Policitemia vera: Diretriz atualiza manejo adequado do tratamento da doença

Uma atualização publicada no Lancet Haematology revisou as diretrizes terapêuticas para o tratamento da policitemia vera. Saiba mais.

A policitemia vera (PV) é uma doença mieloproliferativa crônica neoplásica caracterizada por panmielose e marcada pela poliglobulia do setor eritrocítico no hemograma. A investigação diagnóstica parte da união de dois resultados: hemoglobina (hb) maior do que 16,5g/dL e hematócrito (HTC) maior do que 49% (para homens) e hemoglobina maior do que 16g/dL e HTC acima de 48% (para mulheres). Esses resultados estão de acordo com os critérios da Organização Mundial de Saúde (WHO 2017).  

Porém, a presença da mutação JAK2V617F é um dos critérios maiores para o diagnóstico dessa enfermidade e ocorre em aproximadamente 97% dos pacientes com PV. Nos outros 3% é observada a mutação no exon 12. Uma atualização publicada no Lancet Haematology em abril revisa as diretrizes terapêuticas promovidas pela European Leukemia Net (ELN) em 2021. Confira abaixo o que mudou. 

amostra de sangue

Quais eram as recomendações até agora?

As recomendações terapêuticas levam em consideração a estratificação de risco dos pacientes com diagnóstico de PV. Para tanto, o algoritmo prognóstico se baseia em três grandes fatores: idade ≥ 60 anos, evento tromboembólico prévio e presença da mutação do JAK2V617F.  

Pacientes de risco intermediário (com idade igual ou maior do que 60 anos, sem história de trombose ou mutação do JAK2) e de alto risco (idade igual ou maior do que 60 anos; com mutação do JAK2 ou história de trombose independentemente da idade) devem ser submetidos à terapia citorredutora com hidroxiureia associado à terapia com AAS 100 mg por dia. Nos casos de trombose arterial em pacientes com alto risco cardiovascular (RCV), poderíamos considerar terapia com AAS 100 mg duas vezes ao dia, enquanto em pacientes com histórico de trombose venosa e alto risco cardiovascular (RCV), deveríamos considerar anticoagulação sistêmica e terapia com AAS 100 mg por dia pelo alto risco tromboembólico associado a esses pacientes.  

Por outro lado, pacientes de baixo risco (< 60 anos sem história de trombose, mas com mutação do JAK2V617F) ou de muito baixo risco (ausência dos critérios mencionados anteriormente, mas com biópsia medula sugestiva de PV) deveriam ser submetidos à terapia com AAS 100 mg por dia apenas em casos de alto RCV, sem terapia citorredutora, e controle de hematócrito através de flebotomias. Tal paradigma tem sido mudado nos últimos anos e é isso que iremos discutir. 

Terapia citorredutora

Primeiro, pacientes submetidos a terapia citorredutora parecem ter o seu risco de desenvolvimento de fenômenos tromboembólicos reduzido. É o que sugere o artigo que estamos abordando com um grau de recomendação pelo sistema GRADE com moderada força de evidência. Estudos como PVSG 01, ECLAP e PVSG08 evidenciaram uma redução de dois eventos trombóticos em 100 pacientes por ano favorecendo drogas citorredutoras (em especial a hidroxiureia) versus flebotomia. Infelizmente, no estudo LOW-PV, não pudemos observar o mesmo efeito levando-se em consideração as formas peguiladas de interferon (incluindo o ropeginterferon alfa-2b, recentemente aprovado na Europa) devido à baixa incidência de eventos vasculares e ao curto follow up até o momento.  

Em segundo lugar, também com força de evidência moderada, alguns estudos sugerem um atraso na transformação de PV para mielofibrose nesses pacientes, sem aumentar as chances de transformação para leucemia mieloide aguda (LMA) conforme observamos nos estudos ECLAP e PVSG08 (quando utilizado hidroxiureia ou alfa-interferon peguilado). Não temos ainda a mesma informação para o ruxolitinib e ropeginterferon alfa-2b. 

Em terceiro lugar, o uso de drogas citorredutoras parece melhorar a qualidade de vida dos pacientes ao reduzir os sintomas atribuíveis à doença, como prurido e esplenomegalia sintomática, conforme sugerido no estudo LOW-PV que comparou ropeginterferon alfa-2b com flebotomia.  

Administração de drogas 

Nas recomendações da ELN 2021, o painel de especialistas recomenda o uso de formas peguiladas ou não-peguiladas de interferon-alfa incluindo ropeginterferon alfa-2b para o tratamento de pacientes com mais de 60 anos com base em evidências de moderada qualidade que sugerem a menor transformação para mielofibrose e menor incidência de neoplasias secundárias quando comparadas com hidroxiureia; ainda, com base em evidências de alta qualidade, observamos um melhor controle de hematócrito neste subgrupo de pacientes favorecendo as formulações de interferon.  

De maneira oposta, o uso de hidroxiureia para pacientes com 60 anos de idade ou mais continua sendo o recomendado. 

Tratamento de pacientes de baixo risco

O painel de especialistas do ELN 2021 recomenda o tratamento de pacientes de baixo risco em algumas situações especiais tendo em vista as limitações dos estudos que foram incluídos nas análises. Por exemplo, a maioria dos estudos que avalia braços de tratamento recruta uma grande porcentagem de indivíduos de alto risco com indicação de início de terapia citorredutora. Portanto, a decisão por indicar tratamento no subgrupo de pacientes de baixo risco foi baseada em um grau moderado de força de evidência em subgrupos específicos de pacientes, a ver: 

  1. Intolerância significativa aos procedimentos de flebotomia; 
  2. Esplenomegalia sintomática e progressiva;
  3. Leucocitose persistente (taxa maior do que 15 x 109/L);
  4. Leucocitose progressiva (aumento de 100% no baseline, se contagem for menor do que 10 x 109/L ou incremento de, no mínimo, 50%, se contagem do baseline for maior do que 10 x 109/L);
  5. Trombocitose extrema (taxa maior de 1500 x109/L);
  6. Controle inadequado do hematócrito requerendo flebotomias com alta frequência;
  7. Risco Cardiovascular persistentemente elevado;
  8. Sintomas incapacitantes e progressivos.

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Hidroxiureia, interferon alfa ou ruxolitinib? 

O painel de especialistas aconselha a troca de hidroxiureia por interferon alfa ou ruxolitinib em caso de intolerância por toxicidade hematológica ou não (graus 3, 4 ou 2 persistente), desenvolvimento de neoplasias de pele em uso de hidroxiureia e desenvolvimento de eventos vasculares (trombose arterial, venosa, sangramento).  

A falta de resposta clínica ou hematológica com doses iguais ou maiores do que 1,5g por dia, por pelo menos quatro meses, também é um critério para a troca medicamentosa. Outros fatores que vale observar são tamanho do baço, falta de controle do hematócrito com mais de seis flebotomias por ano, leucocitose persistente ou incremental e piora dos sintomas.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Marchetti M, Vannucchi AM, Griesshammer M, et al. Appropriate management of polycythaemia vera with cytoreductive drug therapy: European LeukemiaNet 2021 recommendations. Lancet Haematol. 2022;9(4):e301-e311. doi:10.1016/S2352-3026(22)00046-1 

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