Qual é a relação entre infecção e infarto agudo do miocárdio?

Este artigo vai focar em um tema bastante discutido e atual na Medicina: a relação entre infecção e infarto agudo do miocárdio.

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Recente artigo de revisão publicado no New England Journal of Medicine enfocou interessante e atual tema médico: a relação entre infecção e infarto agudo do miocárdio (IAM).

Já sabemos há mais tempo que a aterosclerose é uma doença inflamatória, e como tal é composta por células e proteínas componentes de uma reação inflamatória. Essa informação é corroborada por estudos em animais que demonstram o fato de um processo infeccioso distantemente localizado no organismo poder aumentar a atividade inflamatória em uma placa de aterosclerose coronária. O aumento da quantidade dos componentes da placa aterosclerótica, células inflamatórias e interleucinas, também é demonstrado em estudos post mortem.

Estudos de casos já demonstraram associação entre infecções (virais e bacterianas) e infarto agudo do miocárdio.
Outros estudos demonstraram que o risco de uma infecção causar IAM é maior no início de um processo infeccioso e esse risco persiste ainda, embora com menor magnitude, por prazo maior.

Alguns estudos de séries de casos encontraram risco de 8% de se desenvolver infarto agudo do miocárdio em uma internação hospitalar por pneumonia pneumocócica. Também se observou que, além de o risco de IAM ser bastante maior no início de um processo infeccioso, esse risco é proporcional à gravidade da infecção.

Encontrou-se que o risco de IAM permanece elevado por um breve período de tempo após a maioria das infecções. Em infeções urinárias ou respiratórias leves, o índice permanece elevado por cerca de até 12 meses após a infecção.

Leia mais: Risco de infarto agudo do miocárdio é maior em clima frio

Em casos de internação hospitalar por pneumonia, o risco de IAM permanece acima do risco basal por até 10 anos após a infecção. Se, nos estudos analisados, além da pneumonia, havia complicação com sepse associada, o risco de IAM era maior ainda. Em cinco anos após uma pneumonia complicada por sepse, o risco de IAM é o dobro do basal. No caso de pneumonia não complicada, o risco de se desenvolver IAM é de 1,5 vezes o basal no mesmo período de 5 anos.

Os potenciais mecanismos relacionados com o aumento do risco de IAM na infecção são relacionados a seguir separadamente para favorecer nosso entendimento de maneira didática:

Mecanismo 1: mais relacionado com o infarto tipo 1 (instabilização de placa aterosclerótica). Um processo de infecção, em geral bacteriano ou viral, que ocorre em algum local do organismo gera reação inflamatória localizada e também um aumento sistêmico de citocinas inflamatórias (IL 1, IL 6, IL 8, FNT alfa), as quais através do sistema circulatório acabam atingindo as placas ateroscleróticas, ativando células inflamatórias presentes nas citadas placas.

Essa ativação, entre outros efeitos causados, provoca aumento de produção de proteínas de resposta do hospedeiro como metaloproteinases e peptidases dentro da placa, promovendo uma irrupção oxidativa, causando instabilização das placas ateroscleróticas.

Além disso, o aumento de atividade inflamatória intra-placa, estimulado por interleucinas oriundas de processos infecciosos distantes, causa ativação das plaquetas com aumento de sua adesividade, redução da produção de anticoagulantes sistêmicos, além de aumento de proteínas pró-trombóticas, como tromboxano A2, por exemplo, favorecendo o processo aterotrombótico.

Mecanismo 2: mais relacionado com a chamada isquemia (desbalanço entre oferta e demanda de oxigênio) por aumento de demanda. Sabemos que as infecções causam inflamação e febre e essas aumentam as necessidades metabólicas das células dos tecidos e órgãos do corpo. É fato conhecido que a presença de febre é quase sempre acompanhada de aumento na frequência cardíaca, o que reduz o tempo de enchimento diastólico, momento em que ocorre a perfusão coronariana. Essa redução do tempo diastólico reduz o tempo de perfusão coronariana, diminuindo a oferta de sangue arterial aos miócitos, aumentando ainda mais a isquemia pelo desbalanço entre oferta e demanda de oxigênio nos cardiomiócitos.

