Parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar: é possível predizer se o paciente vai sobreviver? 

Apesar dos avanços no atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR), quando ela acontece no cenário extra-hospitalar, a sobrevida é baixa.

Apesar dos avanços no atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR), quando esta situação acontece no cenário extra-hospitalar (EH), a sobrevida é extremamente baixa, menor que 10%. Desde 2004, o CDC monitora e estuda esses casos, por meio do registro CARES. Porém, ainda existem alguns pontos a serem ajustados, como a definição dos casos, já que esse registro e muitos outros englobam PCRs que ocorrem de forma não súbita e casos de morte súbita (PCR sem realização de reanimação cardiopulmonar). 

Foi publicado recentemente um estudo prospectivo com objetivo de avaliar as causas de PCREH, desfechos de sobrevida e preditores de sobrevida para os casos de PCR súbita encaminhados para internação. 

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Parada cardiorrespiratória (PCR) extra-hospitalar: é possível predizer se o paciente vai sobreviver? 

Método do estudo e população envolvida

Todos os moradores de São Francisco, nos EUA, são atendidos por três serviços de emergência médica, que contribuem com dados para o registro CARES. Neste estudo foram incluídas todas as PCREH ocorridas em pacientes de 18 a 90 anos entre 2011 e 2015. PCREH súbita era diagnosticada de acordo com a primeira impressão do serviço de emergência e o critério para ser súbita era PCR presenciada, com sintoma inicial até 1 hora antes do evento, ou não presenciada com relato de o paciente ter sido visto sem sintomas nas últimas 24 horas.

Os sobreviventes foram considerados os pacientes admitidos no hospital e que não morreram na emergência. Os que morreram na emergência foram incluídos no grupo de morte súbita (MS). Os pacientes sobreviventes à admissão foram divididos em não sobreviventes ou sobreviventes à alta hospitalar. 

Os seguintes casos de PCREH foram excluídos por não terem sido considerados eventos que ocorreram de forma súbita: pacientes com doença crônica terminal não cardíaca nos quais a morte iminente não era esperada, pacientes com doença renal terminal ou dialíticos, moradores de casas de repouso, causas de PCR não cardíacas identificadas na apresentação, como overdose, evidência clara de trauma, homicídio ou suicídio, internação por causas não cardíacas ou cirúrgicas nos últimos 30 dias e pessoas desconhecidas.

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As causas de PCR foram determinadas por 2 médicos diferentes a partir dos registros hospitalares, ECG, exames de imagem, laboratoriais e autópsia, quando realizada. Arritmia foi considerada causa de PCR quando não havia causa não arrítmica identificável (AVC, embolia, hemorragia, overdose). Para considerar causa arrítmica não era necessário que o ritmo inicial fosse fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV), já que a depender do tempo para atendimento, estes ritmos podem degenerar para assistolia. Causa neurológica foi considerada quando havia acidente vascular cerebral (AVC), hemorragia intracraniana ou convulsão. 

Resultados

Foram identificados 734 eventos, sendo que 239 (32,4%) foram PCR súbitas e aproximadamente metade (133) tiveram RCE. Dos 133 com RCE, 86 (64,7%) morreram durante a hospitalização e 47 (35,3%) sobreviveram até a alta, ou seja, das 239 PCREH, 47 (19,7%) sobreviveram.

A idade média geral era de 67,4 anos e 66% eram do sexo masculino. Em relação as características dos sobreviventes e não sobreviventes houve diferença na idade, sendo os sobreviventes 10,5 anos mais jovens que os não sobreviventes (p < 0,001). Além disso, os não sobreviventes tinham maior prevalência de AVC (20,9% x 2,1%, p = 0,003) e usavam mais bloqueador de canal de cálcio (14% x 2,1% p = 0,03) e inibidores seletivos da recaptação de serotonina (9,3% x 0%, p = 0,05). 

