PVM: veja como evitar tromboembolismo em portadores da prótese valvar

O indivíduo ideal para usar prótese valvar metálica (PVM) é aquele com< 50 anos e sem outras morbidades. Esta população apresenta um risco mais baixo de sangramento.

Tempo de leitura: [rt_reading_time] minutos.

O indivíduo ideal para fazer uso de uma prótese valvar metálica (PVM) é aquele com idade < 50 anos e sem outras morbidades. Esta população mais jovem em geral apresenta um risco mais baixo de sangramento, pois tem uma vida ativa, e muitos realizam ou desejam realizar atividade física, incluindo esportes competitivos. A droga de escolha para prevenção de eventos tromboembólicos em portadores de prótese valvar metálica (aórtica ou mitral) são os antagonistas da vitamina K (AVK), comumente a varfarina. Como exemplo, temos o último Guideline Europeu (2017), com nível de evidência IB.

Importante lembrar do INR alvo que deve variar a depender da posição das próteses e dos fatores de risco associados (variando de um valor médio de 2,5 para prótese aórtica isolada e sem outros fatores de risco, para um valor médio de 3,5 nos pacientes com prótese em posição mitral ou tricúspide, ou que tenham fibrilação atrial ou evento embólico prévio). Infelizmente, os AVK apresentam várias limitações clínicas: interação medicamentosa e alimentar, variabilidade individual na dose-resposta, janela terapêutica estreita, necessidade de monitorização regular do efeito anticoagulante, dentre outros.

Leia mais: Trombose venosa profunda: qual benefício no uso de meias compressivas?

Em todas as diretrizes, consta a contra-indicação absoluta para o uso dos Novos Anticoagulantes Orais (NOACS) em portadores de PVM. Devido ao risco trombogênico das próteses, alguns guidelines recomendam ainda o uso associado do AAS. Mesmo com uso adequado desta terapia, existe uma elevada incidência de eventos tromboembólicos neste grupo de pacientes: 1-4% ao ano.

De acordo com o tipo de PVM, ball cage, tilting disk e bileaflet, temos o seguinte risco 2,5%, 0,7% e 0,5% ao ano, respectivamente. Isto mostra um grande avanço tecnológico na composição e hemodinâmica das próteses, levando-se a uma redução progressiva na trombogenicidade destas. O risco de sangramento também é expressivo, em torno de 2-9% ao ano. Isto pode ser justificado pela grande complexidade no manejo do uso dos AVKs devido à complicada farmacocinética e farmacodinâmica.

O estudo RE-ALIGN (Dabigatran versus Warfarin in Patients with Mechanical Heart Valves) foi um ensaio multicêntrico, randomizado de fase II aberto que testou doses diferentes de dabigatrana (150 mg, 220 mg e 300 mg, todas ministradas duas vezes ao dia) em duas coortes de pacientes com PMEC: população de pacientes com cirurgia de troca valvar aórtica ou mitral nos últimos sete dias ou àqueles com cirurgia há mais de três meses.

A randomização foi feita na razão de 2:1 (dabigatrana/varfarina). A dose da dabigatrana foi escolhida de acordo com a função renal [Clearance de creatinina (ClCr) < 70 mL/min – 150 mg 2x/dia; ClCr 70-110 mL/min – 220 mg 2x/dia e ClCr > 110 ml/min – 300 mg 2/dia). Os pacientes ajustavam a dose de varfarina de acordo com a posição da PMEC (aórtica INR 2,0-3,0 e mitral 2,5-3,5).

Entretanto, o estudo foi interrompido de forma prematura devido a um excesso de eventos tromboembólicos e sangramentos no grupo dabigatrana após a inclusão de 252 pacientes, sendo 168 no grupo dabigatrana e 84 no grupo da varfarina. 32% dos pacientes no grupo dabigatrana necessitaram de ajuste de dose ou suspensão desta. Ocorreu um total de nove (5%) acidentes vasculares cerebrais isquêmicos no grupo dabigatrana contra nenhum no grupo varfarina e 4% de sangramentos maiores no grupo dabigatrana, contra 2% no grupo controle.

