Qual a melhor abordagem do glaucoma em pacientes grávidas?

Existe uma população significativa de mulheres jovens afetadas pelo glaucoma e o manejo da doença pode ser particularmente desafiador durante a gravidez.

Existe uma população significativa de mulheres jovens afetadas pelo glaucoma durante seus anos de vida reprodutiva e o manejo da doença pode ser particularmente desafiador durante a gravidez. Um estudo alemão recente encontrou uma prevalência de 0,16% de mulheres brancas com glaucoma entre 18 e 40 anos. Por ser relativamente raro nessa população, o manejo específico não é tão bem estabelecido entre os oftalmologistas.

Uma revisão publicada na Current Opinion of Ophthalmology em março desse ano avaliou a literatura atual sobre o manejo de glaucoma em pacientes grávidas e as recomendações para cada estágio do período periparto.

Glaucoma na gravidez

Durante a gravidez, o risco específico de cada medicação materna deve ser considerado para proteger o desenvolvimento do feto. Os dados referentes ao uso de medicações para glaucoma na gravidez são limitados. A maioria das inferências são feitas a partir de risco teórico e modelos animais. Nenhuma das medicações para glaucoma tem categoria A na recomendação da Food and Drug Administration (FDA), com segurança demonstrada em estudos com humanos. Somente duas medicações tem categoria B, que infere segurança em humanos a partir de estudos animais (brimonidina e dipivefrina).

Dessa forma, toda gestante usando farmacoterapia deve estar orientada sobre os riscos potenciais do uso durante a gravidez. Para a grande maioria das medicações tópicas, a exposição sistêmica é muito baixa. De qualquer forma, reduzir a absorção ocluindo o ponto lacrimal é uma instrução dada a todas as gestantes utilizando medicação tópica.

Considerando que a organogênese ocorre da semana 1 a 8, danos ao feto podem ocorrer antes do reconhecimento da gravidez em gestações não planejadas ou em ciclos irregulares. O aconselhamento e planejamento pré concepção pode ser extremamente importante nessas pacientes. O follow up do glaucoma deve ser realizado pelo menos uma vez a cada trimestre e dependendo do caso ainda mais frequente. O uso de medicações tópicas anestésicas (proparacaína, tetracaína e lidocaína) no exame de rotina não foi estudado de forma rigorosa na gestação e os dados em animais são limitados (categoria C).

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Até hoje são utilizados na prática oftalmológica sem reports de efeitos adversos ao feto. Agentes midriáticos como a fenilefrina 2.5% são bem tolerados para o uso na gestação (baseado em evidências com preparações sistêmicas). Agentes anticolinérgicos usados para midríase (categoria C) devem ser evitados durante a gravidez pelo risco aumentado de complicações cardiovasculares e do sistema nervoso central. Além disso, também devem ser evitados durante a lactação pois podem reduzir a produção de leite.

É recomendado que o manejo do glaucoma na mulher em idade reprodutiva inclua o aconselhamento pré-concepcão para informar a paciente o risco potencial de progressão do glaucoma, para programar o laser ou manejo cirúrgico pré concepção se necessário e para reconhecer imediatamente a gravidez e alterar a terapia medicamentosa se preciso.

Primeiro trimestre

Como as primeiras oito semanas são críticas para o desenvolvimento fetal, a recomendação é para que, se possível, a paciente suspenda a medicação nessas primeiras oito semanas. Quando não for suficiente, é recomendada a monoterapia com brimonidina. O uso de outras medicações pode ser considerada usando a oclusão de ponto e após consultar o neonatologista. Betabloqueadores são a classe de anti-hipertensivos sistêmicos mais comumente utilizados pelos obstetras. Apesar disso, existem consensos teóricos sobre teratogenicidade e modelos animais que mostram reabsorção fetal e ossificação atrasada.