O tempo médio de chegada do serviço de emergência foi semelhante nos dois grupos (5 min x 5,9 min) e parada cardiorrespiratória (PCR) testemunhada teve maior sobrevida que não testemunhada (70,2% x 53,5%, p = 0,05). FV e TV foram os ritmos iniciais mais encontrados, ocorrendo em 41% das PCR ressuscitadas e foi mais comum em sobreviventes que não sobreviventes (78,7% x 20,9%, p < 0,001). O tempo de atendimento para os ritmos de FV e TV comparado aos demais foi semelhante. 

As causas mais comuns de PCREH foram síndrome coronariana aguda (39,8% dos casos), causas neurológicas (18%) e doença coronária crônica (16,5%). Causas arrítmicas estavam presentes em 69,1% das PCR ressuscitadas (PCR com RCE), comparado a 55% dos casos de MS em exames de autopsia (p = 0,004). As arritmias foram muito mais comuns em sobreviventes que não sobreviventes (92% x 57%, p < 0,001). 

Causas neurológicas de PCR levaram a óbito em todos os casos e foram causa da PCR em 28% dos não sobreviventes. A maioria foi AVC hemorrágico (83,3%) e todos esses pacientes estavam em uso de anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários. 

Na análise multivariada, os preditores de sobrevida foram: etnia branca, ritmo de apresentação em FV ou TV e arritmia. História de AVC prévio foi associada a redução da chance de sobrevida, assim como uso de bloqueador de canal de cálcio. 

Considerações importantes e conclusão

Neste estudo, apenas um terço das PCREH identificadas ocorreu de forma súbita, metade desses teve RCE e apenas 1 em cada 5 teve alta hospitalar. A sobrevida de 20% foi maior que em estudos prévios (7,6%) provavelmente pelo fato de os estudos prévios incluírem casos em que não houve parada cardiorrespiratória (PCR) de forma súbita e muitos casos com causas não cardíacas. 

Causa arritmogênica foi a responsável pela PCR em 92% dos pacientes que tiveram alta, contra 56% dos casos em pacientes que foram a óbito. Esses dados sugerem que as parada cardiorrespiratória (PCR) ressuscitadas podem ter etiologia diferente das PCR sem RCE, o que é reforçado pelo fato de que o tempo para o atendimento inicial desses casos foi semelhante. O reconhecimento das causas de PCR é essencial e pode ajudar a refinar os algoritmos de atendimento permitindo tratamentos mais específicos direcionados para essas causas. 

Arritmia foi preditor de sobrevida nos pacientes, muito provavelmente pelo fato de ser uma causa tratável e os algoritmos atuais enfatizarem o uso de desfibrilador externo automático. Em quase 80% dos casos, o ritmo de apresentação dos sobreviventes foi FV ou TV e apenas 1 paciente com ritmo inicial em AESP, de um total de 13, recebeu alta hospitalar. 

Em relação às causas neurológicas, a mortalidade foi de 100% apesar da ressuscitação inicial, um desfecho muito ruim. Esse é um possível alvo de intervenção, sendo que uma intervenção com benefício pequeno já teria grande impacto. Talvez valha a pena ampliar o atendimento da parada cardiorrespiratória (PCR) para além de ritmos chocáveis e não chocáveis e tentar identificar já no atendimento inicial, por exemplo, se o paciente tem história prévia de AVC, que estava presente em mais de um terço das PCR por causas neurológicas e foi um preditor negativo de sobrevida, ou se usa anticoagulantes ou antiagregantes e, caso haja uma resposta positiva, considerar encaminhar o paciente para um centro de tratamento neurológico e intervenção neurocirúrgica mais precocemente ou até considerar o uso de antídotos para os anticoagulantes.

As informações que esse estudo traz são bastante interessantes, porém mais estudos são necessários para confirmar esses achados e mudar os guidelines de atendimento.

Referências bibliográficas:

  • Ricceri S, et al. Factors Predisposing to Survival After Resuscitation for Sudden Cardiac Arrest. J Am Coll Cardiol, 77 (19): 2353–2362. doi: 10.1016/j.jacc.2021.03.299.

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