No caso de a pneumonia ser a infecção causadora do estímulo à instabilização de uma placa aterosclerótica, há ainda o agravante de essa infecção – que pode estar contribuindo para um IAM através dos citados mecanismos 1 (instabilização de placa) e 2 (isquemia por desbalanço entre oferta e demanda de oxigênio) por ter como principal consequência direta de sua fisiopatologia o déficit na relação ventilação-perfusão causar, por fim, redução da quantidade de oxigênio disponibilizado ao miócito cardíaco.

Embora o raciocínio médico mais convencional seja considerar que a isquemia gerada no cardiomiócito pelo mecanismo 2 (recém comentado) explica a causa de todos os infartos do miocárdio relacionados com processos infecciosos, na verdade a isquemia (desbalanço oferta-demanda de oxigênio) explica apenas uma diminuta fração dos casos de IAM relacionados com infecção.

Mecanismo 3: relacionado com alterações estruturais (ruptura do miocárdio) e ultraestruturais (vacuolização e morte de miócitos) com elevação de níveis de troponina, surgimento de arritmias e outras anormalidades eletrocardiográficas. Essas lesões miocárdicas, que ocorrem por meio de alterações estruturais e ultraestruturais no miocárdio em geral ocorrem secundariamente a infecção por pneumococo e por vírus influenza.

Mecanismo 4: a tempestade de citocinas gerada por um processo de infecção estabelecido no organismo, como uma pneumonia ou uma pielonefrite, tem alguns efeitos orgânicos conhecidos e previsíveis: um deles é a inibição do uso de oxigênio pelas mitocôndrias, contribuindo para redução no desempenho metabólico dos cardiomiócitos, ocasionando diferentes graus de insuficiência cardíaca. A insuficiência cardíaca – tanto sistólica quanto diastólica – por mecanismos distintos e frequentemente conjuntos contribui para a exacerbação do citado “mecanismo 2” como causa de IAM.

Em outras palavras, uma alteração dentro da mitocôndria (inibição do uso de oxigênio), ocasionada pelo grande número de citocinas circulantes, causa alterações no ciclo cardíaco que poderá estimular a ocorrência de um IAM, às custas de alterações no balanço entre oferta e demanda de oxigênio ao miócito (mecanismo 2).

A revisão mostra metanálises de estudos randomizados e de estudos observacionais que evidenciam benefício cardiovascular em adultos e idosos que foram vacinados para pneumococo e vírus influenza.

Os médicos devem atentar para o aumentado risco de IAM durante e após as infecções agudas. Mesmo pequenos aumentos de troponina ultrassensível devem ser tomados como injúria miocárdica ou dependendo da dinâmica e quantidade desse aumento como infarto do miocárdio.

Nos casos de infecções agudas, deve-se atentar para manter o uso previamente indicado de ácido acetilsalicílico (AAS) e estatina ou considerar início de uso na ausência de contraindicações.

Direções Futuras

O artigo cita que mais estudos são necessários para definir com maior precisão quais os pacientes e especificamente com quais infecções agudas se beneficiam das potenciais intervenções indicadas. Além disso, observa um estudo que o risco de 8% de IAM nos pacientes hospitalizados por pneumonia é fato que impulsiona a realização de estudos prospectivos que testem uso de antiplaquetários e estatinas para prevenção ou mitigação do IAM.

Também precisa-se estudar melhor a possibilidade do uso de antiplaquetários e estatinas nos casos de pacientes de alto risco cardiovascular estimado por escores cardiológicos validados, como o escore de Framingham, por exemplo, em casos de outras infecções. Outra possibilidade que há de se considerar em estudos é o uso de estatinas e antiplaquetários em casos de sepse grave de qualquer natureza.

Por fim, o artigo conclui ao considerar que uma compreensão da interação entre infecções agudas e sistema cardiovascular facilitará os esforços para reduzir o risco de infarto agudo do miocárdio e de outros eventos cardiovasculares após infecções agudas.

Dica da Redação

  • Se um paciente infectado aumentar troponina, faça a curva. É o padrão de ascensão-decréscimo que diferencia causas isquêmicas versus não isquêmicas de troponina.
  • Não há um tratamento específico e devemos, até novas evidências estarem disponíveis, seguir o mesmo protocolo das síndromes coronarianas agudas, observando possíveis contraindicações em função do quadro infeccioso.

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Referências:

  • Acute Infection and Myocardial Infarction Musher DM, Abers MS, Corrales-Medina VF. N Engl J Med. 2019 Jan 10;380(2):171-176. doi: 10.1056/NEJMra1808137 PMID: 30625066hydmkmk

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