Qual a relação entre vício em internet e transtornos do sono?

Cada vez fala-se mais sobre o vício em internet. Por isso, optamos por abordar uma das questões associadas a este tema: os transtornos do sono.

Cada vez fala-se mais sobre o vício em internet. Por isso, optamos por abordar uma das questões associadas a este tema: os transtornos do sono. Para isso nos guiamos a partir deste artigo publicado este ano na Sleep Medicine Reviews.

É de conhecimento geral que o uso da internet vem aumentando ao longo dos anos. Um estudo de 2018 já relata que somos 4 bilhões de usuários em todo mundo. A maioria dos trabalhos indica que os principais usuários são adolescentes e jovens, embora também venha aumentando entre adultos. Por isso é necessário entender e estudar os possíveis riscos associados.

mãos de pessoa usando tablet, com computador ao fundo, devido ao vício em internet

Vício em internet

O uso patológico ou compulsivo de internet (geralmente referido como “vício em internet”) possui uma prevalência inconsistente entre as populações. Estudos epidemiológicos relatam uma variação em jovens entre 0,9% e 37,9% na Ásia, 0,3 e 8,1% nos EUA e entre 2 e 18,3% na Europa. Mas muitos desses números provêm de uma amostra conveniente, sendo que algumas metanálises têm mostrado resultados um pouco diferentes. Considerando o número de usuários da internet, uma parcela relativamente pequena, mas significativa pode ser considerada como possuindo vício em internet, o que justifica a pesquisa dos riscos.

O uso excessivo de internet compreende um comportamento problemático no que concerne às interações humanas com as tecnologias da comunicação e da informação, tendo até mesmo se transformado num problema de saúde pública. Termos como “vício em internet”, “uso compulsivo da internet”, “uso patológico da internet” e “comportamento aditivo em internet” têm sido usados para descrever os sintomas do uso problemático associado aos problemas sociais.

Nessa população podemos separar 2 grupos: aquele que usa a internet para facilitar a comunicação, aumentar a socialização e a autoestima e diminuir a solidão. E o outro grupo com comportamento patológico que gasta mais horas em atividades online, como jogos de apostas, consumo de pornografia, compras ou jogos.

Há quem defenda que este tema faça parte dos vícios comportamentais, o que inclui aspectos como tolerância, perda de controle, isolamento, comportamento mentiroso, negligência física e psicológica e problemas educacionais e em casa. Sérios problemas psicológicos e emocionais estão ocorrendo entre os usuários patológicos de internet e vêm sendo feitas associações com impulsividade, depressão, ansiedade, psicose, sintomas obsessivos-compulsivos e ansiedade social. Desses, parece que a depressão é a que mais possui correlação.

Além disso, uma das potenciais causas de depressão pode ser a ocorrência de transtornos do sono a partir do uso excessivo de internet. Vários estudos indicam uma relação entre esse comportamento e alterações no sono, como redução do tempo de sono, maior propensão a dormir mais tarde, insônia, maior queixa de fadiga, sonolência diurna e outros transtornos do sono. Outro aspecto é que a exposição à luz da tela está associada com a supressão da secreção de melatonina e atraso no sono e no despertar, piorando alguns problemas da consciência e do próprio sono.

O uso excessivo de mídias sociais e de jogos apresentam um importante papel no início e aumento dos problemas de sono entre jovens. Contudo, alguns estudos tentaram avaliar a qualidade do sono nessa população, mas em alguns não foi encontrada uma relação significativa. Nos que encontraram uma relação, a gravidade foi variável (enquanto um reportou uma associação de 52% com transtornos do sono, outro afirmou ser 3 vezes maior do que nos usuários não patológicos).

Uma revisão sistemática de 2014 relatou uma associação entre jogos online, uso problemático da internet e problemas com o sono e ressaltou que parece haver uma associação entre o uso de internet e uma menor qualidade do sono e insônia subjetiva. Apesar disso, havia a necessidade de se estabelecer uma avaliação quantitativa e avaliar a gravidade da associação.

Mais da autora: O uso de MDMA no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático

Novo estudo

Este novo trabalho foi feito a partir de um passo a passo sugerido por um guideline (PRISMA), sendo seu protocolo devidamente registrado. As buscas foram feitas em diversas bases de dados conhecidas e confiáveis. Foram incluídos estudos de coorte, caso-controle e transversais publicados em inglês entre janeiro de 1990 e agosto de 2018, tendo sido avaliados participantes de todas as idades. Num total, 23 trabalhos satisfizeram os critérios e foram incluídos, abrangendo uma população de 35.684 indivíduos pesquisados. Os trabalhos abrangeram estudos de 14 países, sendo a maioria asiáticos, seguidos pelos europeus e americanos.

Os resultados indicam que os pacientes com vício em internet, quando comparados aos que não possuem esta condição, tiveram maiores chances de sofrer com problemas de sono, assim como tempo de sono reduzido, sendo tal associação consistente em todos os trabalhos. Indivíduos adictos possuem 2,2 vezes mais chances de terem problemas de sono do que os não adictos. Em termos de duração do sono, foi encontrado que o grupo viciado em internet dormiu 0,24 horas a menos que indivíduos que não são viciados.

Embora possa não parecer clinicamente relevante isso deve ser levado em consideração em associação com os problemas de sono já encontrados. Ou seja, indivíduos adictos dormem menos e tem uma pior qualidade de sono, o que termina por contribuir com um aumento nos efeitos deletérios na saúde e no funcionamento diário. Em outras palavras, pessoas viciadas em internet podem não ter um sono efetivamente reparador (por ser mais curto e de pior qualidade) e, consequentemente, desenvolvem problemas de saúde, como fadiga e sofrimento emocional. Contudo, os resultados do trabalho não permitiram inferir a causalidade entre sono e saúde por questões envolvendo um dos estudos avaliados.

Apesar de alguns trabalhos sugerirem que a presença de problemas no sono pode causar um maior uso de internet, mais estudos são necessários nesse sentido. Também não é possível ainda inferir sobre como o vício em internet impacta no ritmo circadiano e nos horários de despertar devido à falta de evidências empíricas.

Mesmo sendo usada para trabalho, fonte de informação e entretenimento, o uso de internet pode desencadear um comportamento compulsivo numa parcela da população. Vale ressaltar que o transtorno de adicção à internet ainda não é um diagnóstico reconhecido e que a adicção pode estar restrita a uma aplicação ou comportamento, como cybersex, jogos, apostas, mídias sociais, etc. A maioria dos estudos sobre este tema acaba envolvendo jovens. Mas também é importante destacar que a população mais suscetível ao vício pela internet é justamente composta por crianças, adolescentes e jovens adultos, já que se encontram em desenvolvimento.

Clinicamente, isso demonstra que há um efeito negativo no sono quando adolescentes e jovens adultos adictos não se engajam na prática da higiene do sono. Os resultados também demonstram que há uma associação clara entre vício em internet e menor duração e problemas de sono. Ainda há necessidade de mais estudos e pesquisas para aprofundamento sobre este tema, mas as conclusões iniciais servem de alerta.

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Referência bibliográfica:

  • Alimoradi Z, Lin C, Brostrom A, Bülow PH, Bajalan Z, Griffiths MD, Ohayon MM, Pakpour AH. Internet addiction and sleep problems: A systematic review and meta-analysis. Sleep Medicine Reviews 47 (2019) 51e61.

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