Protocolo de Morte Encefálica: conheça os conceitos e saiba aplicar

Na sessão de conteúdos compartilhados do Whitebook, apresentamos o Protocolo de Morte Encefálica. A abordagem deste tema é igualmente importante e delicado.

 

Nesta semana, na sessão de conteúdos compartilhados do Whitebook Clinical Decision, apresentamos o Protocolo de Morte Encefálica. Conheça todos os conceitos e saiba como aplicá-los.  

A abordagem deste tema é igualmente importante e delicada, e deve ser feito com muita atenção, cuidado e obediência aos protocolos. A detecção da morte encefálica pode ajudar a diminuir o sofrimento da família que, na maior parte das vezes, se desgasta com as intercorrências do paciente com internação prolongada. Ao mesmo tempo, após o diagnóstico da morte encefálica, pode-se considerar a doação de órgãos, trazendo esperança para aqueles que sofrem nas longas filas de espera. 

Morte Encefálica (ME): é estabelecida pela perda definitiva e irreversível das funções do encéfalo por causa conhecida, comprovada e capaz de provocar o quadro clínico. O diagnóstico de ME é de certeza absoluta. Qualquer dúvida na determinação de ME impossibilita esse diagnóstico. 

Os procedimentos para determinação da ME deverão ser realizados em todos os pacientes em coma não perceptivo e apneia, independentemente da condição de doador ou não de órgãos e tecidos. 

Protocolo de Morte Encefálica

Primeira etapa

Para o diagnóstico de ME, é essencial que todas as condições a seguir sejam observadas.

1. Pré-requisitos:

  • Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar a ME;
  • Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de ME;
  • Tratamento e observação em ambiente hospitalar pelo período mínimo de 6 horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas;
  • Temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) > 35°C, saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão arterial sistólica ≥ a 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ a 65 mmHg para adultos.

2. Dois exames clínicos: Para confirmar a presença do coma e a ausência de função do tronco encefálico em todos os seus níveis, com intervalo mínimo de 1 hora em pacientes com idade > 2 anos.

3. Teste de apneia: Para confirmar a ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios em presença de PaCO2 > 55 mmHg.

4. Exames complementares: Para confirmar a ausência de atividade encefálica, caracterizada pela falta de perfusão sanguínea encefálica, de atividade metabólica encefálica ou de atividade elétrica encefálica.

Segunda etapa

1. Distúrbio hidroeletrolítico, acidobásico/endócrino e intoxicação exógena graves: Atenção! A hipernatremia grave refratária ao tratamento não inviabiliza determinação de ME, exceto quando é a única causa do coma.

2. Hipotermia: Temperatura retal, vesical ou esofagiana < 35°C.

3. Fármacos com ação depressora do sistema nervoso central (FDSNC): Fenobarbital, Clonidina, Dexmedetomidina, Morfina e outros, além de bloqueadores neuromusculares (BNM).

4. Nas condições anteriormente citadas, deverá ser dada preferência a exames complementares que avaliam o fluxo sanguíneo cerebral, pois o EEG sofre significativa influência desses agentes nessas situações.

Primeiro exame clínico

Coma não perceptivo: Estado de inconsciência permanente com ausência de resposta motora supraespinhal a qualquer estimulação, particularmente dolorosa intensa em região supraorbitária, trapézio e leito ungueal dos quatro membros. A presença de atitude de descerebração ou decorticação invalida o diagnóstico de ME.

Poderão ser observados reflexos tendinosos profundos, movimentos de membros, atitude em opistótono ou flexão do tronco, adução/elevação de ombros, sudorese, rubor ou taquicardia, ocorrendo espontaneamente ou durante a estimulação. A presença desses sinais clínicos significa apenas a persistência de atividade medular e não invalida a determinação de ME.

Ausências de reflexos de tronco cerebral:

  1. Ausência do reflexo fotomotor: As pupilas deverão estar fixas e sem resposta à estimulação luminosa intensa (lanterna), podendo ter contorno irregular, diâmetros variáveis ou assimétricos.
  2. Ausência de reflexo córneo-palpebral: Ausência de resposta de piscamento à estimulação direta do canto lateral inferior da córnea com gotejamento de soro fisiológico gelado ou algodão embebido em soro fisiológico ou água destilada.
  3. Ausência do reflexo oculocefálico: Ausência de desvio do(s) olho(s) durante a movimentação rápida da cabeça nos sentidos lateral e vertical. Não realizar em pacientes com lesão de coluna cervical suspeitada ou confirmada.
  4. Ausência do reflexo vestíbulo-calórico: Ausência de desvio do(s) olho(s) durante um minuto de observação, após irrigação do conduto auditivo externo com 50-100 mL de água fria (± 5oC), com a cabeça colocada em posição supina e a 30o. O intervalo mínimo do exame entre ambos os lados deve ser de 3 minutos. Realizar otoscopia prévia para constatar a ausência de perfuração timpânica ou oclusão do conduto auditivo externo por cerume.
  5. Ausência do reflexo de tosse: Ausência de tosse ou bradicardia reflexa à estimulação traqueal com uma cânula de aspiração.
  6. Ausência de movimentos respiratórios no teste de apneia: Teste de apneia – médico à beira do leito:
    • Manter a PaO2 > 100 mmHg e pCO2 40-45 mmHg (ventilar com FiO2 100% assistido por, aproximadamente, 10 minutos) na primeira gasometria;
    • Desconectar o circuito do respirador, mantendo uma cânula de O2 na topografia da carina com fluxo 6 L/min;
    • Observar movimentos respiratórios por até 10 minutos;
    • O teste deverá ser interrompido se PA sistólica < 90 mmHG, Sat < 85% ou desenvolver alguma arritmia.