Apesar destes resultados desanimadores e alarmantes (motivado a contra-indicação absoluta expressa nos guidelines), ao se analisar de maneira minuciosa o estudo RE-ALIGN, observa-se que os eventos clínicos duros ocorridos (morte, avc, embolia sistêmica, sangramento maior) aconteceram exclusivamente no subgrupo de pacientes que estavam entre sete dias e três meses de pós-operatório (população A).

Já em relação à rivaroxabana (inibidor do Fator Xa) que tem um mecanismo de ação diferente do dabigatran (este é inibidor direto da trombina), há estudos pre-clínicos que demonstram sucesso na prevenção de eventos tromboembólicos em prótese mecânicas. Recentemente, nosso grupo de pesquisa publicou um estudo piloto em sete pacientes com seguimento de três meses comparando o uso da varfarina com a rivaroxabana, em um modelo antes e depois, tendo desfechos similares entre as duas drogas. Esta foi a primeira experiência mundial em humanos com uso da rivaroxabana em portadores de prótese metálica (todos na posição mitral), sem uso associado de antiplaquetários, utilizando-se um método de elevada acurácia na busca de trombose valvar (ecocardiograma transesofágico).

Há pelo meno duas justificativas para a superioridade dos inibidores do fator Xa em detrimento dos inibidores diretos da trombina em pacientes com PVM:

  • As PVM ativam a via intrínseca. Os inibidores fator Xa inibem a trombina numa proporção de 1000:1 , enquanto drogas como o dabigatran inibem numa proporção 1:1;
  • NOACS em dose alta são superiores em reduzir eventos tromboembólicos e sangramento intracraniano em relação à varfarina em portadores de fibrilação atrial e doença valvar cardíaca;

Somando-se a isto, atualmente estamos conduzindo um ensaio clínico randomizado comparando-se a varfarina com a rivaroxabana em portadores de prótese valvar metálica.

Após o término deste estudo, caso os resultados indiquem indícios de eficácia e segurança em portadores de PVM, será possível que surjam ensaios clínicos multicêntricos para permitir aos portadores desta prótese os benefícios com uso dos NOACS, em particular, dos inibidores do FXa, incluindo a não necessidade de monitorização do nível anticoagulante, a não restrição de alimentos, e as limitadas interações medicamentosas, ofertando um nível superior de qualidade de vida e bem estar aos pacientes.

É médico e também quer ser colunista do Portal da PEBMED? Inscreva-se aqui!

Referências:

  • Seiler C. Management and follow-up of prosthetic heart valves. Heart. 2004;90:818-24.
  • Connolly SJ, Ezekowitz MD, Yusuf S, Eikelboom J, Oldgren J, Parekh A, et al. Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med 2009;361:1139-51. Erratum in: N Engl J Med. 2010;363:1877.
  • Eikelboom JW, Connolly SJ, Brueckmann M et al. Dabigatran versus warfarin in patients with mechanical heart valves. N Engl J Med. 2013;369(13):1206-14.
  • Kaeberich A, Reindl I, Raaz U, et al. Comparison of unfractionated heparin, low-molecular-weight heparin, low-dose and high-dose rivaroxaban in preventing thrombus formation on mechanical heart valves: results of an in vitro study.J Thromb Thrombolysis 2011;32:417-425.
  • Cannegieter SC, Rosendaal FR, Brie¨t E (1994) Thromboembolic and bleeding complications in patients with mechanical heart valve prostheses. Circulation 89:635–641
  • Cortelazzo S, Finazzi G, Viero P, Galli M, Remuzzi A, Parenzan L, Barbui T (1993) Thrombotic and hemorrhagic complications in patients with mechanical heart valve prosthesis attending an anticoagulation clinic. Thromb Heamost 69:316–320
  • Patel MR, Mahaffey KW, Garg J, et al. Dabigatran versus Warfarin in Nonvalvular Atrial Fibrillation. N Engl J Med 2011; 365:883-891.
  • Stein PD, Alpert JS, Bussey HI, Dalen JE, Turpie AG. Antithrombotic therapy in patient with mechanical and biological prosthetic heart valves. Chest. 2001;119(1 Suppl):220S-7S.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.

Especialidades