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Introdução
- Os anticoagulantes utilizados na prática clínica são representados pela heparina e pelos anticoagulantes orais. O presente capítulo busca resumir as principais orientações na prescrição e manejo clínico dos anticoagulantes.
Heparina Não-fracionada (HNF):
- Mecanismo de Ação: Inibe indiretamente a trombina por atuar como co-fator da antitrombina (AT), aumentando sua atividade e, consequentemente, seu efeito anticoagulante sob a trombina, o fator Xa, e, em menor grau, os fatores XII, XI e IXa.
- Limitações:
- Curta janela terapêutica;
- Relação dose-resposta altamente variável, devido a sua variável biodisponibilidade decorrente da ligação a proteínas plasmáticas, o que requer monitorização laboratorial;
- Menor eficácia em pacientes com doenças agudas, pois muitos dos reagentes inflamatórios de fase aguda são proteínas de ligação à heparina, diminuindo sua biodisponibilidade;
- Incapacidade de inativar a trombina ligada à fibrina, bem como o fator Xa dentro de um trombo, ou seja, um trombo pode continuar a crescer apesar do uso da heparina.
- Monitorização: A resposta anticoagulante de uma dose padrão de HNF varia amplamente entre os pacientes, e não há informações suficientes na literatura que determinem a modificação da dose inicial de acordo com o perfil hemodinâmico do paciente (peso “seco” X peso “molhado”), sendo necessário monitorar a resposta de cada paciente, utilizando-se o tempo de tromboplastina parcial ativada (PTTa) ou os níveis plasmáticos de heparina. As medições devem ser feitas antes da terapia com heparina, quatro a seis horas após seu início, e quatro a seis horas após qualquer alteração de dose. O valor geralmente aceito como alvo de manutenção da terapia com heparina é de 1,5 a 2,5 vezes a média do valor de controlo ou do limite superior do intervalo normal de PTTa.
- PTTa basal alargado: A presença de um PTTa basal alargado torna este teste pouco confiável na monitorização da terapia com heparina não fracionada (HNF), sendo necessária a utilização de testes alternativos de monitorização:
- Dosagem de anti-fator Xa ou dosagem de heparina séricos (não são afetados pela presença do anticoagulante lúpico ou por deficiência de fator de coagulação);
- Se a razão do PTTa é de fato o anticoagulante lúpico, podem ser usados testes de PTTa não sensíveis ao anticoagulante lúpico;
- Alternativamente, podemos utilizar um heparina de baixo peso molecular (HBPM), que não exige monitorização pelo PTTa.
- Monitorizar contagem de plaquetas: Pelo risco de trombocitopenia induzida por heparina, deve-se monitorizar a contagem de plaquetas diariamente a partir do 4º dia de tratamento com HNF, ou a cada dois a três, também a partir do 4º dia, em pacientes em uso de dose profilática, até o 14º dia ou até que a heparina seja interrompida
- Resistência à heparina: Corresponde a pacientes que necessitam de altas doses de heparina para atingir um PTTa no intervalo terapêutico (1,5-2,5) (> 35.000 U/24h, com exclusão do bolus inicial). Causas desse fenômeno incluem o aumento da liberação de heparina, aumento dos níveis de heparina ligada a proteínas plasmáticas, as elevações de fibrinogênio e dos níveis de fator VIII, certos medicamentos (por exemplo, a aprotinina) e a deficiência de antitrombina. Preconiza-se que o ajuste da dosagem de heparina em pacientes com resistência deve ser baseada nos níveis de anti-Xa, em vez do PTTa. Nos casos de deficiência de antitrombina, para a ação da heparina, deve ser administrado concentrado de antitrombina, e monitorado seu nível sérico.
- Administração e Eficácia: A administração de heparina intravenosa é repleta de dificuldades e a prática clínica do uso de uma abordagem de titulação da dose de heparina freqüentemente resulta em terapia inadequada (60% dos pacientes tratados falham em alcançar um PTTa adequado em 24 horas). Mesmo com a criação de protocolos de administração, subdosagem, juntamente com a impossibilidade de obtenção de um PTTa adequado durante as 24 horas iniciais, é ainda um problema, especialmente nos pacientes obesos.