Pacientes que não toleram o cateter a 6 L podem ser submetidos à colocação de um tubo T e adaptação ao CPAP com pressão de 10 cm/H2O e fluxo de 12 L/minuto.

Interrupção do teste: Caso ocorra hipotensão (PA sistólica < 100 mmHg ou PA média < que 65 mmHg), hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, deverá ser colhida uma gasometria arterial e reconectado o respirador, interrompendo-se o teste. Se o PaCO2 final < 56 mmHg, após a melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o teste.

Teste positivo (presença de apneia): PaCO2 final > 55 mmHg, sem movimentos respiratórios, mesmo que o teste tenha sido interrompido antes dos 10 minutos previstos.

Teste inconclusivo: PaCO2 final < 56 mmHg, sem movimentos respiratórios.

Teste negativo (ausência de apneia): Presença de movimentos respiratórios, mesmo débeis, com qualquer valor de PaCO2.

Atentar para o fato de que, em pacientes magros ou crianças, os batimentos cardíacos podem mimetizar movimentos respiratórios débeis.

Segundo exame clínico

Será utilizada a mesma técnica do primeiro exame. Não é necessário repetir o teste de apneia quando o resultado do primeiro teste for positivo. O intervalo mínimo de tempo a ser observado entre o primeiro e o segundo exames clínicos é de 1 hora nos pacientes com idade ≥ 2 anos de idade.

Observações

Observações práticas sobre o protocolo:

  • Distúrbios metabólicos iniciados após o diagnóstico de coma não interferem no protocolo;
  • Não há evidências na literatura sobre alterações (como sódio, fósforo, cálcio, glicose, distúrbios hidroeletrolíticos e disfunção renal) abolarem os reflexos de tronco encefálico.

Sobre o uso prévio de drogas sedativas:

  • Esperar 4-5 meias-vidas da droga depressora para firmar o diagnóstico (caso tenha sido realizada infusão contínua em dose terapêutica);
  • Pacientes em uso prévio de drogas depressoras, preferir métodos de avaliação de fluxo no SNC: Doppler e arteriografia.
  • Eletroencefalograma deve ser evitado em casos de: utilização de drogas depressoras, hipotermia induzida, desordem metabólica, desordens dos mecanismos de excreção de drogas do SNC.

Principais drogas e meia-vida:

  • Midazolam: 2 horas;
  • Fentanila: 2 horas;
  • Etomidato: 3 horas;
  • Propofol: 2 horas;
  • Ketamina: 2 horas e 30 minutos;
  • Pancurônio: 2 horas;
  • Tiopental: 12 horas.

Exame complementar

Além da confirmação do diagnóstico clínico, um exame complementar que comprove a ausência de atividade encefálica deve ser realizado. Na prática, são usados três métodos para confirmação:

  • Eletroencefalograma: Ausência de atividade elétrica > 2 microV, por um mínimo de 30 minutos;
  • Doppler transcraniano: Ausência de fluxo nos vasos cerebrais, em pacientes previamente insonados; fluxo diastólico reverso ou picos sistólicos isolados nos principais vasos do encéfalo;
  • Arteriografia cerebral: Ausência de fluxo sanguíneo na entrada do cérebro dos quatro vasos em 20 segundos; parada circulatória no polígono de Willis; enchimento lento > 15 segundos do seio longitudinal superior.

Conclusão: A constatação do óbito se dá no momento da conclusão do protocolo, o que pode ser após a segunda avaliação clínica, ou após exame complementar (prevalece aquele que for realizado por último).

Após constatada a ME, deve-se:

  • Comunicar à família do paciente – sem falar sobre transplante de órgãos;
  • Notificar às centrais nacional e estaduais de transplante (CNT e CETs), e considerar o protocolo, se indicado;
  • Enviar uma cópia da declaração ao órgão controlador estadual (CET);
  • Registrar todos os passos do protocolo na folha de evolução e na folha padronizada (que deve ser assinada pelos dois médicos que constataram exame clínico de ME);
  • Caso o paciente seja doador, a função cardiorrespiratória deve ser mantida através de suporte por aparelhos e medicações para manter a viabilidade dos órgãos e tecidos.
    O fluxograma de quem deve preencher a declaração de óbito deve ser mantido normalmente:

  • Causa natural conhecida: médico assistente/plantonista;
  • Sem assistência médica/causa desconhecida: SVO;
  • Causa externa: IML.
Consentimento para doação de órgãos: É necessário o consentimento por escrito da família, não sendo necessário nenhum registro por escrito da parte do paciente falecido. A entrevista para obtenção do consentimento familiar deve ser clara e objetiva, e pode ser realizada pelo médico assistente, do CTI ou pelos membros da equipe de captação.

É adequado, diante da constatação da ME em não doador, suspender os procedimentos de suportes terapêuticos. O cumprimento dessa decisão deve ser precedida de comunicação e esclarecimento (pelo médico assistente ou seu substituto) sobre a ME aos familiares ou representantes, com registro adequado no prontuário. Nesse caso, a data e hora registradas na declaração de óbito devem ser as mesmas da determinação de morte encefálica.

Após o primeiro exame ser conclusivo para ME, comunicar à comissão de transplante do hospital/região. Após a confirmação por outro profissional, comunicar à família a confirmação diagnóstica.

Morte encefálica: como falar com as famílias?

Este conteúdo foi desenvolvido por médicos, com objetivo de orientar médicos, estudantes de medicina e profissionais de saúde em seu dia-a-dia profissional. Ele não deve ser utilizado por pessoas que não estejam nestes grupos citados, bem como suas condutas servem como orientações para tomadas de decisão por escolha médica. Para saber mais, recomendamos a leitura dos termos de uso dos nossos produtos.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Resolução CFM 2.173/2017.

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