Pandemia de Covid-19 reduziu o diagnóstico e tratamento de câncer no país?

A SBP e a SBCO estimam que milhares de diagnósticos de câncer deixaram (ou deixarão) de serem feitos no país nos últimos dois meses e nas próximas semanas.

Sociedade Brasileira de Patologia (SBP) e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) estimam que milhares de diagnósticos de câncer deixaram (ou deixarão) de serem feitos no país nos últimos dois meses e nas próximas semanas; possivelmente até 50 mil casos deixaram (ou deixarão) de serem diagnosticados.

A rede pública de SP fez mais de 22 mil biópsias em 2019 entre meados de março e início de maio e, neste ano, no mesmo período, foram realizadas apenas 6 mil. No Ceará, o “fenômeno” também já é conhecido, pois no maior centro de referência do estado cerca de 5 mil biópsias foram realizadas em 2020 ante 18 mil no mesmo período do ano passado.

O Instituto do Câncer do Estado de SP informa que o número de pacientes novos já caiu 30%. O hospital A.C Camargo, também em SP registrou ainda redução de 65% no número de novos pacientes, de até 87% em exames diagnósticos e de mais de 50% nas cirurgias na comparação entre abril deste ano e de 2019.

Covid-19 e câncer

Os motivos para este “fenômeno” são variados, passando por recomendações dos próprios médicos em adiar consultas, cirurgias e exames de rotina, passando por redução da capacidade de atendimento de hospitais com vários profissionais de saúde doentes, mas principalmente, o medo dos pacientes de saírem de casa para essas consultas, exames etc e o medo de se contaminarem com o coronavírus nos hospitais ou clínicas ou até mesmo no transporte público.

Como o isolamento social está durando mais do que o esperado, a preocupação dos especialistas agora é que no pós-pandemia tenhamos uma outra epidemia…a de casos de tumores avançados, onde certamente o prognóstico é pior, num sistema de saúde que em condições normais já tem muita dificuldade de oferecer tratamentos em prazos adequados, notadamente no SUS. É possível que os pacientes enfrentem muito mais dificuldades que o habitual pelo represamento desses diagnósticos, exames, cirurgias que estão deixando de ocorrer (e certamente ainda continuarão). Muitos tumores (mas não todos) podem evoluir de forma agressiva num período de 3-4 meses.

Algumas sociedade médicas têm procurado ajudar os médicos neste período difícil e aqui vão alguns exemplos: a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) publicou recentemente recomendações de como adaptar as diferentes fases do tratamento do câncer de mama em tempos de pandemia, que exames, cirurgias e demais tratamentos podem (ou não) ser adiados e em que situações isso pode ocorrer, com o objetivo de ajudar oncologistas, mastologistas e ginecologistas na condução destes pacientes neste período.

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A SBCO elaborou também diretrizes sobre a priorização das cirurgias oncológicas em diferentes escalas de urgência (não só em câncer de mama) e um documento com recomendações para que hospitais separem alas de atendimento “livres de Covid” ou pelo menos que o fluxo seja apartado entre os pacientes com sintomas suspeitos ou confirmados de Covid-19 e os demais, assegurando na medida do possível o atendimento dos pacientes oncológicos. Várias outras instituições, hospitais e centros de oncologia já estão adotando protocolos com este mesmo objetivo, visando reduzir o impacto.

No entanto, Brasil afora as ONGs que trabalham com pacientes oncológicos vem recebendo inúmeras reclamações de atraso, suspensão ou adiamentos de procedimentos e tratamentos previamente indicados, gerando muita incerteza e ainda mais angústia nos pacientes e seus familiares.

Atraso acontece também em outros países

Esse não é um fenômeno “brasileiro”, tem sido visto em vários países, recentemente pesquisadores holandeses publicaram na Lancet Oncology uma análise de dados do registro nacional de câncer do país, cruzando com dados com a rede nacional de de histopatologia, e identificaram uma substancial redução dos diagnósticos de câncer, em diferentes sub-tipos de tumor, idades e regiões geográficas do país.

Ainda que na Holanda a oferta de serviços de saúde seja universal, a porta de entrada dos indivíduos é através dos médicos generalistas que fazem a primeira investigação de sinais e sintomas para depois encaminhar os casos suspeitos para os centros de referência. Muitos cidadãos holandeses entenderam que não era hora de buscar esse tipo de atendimento, que estariam desperdiçando recursos escassos em tempos de pandemia, mas também o medo da contaminação pelo coronavírus nos locais de atendimento, hospitais, clínicas etc também “afastou” cidadãos holandeses neste período.

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Some-se a isto o fato que o programa nacional de rastreamento de câncer de mama, colo-retal e colo de útero foi suspenso temporariamente na Holanda. Estas informações muitas vezes equivocadas, sobre o excessivo medo de contaminação, escassez de recursos médicos nesta área gerou uma campanha de conscientização dos holandeses para que não deixassem de procurar os médicos generalistas em caso de apresentarem sinais ou sintomas de suspeita de câncer.

Conclusões

Não estamos na Holanda, não temos programas nacionais de rastreamento, mas é fundamental que a sociedade entenda, que a imprensa divulgue e que nós médicos consigamos conscientizar a população que o distanciamento/isolamento social é necessário, mas que não é possível simplesmente “parar tudo” e aguardar a pandemia passar em mais 1-2 ou 3 meses.

É importante que os serviços públicos e privados se adequem às limitações do momento, mantendo a “porta aberta” e um canal de comunicação livre para que pacientes possam acessar os serviços médicos nos casos mais urgentes, para que tratamentos não sejam suspensos, deixem de serem iniciados ou adiados de forma indefinida, para não corrermos o risco de complicar o prognóstico de milhares de brasileiros.

Nem sempre o câncer espera, nem tudo é Covid-19. A pandemia vai passar, mas o preço deste atraso indiscriminado no tratamento oncológico também pode ser alto demais.

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