Prevenção quinquenária: o que precisamos saber?

Em 2014, surgiu um conceito interessante: a prevenção quinquenária. Foi descrita pelo Médico de Família e Comunidade português José Agostinho Santos.

“Por que você escolheu medicina?” É ou não é a pergunta clássica do primeiro dia de aula da faculdade? Apesar de saber que essa pergunta será feita, nos pega de surpresa quando temos que respondê-la prontamente. É claro que cada um tem suas motivações, mas ao se formar, escolher sua especialidade e colocar a medicina em prática o que está em questão é o cuidado. Sim, o cuidado. Para você, pode até ser um paciente, com uma história natural da doença, com diagnóstico, com tratamento e prognóstico. Ou então um paciente que necessita de uma intervenção cirúrgica de emergência. Ou ainda paciente que necessita de analgesia e sedação para passar por certo tipo de procedimento. Não importa a especialidade: sempre será sobre cuidar.

Cada encontro entre o profissional de saúde e a pessoa que, por algum motivo, o procurou, é, antes de tudo, um encontro entre pessoas. Nesse encontro todas as partes são importantes: a pessoa, que tem sua história, suas crenças e valores, assim como o médico, que tem sua história, suas crenças e valores. Será que consideramos isso em todos os nossos encontros?

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médicos segurando estetoscópios em referência à prevenção quinquenária

Prevenção quinquenária

Em 2014, surgiu um conceito interessante: a prevenção quinquenária. Foi descrita pelo Médico de Família e Comunidade português José Agostinho Santos. “Prevenindo o dano no paciente, atuando no médico” é sua ideia central. Trata-se de um novo nível de medidas preventivas que visa à melhoria da qualidade dos cuidados prestados aos pacientes, porém com foco no cuidador, de onde emergem os cuidados. Parece fazer sentido. Quanto estamos considerando isso como boa prática médica? Quanto estamos preocupados com isso? Quantos colegas que conhecemos estão em burnout? Qual a qualidade do cuidado que emerge de uma pessoa que não está sendo cuidada?

Quando pensamos nos níveis de prevenção já conhecidos (primário, secundário, terciário e quaternário) partimos do princípio que o médico é uma constante na equação, e não uma variável. Ele, enquanto constante, não tem o direito de ter sintomas de burnout, ou pelo menos isso não é considerado quando falamos sobre os outros tipos de prevenção. A prevenção quinquenária vem neste contexto dizer que, o cuidado com o cuidador é tão importante quanto o cuidado com o usuário, e que sem esse olhar, não estaremos evitando dano àquele paciente e, sim, aumentando a possibilidade de erro médico e outcomes negativos.

Como condição essencial para o desenvolvimento de burnout estão as relações profissionais desiguais. Nestas relações, uma das partes (e por vezes as duas) não tem oportunidade de se expressar, ser reconhecido, ter autoconhecimento e, portanto, acabam com insatisfação profissional, levando a desrealização, exaustão emocional e despersonalização: burnout!

Sendo uma questão de saúde e um fator determinante na qualidade do cuidado prestado, a prevenção quinquenária passa a ter necessidade de intervenção de diferentes entidades, e a não ser apenas do interesse exclusivo do médico (ou profissional de saúde). Dá-se em quatro níveis principais:

Do profissional de saúde

Encaixam-se todas as estratégias que potenciem uma expansão do seu autoconhecimento e autocuidado, fatos que priorizamos tanto ao atender e cuidar das pessoas, mas que precisamos aplicar em nossas próprias vidas até para sermos melhores cuidadores.

Ter uma relação abusiva consigo mesmo (alto nível de exigência pessoal, autocrítica indutora de insegurança, competitividade excessiva, dificuldade em aproveitar a vida, desconhecimento de momentos agradáveis fora do trabalho) altera a visão acerca do seu próprio valor, aceitando assim um comportamento abusivo das demais pessoas que o rodeiam, dando maior atenção a elogios e opiniões de outras pessoas do que sua própria percepção de si e do seu trabalho.

Do paciente

Habilidades de comunicação, corresponsabilização do plano terapêutico entre o profissional de saúde e o paciente são itens que além de melhorar a adesão ao tratamento e a satisfação do usuário, melhoram muito a prática clínica. O Método Clínico Centrado na pessoa pode nos auxiliar neste tópico.

O paternalismo em excesso do profissional de saúde priorizando ordens e culpabilização individual em detrimento das decisões compartilhadas no plano terapêutico também pode ser maléfico e impactar no cuidado. Frustação e insegurança são sentimentos reais que devemos aprender a contornar, com foco na qualidade do cuidado prestado.

Do local de trabalho

Condições de trabalho também fazem parte da qualidade do atendimento prestado. São consideradas variáveis neste tópico: recursos humanos suficientes às necessidades populacionais, equipamentos e tecnologia adequados para aquele nível de atenção à saúde, estímulo a pesquisa, estrutura para cuidado personalizado, com ética, sigilo e privacidade garantidos, articulação do trabalho em equipe e momentos de escuta e acolhimento das questões e ideias de todos os componentes dessa equipe.

Veja mais: Prevenção quaternária: você sabe o que é?

Da administração/governo

Enquanto funcionário de uma instituição pública ou privada, analisar remuneração condizente com o trabalho exercido e carga horária (respeitando horas de pausa, não obrigação vertical de realizar horas extra, exigência de número de consultas por hora) permitindo assim condições de autocuidado para o profissional de saúde.

Pensando, portanto, na prevenção quinquenárias, destacamos alguns tópicos essenciais nas relações de trabalho: autoconhecimento (nível do profissional de saúde), reconhecimento (nível do paciente), criatividade (nível do ambiente de trabalho) e expressão (nível da administração). Recuperando esses papéis previne-se o burnout, consegue-se motivação interna e sentido no trabalho realizado. Ter um profissional que é cuidado durante o processo do cuidado do próximo faz esse cuidado ao próximo ser muito refinado e de grande qualidade.

Enfim…

Estudar prevenção quinquenária e colocar em prática seus princípios poderão melhorar a motivação dos médicos, otimização dos raciocínios clínicos corretos e qualificação do trabalho em equipe em saúde. Segundo o autor proponente da prevenção quinquenária, José Agostinho Santos: “Os que expressam livremente suas ideias, necessidades e têm oportunidades criativas serão, provavelmente, mais felizes, serenos e tomarão decisões mais assertivas, concentradas e ponderadas, com menor probabilidade de erros. O paciente é, assim, beneficiado pelo cuidado prestado corretamente. Como qualquer relação interpessoal que é constituída por dois elementos, a relação médico-paciente é globalmente privilegiada com as medidas de prevenção quinquenária”.

E você, conseguiu identificar prevenção quinquenária no seu dia a dia? Se ainda não, existem variáveis possíveis de serem mudadas? Como fazer? Conte para nós nos comentários!

Referências bibliográficas:

  • Santos JA. Prevenção quinquenária: prevenir o dano para o paciente, atuando no médico; Rev Port Med Geral Fam 2014;30:152-4.
  • Santos JA. Resgate das relações abusivas em que nos encontramos: uma questão de prevenção quinquenária; Rev Bras Med Fam Comunidade. 2019;14(41):1847.
  • Maslach, C. et al. Maslach burnout inventory. CPP, 2006.

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