Quais as consequências cardiovasculares da Lesão Renal Aguda?

A lesão renal aguda está associada a um risco aumentado de doença renal crônica e também tem efeitos adversos em outros órgãos, incluindo o coração.

A lesão renal aguda está associada a um risco aumentado de doença renal crônica e também tem efeitos adversos em outros órgãos, incluindo o coração. E os efeitos cardiovasculares se dão tanto a curto, quanto a longo prazo.

Uma meta-análise de 2017 mostrou que a LRA estava associada a um aumento de 86% no risco de morte por causas cardiovasculares durante um acompanhamento médio de 1,4 anos.

As interações entre doenças cardíacas e renais foram classificadas como síndromes cardiorrenais. A classificação atual inclui cinco tipos delas: insuficiência cardíaca aguda levando à lesão renal aguda (tipo 1); insuficiência cardíaca crônica levando à insuficiência renal (tipo 2); lesão renal aguda levando à insuficiência cardíaca (tipo 3); doença renal crônica levando ao comprometimento cardíaco (tipo 4); e condições sistêmicas que levam ao comprometimento cardíaco e renal (tipo 5).

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Nessa revisão, falaremos da síndrome tipo 3: LRA levando à insuficiência cardíaca.

Epidemiologia

Uma metanálise de 2017 com pacientes com LRA mostrou que esta patologia esteve associada a um aumento de 86% de mortalidade por causas cardiovasculares em 1,4 anos. Houve um aumento de 58% no risco de desenvolvimento de IC em 2,9 anos; 40% no risco de SCA em 2,3 anos; 15% no risco de AVC em 2,7 anos. E o aumento desse risco relativo não diferiu entre os pacientes com ou sem doença renal crônica, entre aqueles que se recuperaram ou não da LRA.

Essa associação sugere que o aumento do risco cardiovascular a longo prazo está relacionado a LRA propriamente dita, e não somente com o risco de doença renal em estágio final.

Fisiopatologia

Os processos fisiopatológicos que levam às alterações cardiovasculares após LRA ainda não são completamente compreendidos. Contudo, sabemos que os mais proeminentes estão relacionados à inflamação cardíaca, fibrose cardíaca, ativação neuro-hormonal e distúrbios eletrolíticos.

Vários biomarcadores que estão elevados após LRA têm sido associados com aumento do risco de eventos cardiovasculares. É provável que esses biomarcadores desempenhem uma função no desenvolvimento da lesão cardíaca. Dentre eles, destacam-se: NGAL, IGF-BP7, KIM-1.

A indução do sistema renina-angiotensina-aldosterona é uma marca registrada da resposta cardiovascular à lesão renal aguda e parece desencadear uma resposta imune cardíaca e fibrose subsequente. A angiotensina II é reconhecida há muito tempo como um fator que medeia a hipertrofia cardíaca e disfunção cardíaca, além de levar à infiltração de macrófagos e fibrose miocárdica.

A ativação do sistema nervoso simpático renal também contribui para lesão cardíaca após a lesão renal aguda, levando à disfunção endotelial e fibrose cardíaca, além de disfunção ventricular.

Por fim, há a contribuição dos distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos. A hipercalemia induz distúrbios eletrofisiológicos no miócito, favorecendo a ocorrência de arritmias. E a acidose metabólica acarreta alterações da contratilidade cardíaca.

Diagnóstico

Pacientes com LRA frequentemente se apresentam com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, mas o diagnóstico pode ser um desafio nesses pacientes, uma vez que os sintomas geralmente são inespecíficos.

Biomarcadores e exames de imagem são frequentemente usados para auxiliar no diagnóstico e orientar as decisões de tratamento e monitorar a resposta à terapia.

Nesse contexto, são de fundamental importância o ecocardiograma e os peptídeos natriuréticos (BNP e pró-BNP).

É importante ter em mente que o clearance renal dos peptídeos natriuréticos pode variar de 15 a 60%. Portanto, pode haver resultados falso positivos e falso negativos na LRA.

Apesar da importância clínica da LRA, o diagnóstico é retardado em até 25% dos casos em países desenvolvidos e em até 75% dos casos em países em desenvolvimento, o que leva a uma alta taxa de sequelas cardiovasculares.

A identificação da LRA com o uso de algoritmos de inteligência artificial ou medição de biomarcadores sensíveis (como a medição combinada do inibidor tecidual da matriz de metaloproteinase 2 e IGF-BP7 ou medição de NGAL ou proencefalina) facilitam a detecção precoce.

Os altos níveis dos biomarcadores que sugerem lesão renal aguda de pacientes que estiveram internados em UTI estão associados a um risco aumentado de mortalidade em 1 ano. Assim, sugere-se que o uso de biomarcadores para identificar precocemente pacientes que provavelmente se beneficiarão de estratégias preventivas renais seria importante.

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Perspectivas terapêuticas

A sobrecarga hídrica é uma das alterações que ocorre na LRA e que está associada a piores desfechos. Ela leva a aumento da pressão hidrostática capilar e edema pulmonar.

Os mecanismos envolvidos com o edema pulmonar são: lesão pulmonar direta por aumento da permeabilidade capilar pulmonar e aumento da pressão hidrostática capilar devido ao aumento da pressão de enchimento cardíaco.

Nesse contexto, o diagnóstico e as medidas terapêuticas devem ser guiados pela combinação de exame clínico e dosagem dos biomarcadores plasmáticos, além dos exames de imagem. Em casos mais complexos, pode ser necessário um cateterismo cardíaco invasivo para identificar os mecanismos do edema pulmonar.

Diuréticos ou técnicas de ultrafiltração demonstraram ser úteis no controle do balanço hídrico. As indicações estabelecidas para terapia de substituição renal são a sobrecarga grave de fluido que não é controlado com diuréticos ou hipercalemia grave. Mas o uso precoce da terapia renal substitutiva falhou em mostrar melhora dos desfechos dos pacientes críticos.

O estresse circulatório induzido pela hemodiálise e a redução da perfusão renal têm demonstrado estarem associados a episódios repetidos de isquemia miocárdica e atordoamento do miocárdio.

Para pacientes que recebem terapia renal substitutiva, o uso de níveis mais altos de sódio dialisado, menor temperatura e taxas de ultrafiltração individualizadas têm sido utilizadas para melhorar a tolerância hemodinâmica à hemodiálise. Entretanto, com baixa evidência.

A utilização dos inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona está associada a melhores desfechos em pacientes em recuperação da LRA.

Um estudo observacional mostrou que a prescrição de IECA ou BRA na alta hospitalar reduziu a mortalidade dos pacientes com LRA em até 1 ano.

É provável que, reduzindo a ativação desse sistema, haja também uma melhora dos resultados a longo prazo.

Mensagem final

A LRA é reconhecidamente um fator de risco para eventos cardiovasculares, em especial a insuficiência cardíaca. Os prováveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos são: lesão mitocondrial, inflamação, apoptose e fibrose.

A utilização dos inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona podem estar associados a melhor prognóstico em pacientes em processo de recuperação da LRA. Contudo, ensaios clínicos randomizados são necessários para investigação de melhores estratégias terapêuticas.

É fundamental que os profissionais de saúde mantenham alto grau de suspeição da LRA. Desse modo, visando diagnóstico precoce e a tomada de medidas apropriadas que melhorem os desfechos.

Referências bibliográficas:

  • Legrand M, Rossignol P. Cardiovascular Consequences of Acute Kidney Injury. N Engl J Med, 2020;382:2238-47.

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