Principais destaques da nova diretriz de cuidados pós-ressuscitação

Recentemente, foi publicada uma atualização nos mesmos moldes da AHA em 2020, porém com ênfase nos cuidados pós-ressuscitação. Saiba mais.

No final de 2019, a American Heart Association (AHA) publicou suas atualizações no atendimento aos cenários de parada cardiorrespiratória, onde pontos importantes como o atendimento à gestantes e à intoxicação por opioides foram abordados. Um outro ponto de destaque na atualização foi a abordagem dos cuidados pós-ressuscitação, focando no uso de estratégias multimodais de avaliação e prognosticação desses pacientes, preenchendo uma lacuna no guideline anterior.

Recentemente, o European Resuscitation Council (ERC) e a European Society of Intensive Care Medicine (ESCIM) publicaram uma atualização nos mesmos moldes da publicação da AHA em 2020, porém com ênfase em alguns pontos que serão discutidos abaixo.

Avaliação nos cuidados pós-ressuscitação

Principais recomendações

  • Diagnóstico da etiologia:

Os cuidados pós-ressuscitação devem ser iniciados imediatamente ao retorno de circulação espontânea (RCE). Quando há severa instabilidade hemodinâmica ou evidências ao eletrocardiograma sugestivas de etiologia coronariana, o paciente deve ter como prioridade ser transferido para a realização da angiografia coronariana tão logo seja possível. Após a avaliação coronariana, caso tenha sido indicada, ou estabilização clínica, caso não tenha sido indicada, o paciente deve realizar uma tomografia de crânio para complementar a avaliação e uma angiotomografia para TEP (tromboembolia pulmonar) deve ser considerada nos casos em que a etiologia coronariana fora descartada.

  • Via aérea e ventilação:

A intubação deve ser considerada durante o atendimento da PCR e após a obtenção do RCE, devendo sempre ser realizada pelo profissional mais experiente e de forma a não atrapalhar as manobras de reanimação. A confirmação do tubo deve ser realizada por métodos objetivos, como a capnometria em forma de onda. Em caso de não haver possibilidade de intubação, uma via supraglótica pode ser usada até que seja possível a intubação.

Após a obtenção de RCE, recomenda-se instituir ventilação mecânica protetora (Pplatô < 30 cmH2O, driving pressure < 15 cmH2O e um volume corrente entre 6 e 8 ml/kg de peso predito), tendo como metas normocapnia (PaCO2 entre 35 e 45 mmHg) e normoxemia (SpO2 entre 94% e 98%). A oxigenação pode ser titulada pela saturação periférica de O2, usando a menor FiO2 possível no ventilador capaz de manter uma saturação periférica entre 94 e 98%. A coleta de gasometrias seriadas é interessante para o acompanhamento das metas.

  • Manejo hemodinâmico:

A estabilização hemodinâmica também consiste em uma das prioridades do guideline. Recomenda-se puncionar uma linha arterial para adequado acompanhamento e nos casos de maior instabilidade, uma forma de monitorização do débito cardíaco deve ser considerada.

Uma pressão arterial média acima de 65 mmHg é encorajada, porém levando em consideração que em pacientes idosos e hipertensos, um valor maior deve ser considerado. O ideal seria manter uma PAM acima de 65 mmHg capaz de prover um débito urinário superior a 0.5 ml\kg\h em pacientes adultos. A busca pela euvolemia deve ser constante e o uso de cristaloides é encorajado, porém não deve-se protelar muito o início de vasopressores e inotrópicos para a compensação clínica imediata. Para auxílio no manejo, um ecodopplercardiograma deve ser realizado tão logo seja possível.

Nos pacientes em controle direcionado de temperatura e com bradicardia sinusal, desde que não haja impacto hemodinâmico, não há conduta adicional a ser tomada. Uma atenção especial deve ser dada aos eletrólitos, sobretudo ao potássio. A presença de hipocalemia tende a induzir arritmias ventriculares e deve ser corrigida.

