Podemos usar a troponina para diferenciar IAM tipo 1 de outras causas de lesão miocárdica?

Há muitas causas de aumento de troponina além do IAM, identificar a causa do aumento da troponina é crucial e leva a condutas diferentes.

A definição universal de infarto recomenda que o corte de troponina utilizado para diagnóstico de infarto agudo do miocárdio (IAM) seja o valor do percentil 99. Porém, na prática há muitas causas de aumento de troponina além do IAM, sendo que estes casos representam até metade dos casos de troponina coletados. Identificar qual a causa do aumento da troponina é crucial e leva a condutas que podem ser completamente diferentes, principalmente em relação ao tratamento medicamentoso inicial.  

Este valor da troponina é baseado em estudos nos quais ela era coletada exclusivamente em pacientes com dor torácica, mas na prática, esse exame é realizado de forma mais ampla, incluindo pacientes com outros sintomas, o que reduz sua especificidade.

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Valores de corte diferentes, acima do percentil 99, tem sido propostos com o objetivo de aumentar o valor preditivo positivo (VPP) e a especificidade deste exame para IAM tipo 1. Além da dosagem inicial, na chegada, também é recomendada a realização da curva de troponina, ou seja, uma testagem em série, para avaliar seu aumento ou queda e assim, confirmar o diagnóstico de IAM. Porém, pacientes com IAM tipo 2 e lesão miocárdica aguda não isquêmica também têm alterações dinâmicas deste marcador.

Foi feito então um estudo para avaliar a performance do corte de troponina para o diagnóstico de IAM tipo 1 na apresentação inicial e determinar se a sua cinética seria suficiente para discriminar entre lesão miocárdica aguda e IAM.

Podemos usar a troponina para diferenciar infarto tipo 1 de outras causas de lesão miocárdica?

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Método do estudo e população envolvida

Foi um estudo escocês que avaliou a implementação da troponina I ultra-sensível (US) em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda em 10 centros secundários e terciários. Todos os pacientes que procuraram o departamento de emergência nesses centros tiveram o exame de troponina padrão e a troponina I US coletadas e foram avaliados por um médico. Foram excluídos pacientes com supradesnivelamento do segmento ST, os que não tinham troponina da chegada ou se não houve consenso no diagnóstico final.

A troponina foi coletada na chegada e após 6 e 12 horas. O limite inferior de detecção foi definido em 1ng/L e o percentil 99 era 26ng/L, sendo que para homens era de 34ng/L e para mulheres 16ng/L. 

IAM tipo 1 foi definido como necrose miocárdica (troponina acima do percentil 99 e aumento ou queda na dosagem seriada) no contexto de sintomas suspeitos para IAM ou sinais de isquemia no eletrocardiograma (ECG). Pacientes com necrose miocárdica, sintomas ou sinais sugestivos de isquemia e evidência de desbalanço entre oferta e consumo de oxigênio foram diagnosticados como IAM tipo 2. Já os pacientes com aumento de troponina sem sintomas ou sinais sugestivos de isquemia foram diagnosticados com lesão miocárdica não isquêmica e subdivididos em pacientes com lesão miocárdica aguda ou lesão miocárdica crônica.

Foram feitas análises para identificação do VPP e especificidade no IAM tipo 1 com os valores de corte acima do percentil 99 (26 ng/L), acima de 64ng/L (como recomendado por alguns guidelines) e acima de 3 a 5 vezes o limite superior (78 ng/L e 130 ng/L). Também foi calculado o valor de corte de troponina para se obter um VPP de 75%. Essas análises também foram feitas para o IAM tipo 2 e lesões miocárdicas não isquêmicas aguda e crônica, que foram comparadas ao IAM tipo 1.  As variações absoluta e relativa consideradas na análise foram de 15 ng/L e 20% respectivamente, de acordo com os guidelines internacionais.

Resultados

Foram avaliados 46.092 pacientes. A troponina estava acima do percentil 99 em 18% (8188), sendo 50% desses casos diagnosticados como IAM tipo 1, 14% como IAM tipo 2, 20% como lesão miocárdica aguda e 16% como lesão miocárdica crônica.  

