Para além do ‘Choosing Wisely’

É preciso ter cautela sobre a crescente tendência de pré-diagnósticos médicos, pois muitas vezes isso leva aos problemas de “overdiagnosis” e “overtreatments”.

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É preciso ter cautela sobre a crescente tendência de pré-diagnósticos médicos, pois muitas vezes isso leva aos problemas de “overdiagnosis” e “overtreatments”. Estes podem não apenas ser desnecessários, como também iatrogênicos e muito custosos para o pouco benefício que podem trazer.

Um survey promovido este ano pelo American Board of Internal Medicine com mais de 600 médicos generalistas e especialistas trouxe revelações que demandam reflexão:

  • 48% dos médicos solicitam um exame desnecessário se o paciente insistir
  • 73% concordam que se conversarem com seus pacientes, estes aceitarão evitar um procedimento desnecessário
  • 69% acreditam que um exame ou procedimento desnecessário é solicitado por médicos pelo menos 1x/semana

De fato, de tantos levantamentos acerca de overdiagnosis, alguns poucos dados bastam para chocar:

  • Embora as hérnias de disco assintomáticas ocorram em mais de 50% dos casos, muitos acabam sendo submetidos a procedimentos desnecessários (Jensen, NEJM 1994)
  • Houve duplicação do diagnóstico de tromboembolismo pulmonar entre 1998 e 2006 mas sem mudança na mortalidade, o que questiona a validade de tratamento para absolutamente todos estes casos (Wiener, Arch Int Med 2011)
  • Nos EUA, 11% das crianças estão sendo diagnosticadas com TDAH, enquanto a incidência verdadeira é provavelmente em torno de 2-3%. O alerta é de Allen Frances, que durante anos dirigiu o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM) de transtornos de psiquiatria, revisado periodicamente; ele acusa que, dentre estas crianças, 10 mil estão com menos de 3 anos de idade, o que não deixa de ser impressionante!

Não se trata de desprezar tantos ganhos que a prevenção tem trazido em diversas áreas, como por exemplo, a oncologia; mas é verdade que há uma perigosa tendência a “medicalizar” aspectos da vida que não são patológicos e nem vão se tornar doença um dia. Sem dúvida há muitas questões não científicas envolvidas neste fenômeno, como alguns aspectos culturais – algumas pessoas parecem ter a tendência a querer ouvir que tem um problema que lhes justifique um sofrimento, bem como um remédio que o resolva.

Este assunto tem sido cada vez mais do interesse de entidades científicas e governamentais, gerando campanhas como a “Choosing Wisely”, que se refere à prudência na escolha de exames e procedimentos. O prestígio desta campanha, que apenas em 2016 lhe trouxe 1.330 citações em artigos científicos e 1,9 milhão de acessos ao seu site, deve-se ao fato de ela incentivar que médicos e pacientes conversem mais e melhor para tomar as condutas de modo consciente.

Cinco perguntas básicas podem ajudar a nortear esta conversa:

  1. Eu realmente preciso deste procedimento?
  2. Quais são os riscos dele?
  3. Existem alternativas mais simples ou seguras?
  4. O que pode ocorrer se eu não fizer nada?
  5. Qual é o custo financeiro envolvido?

O próprio Institute of Medicine já traçou, há alguns anos, o perfil do que é um bom cuidado de saúde, que é quase um código de ética médica universal:

1) Seguro: relaciona-se ao clássico princípio da não maleficência.
2) Efetivo: minimiza o sofrimento, prevenindo doenças e complicações.
3) Eficiente: oferece benefício com o mínimo de desperdício.
4) Centrado no paciente: cuidado coordenado e contínuo, com pacientes informados e educados, estando também as suas famílias envolvidas nas decisões; cuidado que alivia a dor e o estresse emocional.
5) “Timely”: no momento oportuno, afastando o prejuízo das demoras inapropriadas.
6) Equitativo: cuidados adequados independentes de condições demográficas ou culturais.

Estas considerações encaixam-se num cenário de gastos e desperdícios crescentes no ecossistema de saúde, o que leva até mesmo às fontes financiadoras a se debruçarem sobre novos modelos de atenção nos últimos anos. Estes têm enfatizado a importância de elementos não tão usuais no ambiente médico até então, como o conceito de “experiência do usuário” e o próprio conceito de “valor”. Este último tem sido definido por muitos através de uma equação:

Valor = resultado efetivo x experiência do paciente / custo,

onde, dentro de “custo” inclui-se também o desperdício e as fraudes.

Por isso, aos financiadores do sistema de saúde, cabe o papel de considerar alternativas de financiamento a médicos e hospitais, levando em conta os resultados clínicos efetivos e a experiência do paciente.

Concluindo, o que provavelmente mudará este cenário de modo mais substancial é que a formação médica inclua ensinamentos não só técnicos, mas também o fomento às seguintes competências para o profissional de saúde:

  • Gestora
  • Comunicadora
  • Ética
  • Colaboradora
  • Cuidadora

Neste horizonte de grandes desafios, fica aqui um convite, em forma música, para aderir aos valores da campanha “Choosing Wisely”:

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