Quando houver choque cardiogênico instalado, sobretudo por etiologia coronariana e com difícil compensação hemodinâmica com inotrópicos e/ou instabilidade elétrica importante, o uso de dispositivos de assistência ventricular é encorajado.

  • Cuidados gerais:

Os cuidados gerais devem ser os mesmos prestados a pacientes graves em geral, como o uso de profilaxias para úlcera péptica e tromboembolia venosa, bem como outros cuidados de rotina. A nutrição enteral deve ser iniciada idealmente quando a temperatura atingir valores acima de 36ºC e progredida lentamente, com atenção para o controle glicêmico, devendo-se manter uma glicemia capilar entre 140 a 180 mg/dL.

  • Cuidados neurocríticos:

Um eletroencefalograma após a obtenção do RCE é recomendado para afastar a presença de crises convulsivas subclínicas ou status não convulsivo. Não é recomendado o uso de anticonvulsivantes de forma profilática, porém nos casos em que crises forem presenciadas clinicamente ou eletroencefalograficamente, recomenda-se o uso de levetiracetam ou ácido valproico como primeira escolha de fármacos antiepilépticos por via endovenosa.

Nos pacientes que ao obter RCE e permanecerem não obedecendo a comandos verbais ou quando houver dúvida (Sedados), é indicado o controle direcionado de temperatura com meta de temperatura central entre 33º a 36ºC, devendo ser mantida de forma contínua por 24h após atingir a temperatura alvo. Deve-se dar preferência por métodos autorregulados de controle térmico e a febre (temperatura central > 37.7ºC) deve ser evitada de forma ativa por pelo menos 72h.

  • Prognóstico neurológico:

A avaliação de prognóstico neurológico deve ser iniciada apenas após 72h de evolução, quando fatores de confundimento como o uso de sedativos ou fármacos depressores do sistema nervoso central foram afastados como causa da perpetuação do coma.

Leia também: Insuficiência cardíaca: quais as comorbidades não cardiovasculares?

Em um paciente comatosos com um Glasgow motor <4 em ≥ 72h de ROSC, na ausência de fatores de confusão, um desfecho neurológico desfavorável é provável quando dois ou mais dos seguintes preditores estão presentes: 

  • Nenhum reflexo pupilar corneano em ≥ 72h;
  • Ausência bilateral de resposta cortical no potencial evocado de SSEP N20 em ≥ 24h;
  • Um EEG com alterações malignas (ex: burst supression) em > 24h
  • Neuroenolase neurônio-específico (NSE) > 60 μg L − 1 em 72h;
  • Estado de mioclonia ≤ 72h;
  • Lesão anóxica difusa e extensa na TC / RNM cerebral. 

A maioria desses sinais pode ser registrada antes de 72h do RCE; entretanto, seus resultados serão considerados apenas no momento da avaliação clínica do prognóstico, após 72h de RCE.

Uma avaliação de acompanhamento após 3 meses da alta é recomendada, sobretudo para avaliar déficits cognitivos e motores na evolução do quadro. O processo de estímulo e reabilitação deve ser iniciado tão logo seja possível, de preferência em paralelo aos cuidados ainda intensivos, visando reduzir a ocorrência dos déficits que podem limitar de forma permanente a qualidade de vida.

Conclusão

Aspectos interessantes foram detalhados no novo guideline europeu, seguindo também a mesma tendência da publicação da AHA, com foco na avaliação neurológica e prognosticação desses pacientes, visando alocar os recursos de forma proporcional à expectativa de desfechos, uma discussão ainda distante da realidade brasileira de assistência.

 

Referências bibliográficas:

  • Merchant RM, Topjian AA, Panchal AR, et al. Part 1: executive summary: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2020;142(suppl 2):In press. Disponível em: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIR.0000000000000918
  • Nolan, J.P., Sandroni, C., Böttiger, B.W. et al. European Resuscitation Council and European Society of Intensive Care Medicine guidelines 2021: post-resuscitation care. Intensive Care Med 47, 369–421 (2021). https://doi.org/10.1007/s00134-021-06368-4.

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