Papel do vírus sincicial respiratório nas pneumonias infantis

Dentre as infecções das vias respiratórias, o vírus sincicial representa a principal causa de infecção do trato respiratório em crianças.

As infecções virais das vias respiratórias representam uma das maiores causas de hospitalização em crianças de todo o mundo e a segunda causa de mortalidade infantil. Dentre estas, o vírus sincicial respiratório (VSR) representa a principal causa de infecção do trato respiratório inferior em crianças menores.

O VSR é um vírus RNA não segmentado, envelopado, pertencente à família Paramyxoviridae. É dividido em subtipos A e B, que tendem a circular simultaneamente em locais de epidemia (embora o subtipo A seja mais prevalente). Estima-se que o VSR seja responsável por 33 milhões de casos de infecção agudas das vias áreas inferiores ao redor do mundo, anualmente, resultando em mais de três milhões de internações hospitalares, quase 60.000 mortes em crianças menores de cinco anos de idade e 6,7% das causas de óbitos em lactentes menores de um ano. De padrão sazonal, a epidemia de VSR se estende de março a junho nos países do hemisfério Sul e de setembro a dezembro no hemisfério Norte.

As crianças abaixo dos dois anos representam o grupo de maior risco para o desenvolvimento da forma grave da doença causada pelo VSR, cujo pico ocorre por volta dos três meses de idade. Especula-se que quase a totalidade das crianças passa por, pelo menos, um episódio de infecção pelo VSR nos primeiros dois anos de vida. São considerados fatores de risco para a forma grave: prematuridade, baixo peso ao nascer, sexo masculino, displasia broncopulmonar, doença cardíaca congênita, imunodeficiência, paralisia cerebral e síndrome de Down.

A incidência do VSR tem forte correlação com baixas temperaturas. O estudo Global Aproach to Biological Research, Infectious Disease and Epidemics in Low-income countries demostrou o VSR como o segundo patógeno mais relevante nas pneumonias virais (11,7% dos casos), ficando atrás apenas do influenza A.

A ação do VSR se dá por efeito citopático, mas os sinais e sintomas causados são decorrentes ainda da resposta inflamatória do hospedeiro criadas a partir da presença do vírus nas células epiteliais das vias aéreas. De maneira geral, os sinais e sintomas surgem após um período de incubação curto, de aproximadamente quatro dias, como na maioria dos quadros virais. Foi observado que VSR-A é responsável por mais formas severas da doença do que o VSR-B, provavelmente pela qualidade diferente de resposta em termos de produção de citocinas e neutrófilos.

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Papel do vírus sincicial respiratório nas pneumonias infantis

Manifestações clínicas

As manifestações causadas pelo VSR podem variar de sintomas leves de nasofaringite aguda a graves quadros respiratórios, especialmente bronquiolite e pneumonia, que podem levar à internação hospitalar, complicações como insuficiência respiratória e importantes sequelas para a infância e vida adulta (sibilos, asma e hiperreatividade das vias áreas). Mais especificamente quanto à pneumonia, esta pode se apresentar com as seguintes características: febre, tosse, sibilos, taquipneia, hipoxemia, necessidade de suporte de oxigênio, elevação da proteína C reativa e alterações radiográficas (espessamento peribrônquico, infiltrado etc.).

O VSR pode causar reinfecção sintomática ao longo da vida, mesmo em pacientes hígidos e imunocompetentes. À medida que o indivíduo cresce, as infecções tendem a se tornar mais brandas: em adultos saudáveis, causam apenas quadros limitados em vias aéreas superiores. Apesar de haver proteção parcial contra uma cepa específica do VSR, a proteção consistente e duradoura não é alcançada. Tal fato pode estar relacionado à modulação das respostas inatas e adaptativas que permitem ao VSR se reinfectar.

O vírus tem sido apontado como responsável por remodelamento de vias aéreas e levar a problemas até mesmo na idade adulta. A sibilância, que é tão comum nas crianças pequenas, tem como causa infecções virais em mais de 60% dos casos. O VSR tem sido associado a quadros de sibilância recorrente e asma, e o risco é maior em pacientes que vivenciaram episódios mais graves de infecção pelo VSR. Apesar da relação entre infecção pelo VSR e asma ter sido bem estudada, seus mecanismos ainda não são completamente entendidos. Enquanto alguns autores propõem que o VSR teria um papel de indução, mais do que um gatilho, na asma, outros sugerem que as próprias características genéticas relacionadas à asma possam predispor o indivíduo infectado pelo VSR a desenvolver doença grave.

