A Purdue Pharma (empresa farmacêutica americana), fabricante do Oxycontin, é amplamente investigada por seu papel na crise de opioides da América do Norte.
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Histórico
No século XIX, os opioides estavam na moda para tratamento de doenças como dor, insônia, diarreia e tosse. Na década de 1980, médicos começaram a questionar se o manejo da dor era adequado. Em 1995 a American Pain Society anunciou sua campanha “Pain is the Fifth Vital Sign” (Dor como o 5º sinal vital), levando os profissionais de saúde a levar a dor tão a sério quanto outros sinais vitais. No mesmo ano, a Purdue lançou o Oxycontin, uma oxicodona de liberação prolongada. A Veteran’s Health Association, o maior sistema de saúde da América, adotou a campanha em 1999, levando a implementação de um escore de dor e consequente aumento do uso de opioides.
A Purdue Pharma financiou mais de 20.000 programas educacionais relacionados à dor entre 1996 e 2002. Forneceu apoio financeiro a organizações influentes, incluindo a American Pain Society e a Joint Commission. Fez propaganda em jornais médicos, patrocinou sites sobre dor e recrutou especialistas para divulgar uma epidemia de dor crônica não tratada. Enviaram representantes farmacêuticos por todo o país para fornecer amostras e distribuir produtos de marketing da marca, comercializando o Oxycontin diretamente com médicos. De 1997 a 2002, o número anual de prescrições de OxyContin para câncer aumentou de 250.000 para mais de 1 milhão; as prescrições para dores não oncológicas aumentaram de 670.000 para 6,2 milhões.
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A empresa promoveu o OxyContin como menos viciante e menos sujeito ao abuso do que outros medicamentos opioides devido ao seu mecanismo de liberação controlada, produzindo literatura que minimizava o risco de dependência de opioides. Realizaram um estudo onde 12.000 pacientes internados receberam opioides (apenas uma única dose) e “houve apenas quatro casos de adição bem documentados”. A bula do OxyContin original afirmava que a dependência iatrogênica de opioides usados no tratamento da dor era menor que 1%.
No início de 2000, surgiram relatos da mídia sobre o abuso do OxyContin. Os usuários burlaram o mecanismo de liberação controlada, esmagando os comprimidos e cheirando ou dissolvendo e injetando-os. A empresa criou um plano para combater o abuso, mas danos significativos já haviam sido feitos. A Drug Enforcement Agency relatou 146 mortes envolvendo OxyContin entre 2000 e 2001. Em 2004, OxyContin era o opioide mais prevalente utilizado nos EUA. No Canadá, a adição de oxicodona de ação prolongada aos receituários foi associada a um aumento de 5 vezes na mortalidade relacionada à oxicodona entre 1994 e 2004.
Em 2010, a Purdue Pharma lançou um OxyContin resistente à adulteração, diminuindo o abuso em 48% nos três anos subsequentes; as fatalidades por overdose relatadas ao fabricante diminuíram em 65%. No entanto, uma pesquisa com 10.000 pacientes com transtorno de uso de opioides descobriu que o uso de heroína (que pode ser obtida através da substância fentanila, outro medicamento derivado da morfina) aumentou após a reformulação do comprimido de oxicodona. Em 2017, houve quase 4.000 mortes relacionadas a opioides no Canadá; 72% envolvendo fentanil ou análogos de fentanil.
A ação legal contra a empresa ganhou visualização em 2007, quando três executivos da Purdue e a Purdue Frederick, uma holding da Purdue Pharma, se declararam culpados de acusações criminais por terem enganado reguladores, médicos e pacientes sobre o risco de vício e abuso do OxyContin. Frederick pagou $600 milhões em multas; os executivos pagaram U$34,5 milhões. Em 2019, 48 dos 50 estados dos EUA processaram a Purdue Pharma. Mais de 2.600 ações judiciais contra a empresa e seus proprietários, a família Sackler, foram agrupados em um caso civil gigante no tribunal federal.
Em setembro de 2019, um acordo provisório foi alcançado: a Purdue Pharma seria dissolvida e doaria medicamentos para tratamento de vícios e reversão de overdose; uma empresa supervisionada publicamente venderia o OxyContin e pagaria aos reclamantes com os lucros. A família Sackler pagaria U$3 bilhões em 7 anos. Posteriormente, a empresa entrou com pedido de falência.
Mensagem final
A história do OxyContin fornece uma visão sobre nossa cultura médica e como somos facilmente influenciados como profissionais de saúde. Ela demonstra a importância da avaliação crítica quando novos medicamentos, tecnologias e práticas são introduzidos para melhor servir nossos pacientes.
Referências bibliográficas:
- World Federation of Societies of Anaesthesiologists: February 2020 – Volume 35 – p 56-57. Disponível em: https://resources.wfsahq.org/wp-content/uploads/Oxycontin.pdf