Pacientes com angioplastia e necessidade de cirurgia não cardíaca: nova diretriz brasileira

Recentemente foi publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia uma atualização da diretriz de avaliação cardiovascular perioperatória com enfoque em manejo de pacientes com intervenção coronária percutânea (ICP).

Recentemente foi publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia uma atualização da diretriz de avaliação cardiovascular perioperatória com enfoque em manejo de pacientes com intervenção coronária percutânea (ICP).

Este é um tema de bastante interesse pois envolve o manejo da terapia antitrombótica e a tomada de decisão em relação a postergar o procedimento cirúrgico e suspender ou manter a dupla antiagregação plaquetária (DAPT). Abaixo seguem os principais destaques que a diretriz traz para auxílio no manejo deste tipo de paciente.

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O primeiro ponto é avaliar a proposta cirúrgica, caso seja uma cirurgia completamente eletiva, deve ser postergada para após o término do tempo ideal de DAPT. Caso seja uma cirurgia eletiva, porém que possa comprometer o prognóstico do paciente em decorrência da doença de base, como nas doenças oncológicas, a conduta deve ser individualizada e esse tempo pode ser reduzido. Para a tomada de decisão, é importante avaliar os riscos de sangramento e de complicações isquêmicas.

Pacientes com angioplastia e necessidade de cirurgia não cardíaca nova diretriz brasileira

Risco de sangramento

Em relação ao sangramento, os fatores de risco relacionados são divididos em fatores clínicos e fatores inerentes ao procedimento cirúrgico.

  • Fatores clínicos: história de sangramento prévio, uso de anticoagulantes orais, sexo feminino, idade avançada, doença renal crônica, diabetes, anemia, plaquetopenia e uso crônico de corticosteroides ou anti-inflamatórios.
  • Fatores inerentes ao procedimento cirúrgico considerados de baixo risco: procedimentos gastrointestinais (endoscopia, colonoscopia, cápsula endoscópica), cardiovasculares (implante de marcapasso ou CDI, troca de gerador, ablação, cateterismo por via radial), dermatológicos (biópsia de pele), oftalmológicos (cirurgia de catarata) e odontológicos (retirada de até dois dentes, procedimentos endodônticos).
  • Fatores inerentes ao procedimento cirúrgico considerados de alto risco: uso de anestesia neuro-axonal, neurocirurgias, cirurgias vasculares maiores, abdominais de grande porte ou ortopédicas de grande porte.

Risco isquêmico

Em relação aos fatores de risco isquêmicos, são divididos em fatores relacionados a trombose de stent e a eventos isquêmicos pós angioplastia.

  • Fatores relacionados a trombose de stent: suspensão precoce de DAPT, síndrome coronariana aguda (SCA), diabetes, tabagismo, neoplasias, doença arterial periférica, stents farmacológicos de primeira geração, fração de ejeção do ventrículo esquerdo menor que 40%, lesão de artéria descendente anterior proximal, angioplastia prévia, stent longo, de pequeno diâmetro ou subdimensionado, em bifurcação ou reestenose intrastent.
  • Fatores relacionados a eventos isquêmicos pós angioplastia: idade avançada, SCA, infarto prévio, doença coronariana extensa ou complexa, diabetes, doença renal crônica.

Duração da DAPT

A duração da DAPT, composta por ácido acetilsalicílico (AAS) e um inibidor de P2Y12 (clopidogrel, ticagrelor ou prasugrel), após ICP varia de acordo com o contexto clínico (doença coronária aguda ou crônica) e o tipo de stent utilizado. Nos casos de SCA a recomendação é sua utilização por 12 meses e esse tempo pode ser estendido ou reduzido a depender do risco de sangramento e risco isquêmico. Já na doença crônica, recomenda-se o tempo de 4 a 6 semanas para stents não farmacológicos e 3 a 12 meses para os farmacológicos.

No início do uso de stents farmacológicos, com os de primeira geração, houve maior ocorrência de trombose tardia, sendo a partir daí estabelecido o uso de DAPT por 12 meses. Daí vinha a recomendação de que se o paciente tivesse programação de cirurgia precoce, sem possibilidade de postergá-la, deveria receber stent convencional, possibilitando assim a suspensão de DAPT mais precocemente.

Alguns estudos posteriores mostraram que o tipo de stent não influenciava tanto no prognóstico dos pacientes, mas sim o contexto clínico em que foi utilizado, sendo o risco de complicações isquêmicas maior para os com SCA. Além disso, as novas gerações de stents associado ao uso de inibidores de P2Y12 mais potentes vem mostrando menos complicações.

Um estudo recente com stent farmacológico recoberto com biolimus mostrou que DAPT por 30 dias teve resultados melhores comparado ao stent convencional em relação a eventos cardíacos adversos. Nesse estudo, pacientes submetidos a cirurgia em menos de 3 meses da angioplastia com stent convencional tiveram maior taxa de eventos comparados aos operados após 3 meses. Quando o stent era farmacológico não houve diferença na ocorrência de eventos quando a cirurgia era antes ou após 3 meses. Baseado nisso, o fato de o paciente ter uma cirurgia não adiável programada não deve motivar o uso de stent convencional.