Diagnóstico

Não existem sinais ou sintomas específicos que possam diferenciar a infecção pelo VSR de outros agentes patológicos. Contudo, a identificação de um agente etiológico contribui para a prescrição racional de antibióticos e reduz efeitos adversos individuais relacionados ao uso destes.

Antes do advento dos testes rápidos moleculares, as seguintes estratégias para detecção do VSR eram utilizadas: (1) cultura celular, com boa especificidade porém baixa sensibilidade (anteriormente considerada padrão-ouro); (2) transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR), que hoje tem sido considerada o novo padrão-ouro por ter excelentes sensibilidade e especificidade; (3) imunofluorescência direta, que apesar de rápida, tem baixas sensibilidade e especificidade; (4) teste rápido de detecção de antígeno, que oferece resultado em minutos, porém com especificidade variável e baixa sensibilidade. Alguns autores apontam uma diferença relevante na sensibilidade do teste rápido de acordo com a idade do paciente, podendo reduzir de 80% em crianças até seis meses para 60% em grupos de 24 a 35 meses de vida. Hoje, estão disponíveis novas tecnologias que oferecem a possibilidade de testagem de múltiplos patógenos simultaneamente, com acurácia similar à técnica de PCR.

Apesar de relevantes, os testes diagnósticos possuem algumas limitações: nos testes moleculares, o resultado positivo pode não indicar infecção ativa, uma vez que detecta patógenos viáveis ou não, dificultando, assim, a interpretação dos resultados; testes de baixa complexidade não fazem diferenciação entre os subtipos A e B do VSR e não oferecem resultado quantitativo; além disso, testes menos recentes, como a cultura celular, levam mais tempo para obter resultados.

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Uma das melhoras formas para obtenção de amostras para os testes moleculares é através do swab nasofaríngeo coletado por profissional treinado. A maioria dos estudos se baseia nesta técnica, apesar de alguns trabalhos mostrarem identificação de metabólitos urinários em pacientes com infeção respiratória aguda causada pelo VSR.

Tratamento e Prevenção

Até o presente momento, a base do tratamento para infecção pelo VSR consiste em terapia de suporte (oxigênio e hidratação). Existem dois grandes obstáculos para o desenvolvimento de uma terapêutica específica: em primeiro lugar, o vírus passa por mudanças durante sua replicação, permitindo escapar das terapias antivirais; em segundo lugar, o tratamento deve ser direcionado a uma população específica de crianças menores, já que as infecções em crianças maiores e adultos tendem a ser leves ou até mesmo assintomáticas. Contudo, existem drogas em estudo para combate à doença, como análogos de nucleosídeos, RNA de interferência, inibidores da fusão e imunoglobulinas além do palivizumabe. Por enquanto, a ribavirina é o único antiviral licenciado para o tratamento, porém seu uso é bastante limitado devido a sua potencial toxicidade.

O palivizumabe é a única medida profilática disponível. Trata-se de um anticorpo monoclonal específico, administrado uma vez ao mês durante o inverno em pacientes com risco aumentado de complicações pelo VSR. Em 2018, foi publicado um estudo no The Pediatric Infectious Disease Journal sobre experiência positiva em prematuros de 32 a 34 semanas que utilizaram o MEDI8897, um anticorpo monoclonal recombinante contra a proteína F, de meia-vida maior que a do palivizumabe.

Vacinas contra o VSR têm sido estudadas desde a década de 60, e atualmente existem cerca de 60 candidatas aguardando o fim dos ensaios clínicos, incluindo aquelas que têm por objetivo imunizar também gestantes. A vacinação durante a gravidez tem dois objetivos: proteger as mães das infecções e das potenciais complicações relacionadas ao parto e promover a passagem de anticorpos específicos contra o VSR para proteger os bebês nos primeiros meses de vida.

Espera-se que os avanços tecnológicos e conhecimento científico levem à criação de desenvolvimento de diferentes tipos de vacinas contra o VSR, além de novas estratégias terapêuticas que venham a reduzir o impacto clínico e social da doença causada pelo vírus.

Referências bibliográficas:

  • Bianchini S, Silvestri E, Argentiero A, Fainardi V, Pisi G, Esposito S. Role of Respiratory Syncytial Virus in Pediatric Pneumonia. Microorganisms. 2020 Dec 21;8(12):2048. doi: 3390/microorganisms8122048

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