- Complicações
- Sangramento: O manejo da hemorragia em um paciente submetido a heparina depende da localização, gravidade da hemorragia, risco de tromboembolismo venoso recorrente (TEV), e nível do PTTa. Em pacientes com TEV recente e sangramento importante induzido por heparina, deve-se considerar interrupção da anticoagulação e inserção de um filtro de veia cava inferior. Em sangramentos vultuosos, a pronta reversão do efeito da heparina pode ser necessária pelo sulfato de protamina;
- Trombocitopenia induzida por heparina: Complicação bem reconhecida e potencialmente fatal da terapia com heparina, normalmente ocorrendo dentro de 5 a 10 dias após o início da terapia com heparina;
- Necrose cutânea: Pacientes afetados desenvolvem anticorpos heparina-dependentes, mas a maioria não experimenta trombocitopenia;
- Osteoporose: Tem sido relatada em pacientes que receberam heparina não fracionada por mais de seis meses.
Heparina de baixo peso molecular (HBPM):
- Mecanismo de Ação: Assim como a heparina não fracionada, as heparinas de baixo peso (HBPM) inativam o fator Xa. No entanto, diferente daquelas, apresentam menor efeito sobre a trombina, por serem moléculas pequenas e incapazes de formar os complexos inativadores da trombina. Portanto, as HBPM (e fondaparinux) não causam alargamento do PTTa. São, no mínimo, tão eficazes quanto a heparina não fracionada na prevenção e tratamento do tromboembolismo venoso.
- Vantagens
- Maior biodisponibilidade por via subcutânea;
- Duração de efeito anticoagulante prolongado, permitindo 1 a 2 administrações diárias;
- Efeito dose-resposta (atividade anti-Xa) mais previsível e com boa relação ao peso corporal. Sendo necessário seu ajuste apenas em obesos e portadores de insuficiência renal;
- Monitorização laboratorial não é necessária;
- Menor risco de complicações hemorrágicas e imunomediadas (trombocitopenia e necrose cutânea), podem ser administrada com segurança em ambiente ambulatorial (o risco não é nulo!).
- Equivalência: As três HBPM de uso clínico (enoxaparina, dalteparina e tinzaparina) não apresentam equivalência de doses entre si, no entanto, todas são consideradas igualmente potentes, não havendo diferença estabelecida entre estas.
- Sangramento e reversão com protamina: Ao contrário de sua eficácia com heparina não fracionada, a protamina não neutraliza completamente a atividade anti-Xa das HBPM. Ainda assim, pacientes que sofrem de hemorragia por superdosagem de HBPM devem receber sulfato de protamina (1 mg/100 unidades de atividade anti-Xa), o que pode reduzir parcialmente o sangramento clínico. Doses menores podem ser suficientes caso a última dose de HBPM tenha sido administrada há 8 horas ou mais.
Cumarínicos – Antagonistas da Vitamina K:
- A Varfarina é o anticoagulante oral mais usado na prática clínica ambulatorial. Embora amplamente utilizado, seu manejo clínico não é dos mais simples, apresentando estreita janela terapêutica, grande variabilidade na relação dose-resposta e grande interação com outras drogas e alimentação. O conhecimento de suas propriedades farmacológicas, portanto, é fundamental para a correta prescrição médica.
- Mecanismo de Ação: O efeito anticoagulante da varfarina é mediado através da inibição dos fatores de coagulação vitamina K-dependentes (II, VII, IX e X). Este efeito da varfarina resulta na síntese de formas imunologicamente detectáveis porém biologicamente inativas destas proteínas de coagulação. Também inibe as proteínas C e S, que possuem propriedades anticoagulantes. Devido a estes efeitos concorrentes, antagonistas da vitamina K criam um paradoxo bioquímico através da produção de um efeito anticoagulante devido à inibição de pró-coagulantes (fatores II, VII, IX e X) e um efeito potencialmente trombogênico, ao alterar a síntese de inibidores naturais da coagulação (proteínas C e S). C
- Durante os primeiros dias de tratamento com varfarina, o prolongamento do tempo de protrombina reflete principalmente a sua ação sobre a via extrínseca da coagulação, através da depressão do fator VII. Os outros fatores (II, IX e X) mantêm-se relativamente inalterados durante os primeiros dias. Deste modo, o paciente não está completamente anticoagulado com varfarina até que estes outros componentes também sejam reduzidos. Níveis de equilíbrio dos fatores são atingidos cerca de uma semana após o início da terapia. Por esta razão, os anticoagulantes parenterais devem ser utilizados por 4-5 dias enquanto é iniciado o tratamento com varfarina em pacientes com doença trombótica aguda, sendo descontinuados após este período, quando garantido um nível terapêutico de INR (2-3).
