Quais cuidados você precisa ter ao ler um estudo de não inferioridade?

Você realmente sabe analisar os resultados de um estudo de não inferioridade? Estudos de não inferioridade devem ser lidos com cautela.

Recentemente foi publicado o estudo Pneumonia Short Treatment trial no jornal Lancet, demonstrando a não inferioridade do tratamento da pneumonia adquirida na comunidade com betalactâmico por 3 dias, em comparação ao tratamento por 8 dias. Mas você realmente sabe analisar os resultados de um estudo de não inferioridade? Se você ainda não leu esse trabalho, aproveite para ler nosso artigo sobre ele, para ilustrar o que vamos discutir a seguir.

Quais cuidados você precisa ter ao ler um estudo de não inferioridade?

Diferenças dos tipos de estudos

Em estudos randomizados controlados (RCT) existem dois tipos principais de desenho, os estudos de superioridade e os de não inferioridade. 

Estudos de superioridade, o tipo mais comum de RCT atualmente, permitem a análise de benefício, malefício, ou ausência de efeito (hipótese nula confirmada) da intervenção. São chamados de estudos bicaudados por permitirem a ocorrência de ambos resultados. Nesse tipo de estudo, confirmar a hipótese nula não significa dizer que os tratamentos são equivalentes. Você provavelmente já ouviu a frase: “ausência de evidência de diferença não é evidência confiável de que não há diferença”. Mas esse tipo de estudo não será o foco da discussão hoje. 

Não inferioridade

Estudos de não inferioridade, como o trabalho em questão, são diferentes e devem ser lidos com cautela. O primeiro cuidado é avaliar a margem de não inferioridade escolhida. Por exemplo, no estudo Pneumonia Short Treatment trial foi escolhida uma margem de 10%.

Escolher uma margem de não inferioridade de 10% significa dizer que “aceitamos” que a intervenção seja tão efetiva, ou até 10% pior, do que o grupo controle. O estudo será considerado “positivo” (não inferioridade confirmada), ainda que o desfecho seja pior com o novo tratamento, desde que o resultado fique dentro dessa margem de não inferioridade estabelecida pelos autores. 

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Quanto menor a margem de não inferioridade escolhida, mais podemos confiar na eficácia da intervenção, em comparação ao tratamento padrão. Isso porque a avaliação dos resultados do tratamento alternativo será mais rígida. 

Comumente essa margem é escolhida de forma arbitrária, mas nem sempre ao acaso. Estudos de não inferioridade precisam de um grande tamanho amostral (em função de seu caráter unicaudal) muito maior do que os estudos de superioridade. O tamanho da amostra é tanto maior quanto menor for a margem de não inferioridade. Assim, às vezes observamos margens de não inferioridade grandes, o que reduz o tamanho da amostra necessária, porém compromete a confiabilidade dos achados. 

Outro ponto importante que distingue os estudos de superioridade e os de não inferioridade é o tipo de análise dos dados. Estudos de superioridade devem ser interpretados preferencialmente por intenção de tratar (intention to treat – ITT), pois isso garante a validade externa dos achados, frente a um contexto onde a aderência ao tratamento é sempre uma variável a ser considerada. 

Além da análise por ITT, existe a análise per protocol, que analisa somente os dados de pacientes que seguiram corretamente a intervenção proposta, até o final do estudo. A análise per protocol facilita a demonstração de diferença entre dois tratamentos, no entanto reduz a validade externa dos resultados. 

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Na apresentação de dados de um estudo de não inferioridade a análise por ITT é inadequada, pois reduz a diferença entre os grupos, facilitando que seja demonstrada a não inferioridade, ainda que ela não seja verdadeira. Assim, nesse tipo de estudo a análise per protocol torna mais rígida a avaliação de não inferioridade. A forma mais adequada de publicar um estudo de não inferioridade é realizar e informar ambas análises, ITT e per protocol. A evidência de não inferioridade entre os tratamentos será maior se ambas análises obtiveram resultados concordantes. 

Então, na próxima vez em que for ler um trabalho de não inferioridade, não se esqueça desses importantes pontos. Para detalhes adicionais, leia as referências abaixo. 

Referências bibliográficas:

  • Dinh A, Ropers J, Duran C, Davido B, Deconinck L, Matt M, Senard O, Lagrange A, Makhloufi S, Mellon G, de Lastours V, Bouchand F, Mathieu E, Kahn JE, Rouveix E, Grenet J, Dumoulin J, Chinet T, Pépin M, Delcey V, Diamantis S, Benhamou D, Vitrat V, Dombret MC, Renaud B, Perronne C, Claessens YE, Labarère J, Bedos JP, Aegerter P, Crémieux AC; Pneumonia Short Treatment (PTC) Study Group. Discontinuing β-lactam treatment after 3 days for patients with community-acquired pneumonia in non-critical care wards (PTC): a double-blind, randomised, placebo-controlled, non-inferiority trial. Lancet. 2021 Mar 27;397(10280):1195-1203. doi: 10.1016/S0140-6736(21)00313-5.
  • Altman DG, Bland JM. Absence of evidence is not evidence of absence. BMJ. 1995 Aug 19;311(7003):485. doi: 10.1136/bmj.311.7003.485
  • Kaji AH, Lewis RJ. Noninferiority Trials: Is a New Treatment Almost as Effective as Another? JAMA. 2015 Jun 16;313(23):2371-2. doi: 10.1001/jama.2015.6645

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