Qual a dose ideal de corticoide inalatório para DPOC?

Ensaios têm demonstrado benefício para portadores de DPOC com uso de corticoide inalatório, anticolinérgico e β-agonista de longa ação.

O estudo se encontra em contexto de evolução no entendimento do tratamento da DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica). Recentes ensaios clínicos, como IMPACT trial, Fulfil, Tribute, têm demonstrado benefício importante para portadores de DPOC moderada a grave com emprego simultâneo de três classes farmacológicas: corticoide inalatório (ICS), anticolinérgico (LAMA) e β-agonista de longa ação (LABA), chamada terapia tripla (TT). Aqui, a TT aumentou a função pulmonar, qualidade de vida e reduziu o risco de exacerbações e até mesmo mortalidade quando comparada às terapias duplas. Consequentemente, foram lançados no Brasil produtos com as três classes em um único dispositivo, em dose única ou duas vezes ao dia para portadores de DPOC sintomáticos ou com histórico de exacerbações em uso de ICS+LABA ou LABA+LAMA.

Leia também: Atualização nos aspectos clínicos da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

Médico trata de paciente com DPOC usando corticoide inalatório

Objetivo do estudo

A busca pela segurança com menores doses de ICS mantendo eficácia no tratamento da DPOC é o principal racional do estudo Ethos. A adição de corticoide inalatório à dupla broncodilatação tem demonstrado significante redução de exacerbações, qualidade de vida, função pulmonar e mortalidade por todas as causas, porém com aumento do risco de pneumonia. Dentro do tratamento da DPOC, entende-se cada vez mais a importância da identificação do perfil de paciente que se beneficia da terapia.

Método

Ethos é um ensaio clínico fase 3 randomizado de 52 semanas, duplo cego patrocinado pela farmacêutica AstraZeneca. A população incluída deveria ser portadora de DPOC, 40-80 anos de idade com carga tabágica > 10 anos, sintomática (CAT ≥ 10) apesar do uso de, no mínimo, duas medicações inalatórias de manutenção; espirometria com Vef1/Cvf < 0.7, com Vef1 25-65% do predito pós-broncodilatador; histórico de, no mínimo 1 exacerbação moderada ou grave ou 2 moderadas e 1 grave, aquela que leva a hospitalização. Foram excluídos pacientes com diagnóstico de asma nos últimos 5 a 10 anos. Vale ressaltar que também foram excluídos pacientes com pneumonia ou exacerbações nas últimas seis semanas, exacerbações graves nos últimos 3 meses e pacientes com Vef1 abaixo de 25% do predito.

Pacientes elegíveis foram randomizados para receberem terapia com Formoterol +Budesonida +Glicopirrônio (ICS+LABA+LAMA) dose “alta” ou “baixa” ou LABA+ICS dose “alta” ou LABA+LAMA. A dosagem, em microgramas, de Budesonida foi baixa ou alta, com 160 mcg ou 320 respectivamente; Formoterol 9.6, e Glicopirrônio 18mcg por inalação. A dosagem total diária dos fármacos foi administrada via spray, 2 jatos de 12/12h.

1 a 4 semanas Run in   52 semanas – Spray 2x ao dia
Laba+Lama são descontinuados

ICS em monoterapia (se ICS/LABA no screening)

Manutenção com Ipratrópio

Salbutamol de resgate

Randomização n=2137 Bud /Gli /Form 320 /18/9,6 microgramas

n=2121 Bud /Gli /Form 160 /18/9,6 microgramas

n=2120 Gli /Form 18/9,6 microgramas

n= 2131 Bud /Form 320/9,6 microgramas

Tabela 1: Delinemento do estudo. Bud=budesonida Gli= glicopirrônio Form= formoterol

O objetivo primário do estudo foi avaliar o desfecho de exacerbações moderadas ou graves em pacientes sob tratamento. Desfechos secundários foram relacionados a dispneia, qualidade de vida, exacerbações, medicação de resgate, função pulmonar e mortalidade por todas as causas.

Sobre as características da população da amostra, n = 8.509, podemos destacar a proporção de pacientes com reversibilidade ao broncodilatador na espirometria, 31%. Oitenta por cento dos pacientes estava em uso de ICS e apenas 10,9% tinham Vef1 entre 30-25% (muito graves).

O objetivo principal de redução de exacerbações moderadas a graves com terapia tripla com doses baixas de ICS não mostrou diferença quando comparado à dose alta: RR (95% IC): 1.00 (0,91-1,10). Para esse objetivo, houve redução relativa de 13% na comparação com ICS/LABA e 24% em comparação com LABA/LAMA, RR 0,87 (0,79-0,95) e 0,76 (0,69-0,83) com p = 0,03 e < 0,001. Também houve redução estatisticamente significativa de exacerbações moderadas a graves com dose baixa de ICS comparada às formulações sem ICS (-25%) e sem LAMA (-14%). Observamos o efeito da adição de ICS como responsável pelos resultados positivos, principalmente com a dose alta.

Saiba mais: Hipersecreção no paciente com DPOC: como fazer o manejo farmacológico?

Os resultados exclusivos de exacerbações graves, que levam a hospitalizações, mostraram redução estatisticamente significativa somente no braço dose alta Bud/Gli/Form vs. Bud/Form na ordem de 20%, p = 0,02, efeito da adição do LAMA. Finalmente, o braço de dose alta das moléculas Bud/Gli/Form comparado a Gli/Form e todas as comparações com dose baixa de ICS não atingiram o p significante.

Sobre outros desfechos, o tempo para a primeira exacerbação moderada ou grave foi prolongado com ambas terapias triplas. O risco de morte por todas as causas foi maior nos braços com 2 fármacos ao invés de 3. O acréscimo de 320 microgramas de Bud mostrou redução de 46% do vs. aquele sem ICS (28 vs. 49; HR 0,54).

Conclusão

Dentre as limitações desse ensaio clínico, podemos citar a presença de 31% dos pacientes com reversibilidade ao broncodilatador na espirometria, fator de hiperreatividade brônquica sabidamente mais responsivo a corticoides inalatórios. Esse fato pode ter superestimado a resposta positiva aos desfechos do grupo com ICS. Ethos também traz população restrita, por ter incluído portadores de DPOC não tão graves pelos critérios de VEF1 e antecedente de exacerbações. A ausência de significância estatística para redução de exacerbações graves se dissocia da redução de mortalidade encontrada.

Por fim, Ethos é mais um ensaio clínico robusto que suporta o esforço da comunidade científica para evidenciar o que se busca há mais de uma década, redução de mortalidade em DPOC com tratamento farmacológico.

Referências bibliográficas:

  • Lipson DA, Barnhart F, Brealey N, et al. Once-daily single-inhaler triple versus dual therapy in patients with COPD. N Engl J Med. 2018; 378: 1671-80.
  • Lipson DA, Barnacle H, Birk R, et al. FULFIL trial: once-daily triple therapy for patients with chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2017; 196: 438-46.
  • Papi A, Vestbo J, Fabbri L, et al. Extrafine inhaled triple therapy versus dual bronchodilator therapy in chronic obstructive pulmonary disease (TRIBUTE): a double-blind, parallel group, randomised controlled trial. Lancet 2018; 391: 1076-84.
  • Rabe KF, et al. Triple Inhaled Therapy at Two Glucocorticoid Doses in Moderate-to-Very-Severe COPD. N Engl J Med. 2020; 383:35-48. doi: 10.1056/NEJMoa1916046

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