- Manejo Terapêutico
- Em idosos, desnutridos, hepatopatas, doentes crônicos: Iniciar tratamento com doses menores (2,5 mg/dia);
- Monitorização: Inicialmente 2 vezes por semana até estabilização do INR dentro da faixa alvo e, a seguir, semanalmente ou quinzenalmente. Após INR mantido e dose estabilizada, monitorizar mensalmente o valor do INR;
- INR alvo: Para a maioria das situações estabelece-se INR alvo como entre 2,0 e 3,0. Em pacientes com síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF) e múltiplos episódios de tromboembolismo prévio, deve-se considerar manter o INR entre 2,5 e 3,5;
- Ajuste de dose: A dose da varfarina deve ser ajustada (aumentada ou diminuída) em 5-20% da dose semanal na dependência do valor do INR.
- Interações
- Interações genéticas: Vários polimorfismos genéticos, principalmente relacionados ao citocromo P450 alteram a biodisponibilidade da varfarina;
- Interações medicamentosas:
- Aumentam o efeito da Varfarina: AINE; álcool; amiodarona; ciprofloxacina; eritromicina; fenitoína; fluconazol; isoniazida; lovastatina; metronidazol; norfloxacino; omeprazol; paracetamol; propafenona; propranolol; tiroxina; sulfametoxazol+trimetoprim;
- Diminuem o efeito da Varfarina: Barbituratos; carbamazepina; colestiramina; rifampicina; sucralfate.
- Aumentam o efeito da Varfarina: AINE; álcool; amiodarona; ciprofloxacina; eritromicina; fenitoína; fluconazol; isoniazida; lovastatina; metronidazol; norfloxacino; omeprazol; paracetamol; propafenona; propranolol; tiroxina; sulfametoxazol+trimetoprim;
- Interações alimentícias:
- Aumentam o efeito da Varfarina: Vitamina E; ginkgo biloba; alho;
- Diminuem o efeito da Varfarina: Abacate; alface; brócolis; chá verde; espinafre; ginseng.
- Interações com tabagismo: Fumantes exigem doses 12% maior do que não fumantes, revelando o aumento da depuração da varfarina em pacientes fumantes.
- Contraindicações
- Alergia à varfarina;
- Aneurisma cerebral;
- Cirurgia ocular ou neurocirurgia recente;
- Diátese hemorrágica ou sangramento ativo;
- Incapacidade de monitorização do INR;
- Gestação;
- Punção venosa em local não compressível.
- Conduta na Superdosagem
- INR 4 – 6: Suspender Varfarina + Dosar INR 24/24h + Retornar Varfarina em doses pequenas quando INR estiver normal;
- INR 6 – 10: Vitamina K 0,5-1mg SC + Dosar INR 8/8h + Repetir Vitamina K 24h após, se necessário ® Se INR normal – recomeçar Varfarina;
- INR 10 – 20: Vitamina K 3-5mg EV + Dosar INR 6/6h + Considerar plasma + Repetir Vitamina K em 12h, se necessário;
- INR < 20 com sinais de sangramento ou > 20: Vitamina K 10 mg IV + Plasma fresco 15 mL/Kg + Dosar INR 6/6h + Repetir Vitamina K em 12h, se necessário.
- Interrupção da anticoagulação antes de procedimentos invasivos
- Pacientes de baixo risco de evento tromboembólico: Suspender varfarina 5 dias antes do procedimento cirúrgico;
- Pacientes de risco moderado a alto de evento tromboembólico: Suspender varfarina 5 dias antes do procedimento cirúrgico e iniciar heparina, de modo a garantir a cobertura de anticoagulação pelo maior período possível. A heparina não-fracionada deve ser suspensa 6 horas antes da cirurgia e a heparina de baixo peso molecular deve ser suspensa 24 horas antes;
- Checagem de INR: Checar INR antes da cirurgia, que deve estar abaixo de 1,5 (1,2 para procedimentos neurocirúrgicos);
- Reinicio da anticoagulação pós-procedimento: A anticoagulação deve ser reiniciada 24 horas após o término do procedimento, salvo quando o risco de sangramento seja alto, sendo preconizado nesta situação apenas iniciar dose profilática;
- Necessidade de cirurgia de urgência: Utilizar plasma fresco congelado 8 mL/kg no pré-operatório para reverter anticoagulação e garantir maior segurança do procedimento.
