Podemos confiar nos novos anticoagulantes?

Problemas com interação medicamentosa e a necessidade de monitorização frequente do INR sempre foram entraves no sucesso do tratamento.

A prevenção de fenômenos tromboembólicos é um dos objetivos mais importantes no tratamento do paciente com fibrilação atrial de etiologia não valvar (FA). Durante décadas, a varfarina foi a droga de escolha. Contudo, problemas com interação medicamentosa e a necessidade de monitorização frequente do INR sempre foram entraves no sucesso do tratamento.

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Na última década, diversos lançamentos da indústria trouxeram ao mercado os chamados “novos anticoagulantes orais”. Trata-se de um grupo heterogêneo de drogas, com diferentes mecanismos de ação, mas que tinham como ponto central a promoção de anticoagulação “plena”, isto é, prevenção de tromboembolismo por FA, com dose fixa e sem necessidade de monitorização por exame laboratorial.

Diversos estudos comprovaram sua eficácia no mundo real, sendo, no mínimo, equivalentes à varfarina em eficácia e segurança. As drogas mais estudadas são dabigatrana, rivaroxabana, edoxabana e apixabana. Contudo, estes novos fármacos também têm desvantagens: menor experiência de uso “no mundo real”, uso restrito em pacientes com doença renal crônica estágios IV e V, ausência de antídoto (exceto a dabigatrana, cujo antídoto está iniciando comercialização nos EUA), ausência de estudos na gestação e, com destaque em nosso meio, alto custo.

A rivaroxabana é um inibidor do fator Xa, ainda com patente e comercializado com nome de Xarelto, do laboratório alemão Bayer S.A. A primeira aprovação da rivaroxabana foi para a prevenção de TVP e TEP no pós-operatório de artroplastia do quadril e joelho, em 2008. Em 2011, o FDA americano aprovou o seu uso para prevenção de tromboembolismo em portadores de FA não valvar. O principal estudo que levou à aprovação para esta indicação foi o ROCKET-AF (Rivaroxaban versus Warfarin in Nonvalvular Atrial Fibrillation), publicado na NEJM em 2011, no qual o fármaco obteve uma redução similar à varfarina na redução de eventos tromboembólicos, mas com menor incidência de AVC hemorrágico e sangramentos fatais.

Contudo, neste ano, a Alere, uma fabricante de equipamentos para dosagens laboratoriais, realizou um recall de um de seus produtos: um aparelho que faz a medição do INR (Alere INRatio Monitor System). O problema é um defeito na precisão do método, de modo que parte das amostras apresentava valores discrepantes em relação aos métodos tradicionais de laboratório. É aí que a rivaroxabana entra na jogada! Um grupo de autores “lembrou” que este foi o aparelho usado no estudo ROCKET-AF2. Então, será que o INR do grupo varfarina era real? Podemos confiar nos resultados?

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Há um grupo “do não”: acham que estes erros de medida do INR podem ter prejudicado o grupo da varfarina, feito ela parecer pior. Estima-se que até 30% das amostras estariam sujeitas a erro de medida. A turma do “sim” são os pesquisadores líderes do ROCKET-AF, da prestigiada universidade de Duke (aquela mesma dos critérios de endocardite). Eles fizeram uma nova análise estatística e disseram que o erro do aparelho novo (Alere) não muda o resultado final; ele seria “insignificante”. Mas a turma “do contra” não aceitou e quer a abertura de todos os dados do estudo para uma análise por um comitê independente.

Obviamente, sem os dados “abertos”, isto é, a planilha completa do estudo, não temos como saber quem tem a razão. Há inúmeros interesses econômicos por trás disso, bilhões de dólares em jogo, numa verdadeira guerra econômica entre os laboratórios. Cada leitor deve olhar com calma as evidências disponíveis para tirar suas conclusões; colocamos as principais referências no final do artigo. Mas lembrem-se de usar as regras gerais da medicina: evitar “na minha experiência nunca vi nada” – estas experiências pessoais são carregadas de viés. Elas têm papel fundamental na clínica médica, no processo diagnóstico, mas aqui é preciso usarmos a medicina baseada em evidência: há um viés de aferição, considerado grave em um ensaio clínico, e temos alterativas tão seguras e eficazes no mercado.

Uma boa dica é usar os outros fármacos até que as autoridades regulatórias ou, de preferência, instituições independentes prestigiadas, tenham acesso aos dados e se posicionem. O laboratório da rivaroxabana deve ser o primeiro e maior interessado em “abrir” seus dados e mostrar a eficácia e segurança da droga.

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Referências bibliográficas:

  • Patel MR, Mahaffey KW, Garg J, Pan G, Singer DE, Hacke W, et al. Rivaroxaban versus Warfarin in Nonvalvular Atrial Fibrillation. N Engl J Med. Massachusetts Medical Society ; 2011;365(10):883–91.
  • Point-of-Care Warfarin Monitoring in the ROCKET AF Trial. N Engl J Med. Massachusetts Medical Society; 2016;375(4):390–1.

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