Pacientes com IAM tipo 1 eram mais jovens, com maior probabilidade de ser do sexo masculino e 90% deles tiveram apresentação clínica de dor torácica, sendo que este sintoma ocorreu em apenas 73% dos casos de IAM tipo 2 e em proporção muito menor nos casos de lesão miocárdica aguda e crônica (38 e 49% respectivamente). 

A concentração de troponina na apresentação inicial foi semelhante em todos os grupos e o VPP calculado para o IAM tipo 1 com o corte no percentil 99 foi de 48%, com especificidade de 92%, sendo nas mulheres o VPP e a especificidade de 39% e 89% e nos homens 56% e 93% respectivamente.

Já os cortes de 64 ng/L e de 5 vezes o limite superior tiveram VPP de 57% e 62% e especificidade de 96% e 97% respectivamente. Para os pacientes com IAM tipo 1 que tiveram dor torácica como sintoma inicial os valores de VPP e especificidade para os cortes de 64ng/L foram 72% e 98% e para o corte de 5 vezes o limite superior foi de 75 e 99%. Para alcançar um VPP de 75%, o valor de corte deveria ser 119ng/L. 

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A dosagem seriada da troponina em 12 horas foi realizada em 51% dos pacientes e a taxa de variação foi maior nos pacientes com IAM tipo 1 comparado aos outros grupos, sendo a variação absoluta de 177ng/L no IAM tipo 1, 46ng/L no IAM tipo 2, 57ng/L na lesão miocárdica aguda não isquêmica e 6ng/L na lesão miocárdica crônica. A variação relativa também foi diferente, sendo 231% no IAM tipo 1, 105% no IAM tipo 2, 129% na lesão aguda não isquêmica e 12% na lesão miocárdica crônica, porém houve grande variação desses valores dentro de cada grupo. 

A combinação da dosagem inicial e a variação absoluta ou relativa da troponina melhorou o diagnóstico de IAM tipo 1 em relação a apenas a dosagem inicial. 

Conclusão e mensagem prática

Os resultados mostraram que não foi possível diferenciar IAM tipo 1, IAM tipo 2 e lesão miocárdica não isquêmica pelo valor inicial da troponina (apesar de haver tendência de valores maiores para o IAM tipo 1, houve sobreposição importante desses valores com os outros grupos) e o uso de valores de corte maiores que o do percentil 99 mostraram apenas uma pequena melhora no VPP e especificidade para o IAM tipo 1. Quando esse exame é coletado em pacientes com dor torácica, o VPP melhora bastante, o que reforça a necessidade do uso do exame de forma associada a avaliação clínica.

A maior vantagem do uso das troponinas ultrassensíveis é a maior confiança em excluir o IAM, o que diminui a necessidade de internação hospitalar. Entretanto, o uso de valores de corte mais baixos acaba aumentando a detecção de pacientes com troponina aumentada por outros motivos e o corte baseado no percentil 99 tem como proposta melhorar o VPP e a especificidade do exame. Porém, a performance desse exame não foi testada na prática clínica (que utiliza a dosagem da troponina em um espectro muito maior de pacientes), apenas em ensaios clínicos randomizados. 

Já a magnitude da variação do valor da troponina parece ajudar a diferenciar o IAM tipo 1 do tipo 2 e da lesão miocárdica não isquêmica, sendo que as variações absolutas e relativas foram maiores no IAM tipo 1, porém o uso deste dado melhora pouco a acurácia diagnóstica. 

Aplicar valores fixos de corte a uma população bastante heterogênea é um grande desafio e a concentração de troponina na apresentação é insuficiente para distinguir IAM tipo 1 de outras causas de lesão miocárdica na prática. O contexto clínico pode ser mais útil do que valores de corte isolados de troponina para guiar a triagem e manejo clínico inicial e o sintoma do paciente deve sempre ser levado em conta na avaliação diagnóstica.

Referências bibliográficas:

  • Werenski R, et al. Cardiac Troponin Thresholds and Kinetics to Differentiate Myocardial Injury and Myocardial Infarction. Circulation. 2021 Jun;0. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.121.054302

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