na resposta imune após a administração das vacinas.
Os fatores que influenciam o processo de imunização se distribuem em fatoresintrínsecos do hospedeiro, fatores perinatais, fatores extrínsecos, fatorescomportamentais, fatores nutricionais, fatores ambientais, fatores vacinais e fatoresrelacionados à administração das vacinas. Resumimos aqui as principais consideraçõessobre esse assunto:
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Fatores intrínsecos do hospedeiro
Idade – Extremos de idade apresentam menor efetividade na resposta imuneà imunização, especialmente a antígenos polissacarídeos, para os quais sãonecessárias doses de reforço. Os neonatos apresentam baixa produção deanticorpos próprios e aqueles anticorpos maternos adquiridos interferemnegativamente com a resposta vacinal, mesmo até 24 meses, nesses casosexiste um timing ideal e esquema específico para potencializar a respostaefetiva para cada tipo vacinal de acordo com a idade da criança. Em indivíduos > 65 anos, verifica-se menor produção de Il-10 e um declínio naresposta via células T CD8.
Sexo – Os estudos são controversos, alguns sugerem que o sexo femininoapresenta maior taxa de resposta humoral para determinadas vacinas comoantidengue, hepatite A, hepatite B, Haemophilus influenzae tipo b (Hib), raivae outras, enquanto o sexo masculino apresenta respostas superiores paravacinas como antidifteria, tétano e outras. Porém, não há consenso sobreessas diferenças.
Genética – Grupos étnicos distintos apresentam resposta diferencial àvacinação, mediante o polimorfismo de HLA/MHC apresentado. Entregêmeos a concordância pode variar de 30 a 90% para às respostas humorale celular. Os tipos sanguíneos também apresentam variações nas respostasvacinais.
Idade gestacional – As crianças prematuras apresentam menorpotencialidade no reconhecimento de antígenos vacinais, econsequentemente menor produção humoral e celular.
Peso ao nascimento – O menor peso ao nascer está associado à redução daintensidade da resposta humoral após imunização com diversos tiposvacinais.
Aleitamento materno – Há maior estimulação da resposta humoral efetiva àsimunização ativa em crianças submetidas ao aleitamento materno quandoem comparação com aquelas alimentadas precocemente com fórmulasalimentares.
Infecções maternas durante a gravidez – Resposta variável dependendo dotipo e número de infecções maternas, porém alguns estudos indicamprejuízos nas respostas às vacinas Hib, difteria e tétano mediante múltiplasinfecções da gestante.
Fatores extrínsecos
Infecções bacterianas ou virais – A maioria dos estudos não sugereinfluência da resposta humoral à imunização mediante quadros de diarreia, febre ou infecções respiratórias em crianças. Por outro lado,fenômenos opostos foram observados após infecção pelo vírusEpstein-Barr (EBV), citomegalovírus, hepatite B, C e o vírus daimunodeficiência humana (HIV) com alta carga viral e prejuízolinfocitário.
Infecções parasitárias – Quadros infecciosos por malária infantilsintomática têm demonstrado resposta humoral e produção decitocinas inferiores na vacinação anti-Hib, sarampo, tétano e outras.Efeitos semelhantes foram observados na infecção por Onchocercavolvulus e Ascaris lumbricoides e a vacinação contra o tétano. Poroutro lado, a infecção congênita por Trypanosoma cruzi apresentouresposta por IFN- potencializada na vacinação antidifteria, Hepatite Be tétano.
Antibióticos, probióticos e prebióticos – Há carência de estudos emhumanos que investigam o efeito do uso de antibióticos sobre aresposta vacinal. Estudos experimentais em camundongos sugeremque o uso de claritromicina ou doxiciclina leva à menor produção deanticorpos após vacinação contra Hepatite B, tétano ou vacinapneumocócica. Por outro lado, o uso de ampicilina esteve associadocom maiores taxas de produção de anticorpos em resposta avacinação com a Salmonella Typhi atenuada. Quanto ao uso deprobióticos, os estudos também sugerem potencialização daresposta imune. Porém, em estudos com mistura de probióticos eprebióticos, não foram verificados efeitos significativos na respostahumoral ou celular.