Novos anticoagulantes orais:
- Dabigatrana (Pradaxa®): É um inibidor de direto de trombina de uso oral.
- Interações Medicamentosas: Não interage com o citocromo P450, no entanto não está imune a interações medicamentosas. Algumas drogas como rifampicina, quinidina, cetoconazol, verapamil e amiodarona alteram a biodisponibilidade da droga, e, devido a sua interação pouco previsível, deve-se evitar o uso concomitante com essas drogas;
- Indicações: Prevenção e tratamento do tromboembolismo venoso; fibrilação atrial permanente não valvar;
- Contraindicações: ClCr < 30 mL/min (insuficiência renal grave);
- Monitorização: Por apresentar farmacocinética previsível, monitoramento de rotina de coagulação não é necessário;
- Reversão da atividade anticoagulante: Sua principal limitação é a ausência de um antídoto capaz de reverter o estado de anticoagulação diante de um quadro de sangramento agudo. A descontinuação da droga, no entanto, parece ser suficiente para controlar hemorragias na maioria dos ambientes clínicos;
- Eventos hemorrágicos e trombóticos: Preocupações têm sido levantadas sobre a segurança do dabigatran em termos de sangramento e eventos trombóticos. Foram relatados eventos hemorrágicos em pacientes com mais de 80 anos e portadores de doença renal, assim como aumento do risco de eventos trombóticos em pacientes com múltiplos fatores de risco para síndrome coronariana aguda e infarto agudo do miocárdio. Seu uso, portanto, deve ser cauteloso nesses pacientes.
- Rivaroxabana (Xarelto®): É um inibidor direto do fator Xa de uso oral.
- Interações Medicamentosas: Algumas drogas como cetoconazol, itraconazol, voriconazol, rifamicinas e carbamazepina alteram a biodisponibilidade da droga, e, devido a sua interação pouco previsível, deve-se evitar o uso concomitante com essas drogas;
- Indicações: Prevenção e tratamento do tromboembolismo venoso; fibrilação atrial permanente não valvar;
- Contraindicações: ClCr < 30 mL/min (insuficiência renal grave); insuficiência hepática (Child B e C); < 18 anos (falta de estudos); gestação e amamentação;
- Monitorização: Por apresentar farmacocinética previsível, monitoramento de rotina de coagulação não é necessário;
- Reversão da atividade anticoagulante: Sua principal limitação é a ausência de um antídoto capaz de reverter o estado de anticoagulação diante de um quadro de sangramento agudo. A descontinuação da droga, no entanto, parece ser suficiente para controlar hemorragias na maioria dos ambientes clínicos;
- Eventos hemorrágicos: Em casos de eventos hemorrágicos, a descontinuação da droga deve ser imediata e podem ser utilizados complexos de protrombina ativada para reverter os quadros graves com risco de vida.
- Apixabana (Eliquis®): É um inibidor direto do fator Xa de uso oral.
- Indicações: Prevenção e tratamento do tromboembolismo venoso; fibrilação atrial permanente não valvar;
- Contraindicações: ClCr < 30 mL/min (insuficiência renal grave); insuficiência hepática (Child B e C); < 18 anos (falta de estudos); gestação e amamentação;
- Monitorização: Por apresentar farmacocinética previsível, monitoramento de rotina de coagulação não é necessário;
- Reversão da atividade anticoagulante: Sua principal limitação é a ausência de um antídoto capaz de reverter o estado de anticoagulação diante de um quadro de sangramento agudo. A descontinuação da droga, no entanto, parece ser suficiente para controlar hemorragias na maioria dos ambientes clínicos;
- Eventos hemorrágicos: Em casos de eventos hemorrágicos, a descontinuação da droga deve ser imediata e podem ser utilizados complexos de protrombina ativada para reverter os quadros graves com risco de vida.
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