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Em relação a redução do tempo de DAPT, diversos estudos avaliaram seu uso por até 3 meses após a angioplastia com stent farmacológico, com a maioria deles mantendo o inibidor de P2Y12 e suspendendo o AAS após este período. Os principais foram o OPTIMIZE, SMART CHOICE, TWILIGHT e TICO. Apenas o primeiro manteve o AAS como antiagregante, o segundo manteve clopidogrel em 75% dos casos e os outros dois mantiveram ticagrelor. Os pacientes tinham tanto doença crônica quanto aguda e todos os estudos mostraram não inferioridade no uso de apenas um antiagregante, com redução de sangramentos sem aumento de eventos isquêmicos.

DAPT por tempo ainda mais curto, por apenas um mês, também foi testada, com evidências favoráveis em estudos com pacientes com angioplastia farmacológica eletiva e em contexto agudo. Os principais estudos foram o LEADERS FREE, ONYX ONE, STOPDAPT-2 e GLOBAL LEADERS. O inibidor de P2Y12 variou entre os estudos e o antiagregante mantido após o término da DAPT foi ticagrelor no GLOBAL LEADERS, clopidogrel no STOP-DAPT-2 e da escolha do médico nos outros dois, sendo que mais da metade utilizou AAS. Esses estudos, no geral, mostraram não inferioridade da terapia por tempo reduzido e não encontraram diferença estatística na ocorrência de eventos isquêmicos entre os grupos.

Uma metanálise com quase 80 mil pacientes comparou grupos com diferentes durações de DAPT (maior que 12 meses, por 6 meses e menor que 6 meses) com o grupo que utilizou por 12 meses (tratamento padrão) e não encontrou diferença na mortalidade. O melhor benefício líquido foi com monoterapia com inibidor de P2Y12, que mostrou redução de sangramentos sem aumento significativo de eventos isquêmicos.

Baseado nisso, parece ser seguro abreviar a DAPT para 3 meses, ou mesmo 1 mês, quando há proposta de cirurgia não cardíaca tempo-sensível e alto risco hemorrágico. Quando a intervenção foi realizada no contexto agudo, o ideal é aguardar 1 ano em caso de cirurgias eletivas e este intervalo pode ser reduzido para 6 meses e, em casos excepcionais, para 1 mês.

Alguns outros pontos importantes da diretriz:

  • Em caso de suspensão de DAPT para procedimento cirúrgico, opta-se pela suspensão do P2Y12 e manutenção do AAS.
  • A única exceção para retirada dos dois antiagregantes são os procedimentos de altíssimo risco hemorrágico, como os neurocirúrgicos.
  • O tempo para suspensão do inibidor de P2Y12 é de 5 dias para o ticagrelor e o clopidogrel e de 7 dias para o prasugrel e o ideal é que não fiquem suspensos por mais de 10 dias, devendo ser reintroduzidos o mais precocemente possível.
  • A terapia de ponte raramente é utilizada e a antiagregação parenteral com inibidores de GPIIbIIIa é indicada apenas em casos de altíssimo risco trombótico, como quando a DAPT é interrompida com menos de 1 mês da ICP, em contexto agudo ou após ICP complicada. As heparinas não substituem de forma efetiva a atividade do antiagregante plaquetário e aumentam o risco de sangramento.
  • As indicações de revascularização miocárdica independem do contexto de cirurgia e não há benefício em revascularização profilática como forma de reduzir eventos isquêmicos. A indicação da revascularização deve ser guiada pelas recomendações das diretrizes de síndrome coronariana aguda e crônica.

Comentários finais

Na avaliação pré-operatória de um paciente com ICP recente, o primeiro ponto é decidir se a cirurgia pode ser postergada ou não. Caso não possa devemos avaliar o risco individual do paciente em relação a complicações isquêmicas e sangramento e o risco de sangramento relacionado ao procedimento. O ideal é que a decisão seja compartilha entre o cardiologista clínico, intervencionista e o cirurgião e caso optado pela cirurgia, suspende-se o inibidor do P2Y12, que deve ser retornado o mais precocemente possível.  É importante ressaltar que não devemos optar por angioplastia com stent convencional porque o paciente tem cirurgia programada.

Referências bibliográficas:

  • Calderaro D, Bichuette LD, Maciel PC, Cardozo FAM, Ribeiro HB, Gualandro DM, Baracioli LM, et al. Atualização da Diretriz de Avaliação Cardiovascular Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia: Foco em Manejo dos Pacientes com Intervenção Coronária Percutânea – 2022. Arq. Bras. Cardiol. 2022;118(2):536-47. DOI: 10.36660/abc.20220039.

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