Microbiota – Associação comprovada até o momento dapredominância de Firmicutes e actinobacteria com a maior produçãode anticorpos, em contraste com a ocorrência de proteobacterias ouBacteriodetes.
Tabagismo – Efeitos negativos sobre a resposta humoral à vacinaçãoanti-Hepatite B, mas não em todos os estudos. Ainda controverso.
Consumo de álcool – Não há influência na resposta frente a imunizaçãocontra Hepatite A ou B, mas há menor produção humoral na vacinação parapneumococos.
Atividade física – Há potencialização comprovada da resposta imune entreindivíduos com atividade física moderada a intensa regularmente, mas podevariar dependendo da vacina administrada.
Estresse psicológico agudo ou crônico – A estabilidade emocional e o estadode felicidade, de forma aguda ou crônica, parecem favorecer a imunidadeefetora, em contraste com o estresse mental antes da vacinação.
Sono – Observa-se prejuízo na resposta imune à vacinação em indivíduoscom pior qualidade do sono e curto período de tempo. Os mesmos efeitossão observados em pacientes com apneia do sono.
Fatores nutricionais
Índice de massa corporal – Há uma relação inversamente proporcional naefetividade da resposta humoral e o índice de massa corporal.
Status nutricional – Os quadros de desnutrição não são favoráveis àprodução de anticorpos a diversas vacinas como anti-hepatite B, sarampo,poliomielite, BCG e outras.
Micronutrientes (vitaminas A, D, E e zinco) – As hipovitaminoses e carência dezinco parecem influenciar negativamente a eficácia vacinal, apesar dealguns estudos com resultados conflitantes.
Fatores ambientais:
Ambiente rural – Crianças vivendo em áreas rurais apresentam maiortaxa de produção de anticorpos à vacinação contra tétano e a vacinaexperimental antimalária, em comparação àquelas de vida urbana.
Localização geográfica – Resposta variável de acordo com o tipo devacina e idade do paciente.
Sazonalidade – Não há associação entre o mês de administração davacina e a resposta imune para a maioria dos componentes vacinais.Resultados de associação ainda não consistentes.
Número de pessoas convivendo na residência – O maior número depessoas na residência parece estar associado com taxas superioresde anticorpos anti- Hib. Mas raros são os estudos que avaliaram essaassociação.
Os detalhes específicos dos parâmetros citados e outros mais quanto a possívelinfluência sobre determinados esquemas vacinais podem ser visto no estudo deZimmermann e Curtis (2019), assim como nas publicações de Enani et al. (2018),Flanagan et al. (2017), Jamieson (2015) e Rugieri et al. (2016).
É importante compreender que diversos fatores podem prejudicar a resposta imuneaos antígenos avaliados como imunogênicos, não depende unicamente do tipo vacinal.
Referências bibliográficas:
Enani S, Przemska-Kosicka A, Childs CE, Maidens C, Dong H, Conterno L, Tuohy K, Todd S,Gosney M, Yaqoob P. Impact of ageing and a synbiotic on the immune response toseasonal influenza vaccination; a randomised controlled trial. Clin Nutr. 2018Apr;37(2):443-451. doi: 10.1016/j.clnu.2017.01.011
Flanagan KL, Fink AL, Plebanski M, Klein SL. Sex and Gender Differences in the Outcomesof Vaccination over the Life Course. Annu Rev Cell Dev Biol. 2017 Oct 6;33:577-599. doi: 10.1146/annurev-cellbio-100616-060718
Jamieson AM. Influence of the microbiome on response to vaccination. Hum VaccinImmunother. 2015;11(9):2329-31.
Ruggieri A, Anticoli S, D’Ambrosio A, Giordani L, Viora M. The influence of sex and genderon immunity, infection and vaccination. Ann Ist Super Sanita. 2016 Apr-Jun;52(2):198-204. doi: 10.4415/ANN_16_02_11
Zimmermann P, Curtis N. Factors That Influence the Immune Response to Vaccination.Clin Microbiol Rev. 2019 Mar 13;32(2):e00084-18. doi: 10.1128/CMR.00084-18