Pneumonia aspirativa: o que há de novo na abordagem da doença? Parte 1

A macroaspiração, aspiração de conteúdo colonizado da orofaringe ou do trato gastrointestinal, é a condição primária da pneumonia aspirativa. Saiba mais:

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No início de 2019 foi publicada uma revisão sobre Pneumonia aspirativa e Pneumonite química no periódico The New England Journal of Medicine. Com base nessas informações, publicaremos três artigos sobre pneumonia aspirativa. Confira a primeira parte:

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Pneumonia aspirativa – o que há de novo?

A aspiração de pequenas quantidades de secreção orofaríngea (microaspiração) é algo normal em pessoas saudáveis durante o sono. Entretanto, também figura como um dos principais mecanismos fisiopatogênicos das pneumonias. Já quando ocorre a aspiração de grande quantidade de conteúdo colonizado da orofaringe ou do trato gastrointestinal, temos a macroaspiração, que é a condição primária para a ocorrência da Pneumonia aspirativa. Em caso desta macroaspiração evoluir para uma reação inflamatório devido à irritação pelo conteúdo gástrico e ácidos biliares, sem infecção, tem-se a pneumonite química.

A pneumonia aspirativa não deve ser pensada na atualidade com uma entidade clínica distinta, mas como parte de um Continuum que inclui a pneumonia adquirida na comunidade e a pneumonia hospitalar. Estima-se que a pneumonia aspirativa seja responsável por 5-15% dos casos de pneumonia adquirida na comunidade. Não há dados sobre a incidência desta em relação à pneumonia hospitalar.

Devido à falta de critérios diagnósticos definitivos para a pneumonia aspirativa, há certa heterogeneidade em relação à escolha de pacientes, delineamento de estudos e, por conseguinte, em resultados sobre o tema. O que se sabe é que as variáveis que afetam a apresentação clínica do paciente e o manejo da doença são virulência bacteriana, recorrência e local de aquisição (comunidade x instituição de longa permanência x hospital). Baseado nestas variáveis, os pacientes que apresentam pneumonia aspirativa seguem um fenótipo clínico característico, onde estes apresentam fatores de risco para macroaspiração e envolvimento de localizações pulmonares específicas.

Patogênese

O uso da reação em cadeia da polimerase (PCR), sequenciamento de genes e metagenômica em estudos direcionados ao entendimento da microbiota das vias aéreas inferiores em humanos alterou a nossa compreensão. Um estudo recente da microbiota oral em pacientes com acidente vascular encefálico (AVE) agudo identificou 103 filotipos bacterianos diferentes, 29 destes não haviam sido relatados anteriormente e sua patogenicidade é uma incógnita.

O Projeto Microbioma Humano vem tentando elucidar essas relações e, ao que parece, o tônus imunológico das vias aéreas e alvéolos parecem ser calibrados pelas bactérias que compõem o microbioma pulmonar. Sendo assim, o conceito de virulência passa a ser definido como “a capacidade ‘relativa’ de microrganismo em causar dano ao hospedeiro” e a infecção não seria apenas resultante da replicação ou da produção de genes bacterianos, seria também a consequência da resposta do hospedeiro, inflamação e dano resultantes.

Os modelos propostos para explicar o possível papel do microbioma pulmonar na pneumonia incluem o modelo de ilha adaptada e biogeografia pulmonar, onde haveria influência de efeitos de gradientes ambientais na microbiota pulmonar (por exemplo: diferenças regionais na tensão de oxigênio e disponibilidade de nutrientes nos pulmões favoreceriam a proliferação bacteriana) e; a pneumonia como um fenômeno emergente no complexo sistema adaptativo do ecossistema microbiano pulmonar, sendo que a estabilidade do microbioma pulmonar é provavelmente mantida por um balanço de imigração e eliminação de bactérias e por ciclos de feedback.

A imigração envolve o movimento bacteriano da orofaringe para o pulmão, principalmente por meio da microaspiração, e a eliminação ocorre principalmente por meio de depuração ciliar e tosse. Loops de feedback negativo e positivo podem suprimir ou ampliar sinais, respectivamente, como aqueles para o crescimento bacteriano. Um evento inflamatório pode levar a lesão epitelial e endotelial, criando uma alça de retroalimentação positiva que pode promover inflamação, interromper a homeostase bacteriana e aumentar a suscetibilidade à infecção.