Um estudo mostrando mulheres expostas a timolol mostrou o mesmo risco de aborto espontâneo do grupo controle. O timolol pode ser um agente de primeira linha razoável durante o primeiro trimestre ou de segunda linha em combinação com a brimonidina. Já as prostaglandinas podem afetar a musculatura uterina causando contrações que podem levar ao aborto. Os estudos, porém, sugerem que não existe evidência de associação entre análogos de prostaglandinas e eventos fetais adversos. Geralmente não se recomenda o uso de análogos nessas pacientes de primeiro trimestre. Em pacientes que já usam três drogas e uma delas é a prostaglandina, ela geralmente é bem tolerada. É sempre necessário consultar as orientações do obstetra nesses casos.

Pacientes em terapia multidroga, incluindo inibidores da anidrase carbônica (IAC), não tiveram aumento dos eventos adversos fetais, sendo essas drogas consideradas relativamente seguras. Assim como as prostaglandinas, nós não recomendamos o uso de inibidores da anidrase como primeira ou segunda linhas de tratamento. Porém não existe evidência suficiente para descontinuá-los como parte de uma terapia máxima em pacientes com glaucoma avançado. A acetazolamida (inibidor sistêmico) não deve ser utilizado por ter efeitos teratogênicos em modelos animais. O uso deve ser restrito a pacientes com urgências oftalmológicas de curto prazo. Deve-se considerar a abordagem cirúrgica em pacientes em que fosse necessário estender o tempo de tratamento para evitar o uso.

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Segundo trimestre

Com a gravidez progredindo, o risco de malformação fetal grave por exposição a medicações diminui. No segundo trimestre a brimonidina se mantem segura para uso como agente de primeira linha. Os betabloqueadores porém podem causar crescimento intrauterino restrito quando administrados sistêmicamente. Caso seja extremamente necessário o uso, o monitoramento do crescimento fetal mais frequente será necessário.

Análogos de prostaglandina e IACs se mantem seguros para uso em tratamentos de terceira linha. O uso de IAC sistêmico (acetazolamida) é seguro após o período crítico de organogênese. Devemos lembrar que qualquer farmacoterapia só deve ser prescrita com a permissão do obstetra da paciente.

Terceiro trimestre

Após 36-37 semanas de gestação, a exposição fetal pode gerar complicações neonatais. É recomendado portanto a suspensão da brimonidina já que poderia causar uma depressão do sistema nervoso central (SNC) no período neonatal. Os betabloqueadores também podem causar arritmia fetal, bradicardia, hipotensão e depressão do SNC. Caso sejam extremamente necessários, o monitoramento cardíaco e do crescimento fetal devem ser frequentes.

Em gestações de alto risco e casos em que existe uma maior chance de parto prematuro, a suspensão desses agentes deve ser obrigatória no início do terceiro trimestre. O efeito tocolítico da latanoprosta pode dificultar a progressão do parto normal. Por esse motivo pode ser interessante suspender esses agentes no período periparto. Existe apenas um trabalho mostrando um caso de acidose metabólica grave em resposta à dorzolamida no período neonatal. É recomendado cuidado no uso desses agentes no período periparto apesar de ser improvável que a exposição fetal através do uso materno seja suficiente para causar acidose fetal.

A cesárea pode ser indicada por causa de uma doença ocular?

Uma pesquisa recente mostrou que o olho é uma das causas não obstétricas mais comuns de indicação de cesárea. Além disso, 3.6% dos oftalmologistas atualmente recomendam a interrupção eletiva da gestação em pacientes com glaucoma não controlado ou avançado. Essas recomendações são baseadas nos conceitos teóricos da manobra de Valsalva durante o trabalho de parto que aumentaria a pressão intraocular materna.

Os estudos atuais, porém, não encontraram evidências de aumento de pressão durante o parto normal. Não existe atualmente evidência para recomendar alterações nas vias de parto por causa de comorbidades oculares, a não ser em pacientes em pós-operatório recente.

Este texto faz parte de nossa série de doenças interdisciplinares na oftalmologia! Veja também:

Referências bibliográficas:

  • Strelow B, Fleischman D. Glaucoma in pregnancy: an update. Curr Opin Ophthalmol. 2020 Mar;31(2):114-122. doi: 10.1097/ICU.0000000000000641.

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