Pancreatite Aguda: quando e como começar a nutrir?

Revisão da literatura mais atual quanto ao tempo certo para reinício da nutrição em pacientes com pancreatite aguda e qual a via deve ser utilizada.

A pancreatite aguda é uma condição clínica muito frequente em atendimentos de urgência, motivando cerca de 16 casos por ano para cada 100000 habitantes (segundo dados do DATASUS e IBGE de 2006). Sua forma grave corresponde a cerca de 25% do total dos casos, e apresenta mortalidade em torno de 10-20%. Além da importância do assunto dada por sua alta prevalência, o tema também é alvo frequente de discussões devido a dificuldade na padronização de condutas, dada a grande variedade de consensos e o alto grau de discordância entre profissionais.

Uma das questões de maior discordância quanto a abordagem terapêutica da pancreatite aguda é quando reiniciar a nutrição do paciente e qual via utilizar. O consenso mais recente do American College of Gastroenterology afirma que na pancreatite aguda leve a nutrição oral pode ser iniciada imediatamente após a resolução da dor abdominal, caso o paciente não apresente mais náuseas ou vômitos. Para este subgrupo, estudos não demonstraram diferença entre uma dieta sólida pobre em gordura ou uma dieta líquida.

Nos casos graves, por sua vez, a recomendação mais atual é de iniciar a nutrição enteral, para prevenir o risco de complicações infecciosas, devendo a nutrição parenteral ser evitada, devido a seus riscos associados: atrofia intestinal, dificuldades de acesso central e infecção de corrente sanguínea.

A nutrição enteral apresenta muitas propriedades favoráveis, particularmente em pacientes mantidos em jejum prolongado, com efeitos tróficos e de estímulo peristáltico na mucosa intestinal, evitando também a translocação bacteriana favorecida pelo jejum, e, consequentemente, fator infeccioso importante no contexto da nutrição parenteral (um de seus maiores riscos). A própria distensão e motilidade intestinal estimulada pela nutrição enteral aumenta o fluxo sanguíneo esplâncnico, favorecendo também a recuperação da função gastrointestinal.

O mesmo consenso ainda indica que a nutrição nasojejunal é de benefício equivalente a nasogástrica. Embora a recomendação para quadros leves seja o de reinício nutricional precoce e por dieta preferencialmente oral, as evidências, no entanto, não eram tão fortes para os quadros graves.

Foi pensando no subgrupo de doentes graves que médicos holandeses realizaram um estudo para avaliar o momento ideal de início da nutrição. Foram incluídos mais de 200 pacientes de 19 hospitais diferentes que preenchiam critérios de pancreatite aguda grave (com alto risco de complicações), distribuídos aleatoriamente em dois grupos: grupo de retomada nutricional por via nasoenteral/nasogástrica precoce (em menos de 24 horas); e grupo de reinício tardio de nutrição por via oral (após 72 horas de dieta zero). Importante destacar que, nos pacientes em que a nutrição oral não era tolerada, era tentada reintrodução em 24 horas, e, se ainda assim não fosse tolerada após 96 horas de jejum, prosseguiria a colocação de um cateter nasoenteral para nutrição.

Em aproximadamente 70% dos pacientes a dieta oral conseguiu ser reintroduzida em 72-96 horas após o início do quadro. Além disso, foram analisados desfechos de complicações infecciosas, risco de necrose infectada, risco de complicações tardias e mortalidade e, surpreendentemente ou não, o estudo não demonstrou diferença de mortalidade ou complicações entre os grupos estudados.

O estudo, portanto, demonstrou que se pode iniciar a nutrição oral mesmo em pacientes com critério de gravidade, desde que a mesma seja suspensa caso a intolerância permaneça, e que cerca de 70% dos pacientes seguindo esta estratégia conseguem iniciar a alimentação oral em até 96 horas, mostrando resultados bastante animadores e que contestam a indicação de nutrição enteral no subgrupo grave.

Os benefícios da dieta oral se traduzem em menor invasão para o paciente, menor custo e diminuição no tempo de hospitalização, sem maiores riscos de complicações graves e mortalidade, quando comparados a pacientes com início de dieta enteral precoce. Cada vez mais as evidências apontam para o benefício da reintrodução da nutrição oral precoce no tratamento da pancreatite aguda, independente da gravidade e considerada a intolerância, consistindo em uma importante mudança de paradigma no tratamento da doença.

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Fontes bibliográficas:

  • King NK, Siriwardena AK. European survey of surgical strategies for the management of severe acute pancreatitis. Am J Gastroenterol. 2004;99(4):719-28.
  • McClave SA. Nutrition support in acute pancreatitis. Gastroenterol Clin North Am. 2007;36(1):65-74.
  • Banks PA, Freeman ML; Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. Practice guidelines in acute pancreatitis. Am J Gastroenterol. 2006.
  • Bakker OJ, van Brunschot S, van Santvoort HC, et al; Dutch Pancreatitis Study Group. Early versus on-demand nasoenteric tube feeding in acute pancreatitis. N Engl J Med. 2014;371:1983-1993.
  • Al-Omran M, Albalawi ZH, Tashkandi MF, Al-Ansary LA. Enteral versus parenteral nutrition for acute pancreatitis. Cochrane Database Syst Rev. 2010:CD002837.

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