O complexo modelo de sistema adaptativo sugere que a pneumonia bacteriana aguda resulta do aumento de um sinal promotor de crescimento por meio de um feedback positivo. Isso pode resultar em uma rápida mudança de uma mistura microbiana diversa para dominância de uma única espécie (por exemplo, Streptococcus pneumoniae ou Pseudomonas aeruginosa). Uma hipótese que liga o microbioma das vias aéreas à pneumonia aspirativa é a de que a doença pode resultar em uma alteração na microbiota pulmonar, que por sua vez, pode interferir ou prejudicar as defesas pulmonares.

Um evento de macroaspiração, particularmente em um paciente com fatores de risco para eliminação bacteriana prejudicada (consciência reduzida ou reflexo de tosse debilitado), poderia sobrecarregar o lado da eliminação do equilíbrio imigração-eliminação, perturbando ainda mais a homeostase bacteriana e desencadeando um loop de feedback positivo que leva à infecção aguda.

Microbiologia

Em 1970, os anaeróbios eram a espécie predominante na etiologia da Pneumonia aspirativa. Entretanto, observamos uma mudança nesse perfil nos dias atuais sendo que as bactérias causadoras das Pneumonias adquiridas na comunidade (Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae e Enterobacteriaceae) e hospitalares (bacilos gram-negativos, incluindo Pseudomonas aeruginosa) seriam as mais implicadas na gênese da pneumonia aspirativa.

Há pouca participação de anaeróbios na etiologia da pneumonia aspirativa em estudos atuais. O por quê desta mudança não está claro, pode estar relacionado a mudanças nas características demográficas dos pacientes e na amostragem muito precoce dos pacientes, já que em estudos anteriores as culturas eram coletadas em fases tardias da doença, frequentemente após o desenvolvimento de empiema ou abscesso pulmonar.

Fatores de risco

Como dito anteriormente, a aspiração está no cerne do desenvolvimento da pneumonia aspirativa. Muitas vezes esta é resultante do comprometimento da deglutição, que permite que conteúdos orais e/ou gástricos entrem nas vias aéreas inferiores, especialmente em pacientes com reflexo de tosse ineficaz. A macroaspiração está mais associada com disfagia, câncer de cabeça, pescoço e esôfago; distúrbios de estreitamento e motilidade esofágica; doença pulmonar obstrutiva crônica; e convulsões.

Riscos adicionais incluem doenças neurológicas degenerativas (esclerose múltipla, parkinsonismo e demência) e comprometimento do nível de consciência, particularmente como resultado de acidente vascular encefálico e hemorragia intracerebral, que também podem prejudicar o reflexo da tosse. Consciência prejudicada também pode resultar de overdose de drogas e medicamentos, incluindo agentes narcóticos, anestésicos gerais, antidepressivos e álcool. A alimentação enteral pode levar à aspiração de alto volume, especialmente quando associada à dismotilidade gástrica, tosse fraca e estado mental alterado.

Um contexto clínico importante para a pneumonia aspirativa é a parada cardiorrespiratória (PCR). Em um estudo envolvendo 641 pacientes com PCR, a pneumonia se desenvolveu em três dias após o evento em 65% dos pacientes. O mecanismo presumido é a aspiração do conteúdo gástrico durante a ressuscitação (promovida pela ventilação do estômago e o procedimento de reanimação) e inalação de secreções orais durante a ventilação com bolsa e máscara e intubação orotraqueal.

Quando a hipotermia terapêutica a 33°C foi usada após a parada cardíaca, a razão de chances para pneumonia de início precoce aumentou por um fator de 1,9. No entanto, uma temperatura alvo de 36°C pode estar associada a um menor risco de pneumonia. Alguns estudos mostraram que a incidência de pneumonia de início precoce diminuiu entre pacientes que receberam antibióticos sistêmicos no momento da parada cardíaca. Dois estudos de intervenção envolvendo pacientes em coma mostraram um benefício de administrar antibióticos profiláticos por até 24 horas após a intubação de emergência.

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Referências:

  • Mandell LA, Niederman MS. Aspiration Pneumonia. N Engl J Med 2019;380:651-63.

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