Qual o papel de estratégias de cuidado centradas em idosos em cirurgias de emergência?

É notório o peso de especificidades da senilidade, em especial na morbimortalidade, em cirurgias de emergência em idosos. Por isso o tema é alvo de estudo.

É notória a influência de aspectos específicos da senilidade, em especial na morbimortalidade, de idosos submetidos a cirurgias de emergência. Características como fragilidade, sarcopenia, associação de múltiplas comorbidades além de outras, tornam este grupo mais susceptível às complicações pós-operatórias. Dessa forma, gerando eventuais desfechos negativos e aumento dos custos hospitalares.

Diante da complexidade desses problemas, a adoção de soluções multimodais, incorporando diversas estratégias preventivas, a exemplo dos protocolos de recuperação acelerada pós-operatória, pode atuar como uma ferramenta de grande valia e melhoria no cuidado geral do paciente idoso.

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Exemplo da população de idosos que adentram no hospital para realizar cirurgias de emergência

Estratégias voltadas para idosos em cirurgias de emergência

Ferramentas para o cuidado do idoso enfermo não são novas. Por exemplo, o modelo de cuidado agudo do paciente idoso (Acute Care for the Elderly – ACE). Originalmente, ele foi desenvolvido para cuidados agudos em enfermaria, sendo pautado em um molde centrado no paciente, na revisão médica e na atuação interdisciplinar. Além de agir promovendo a limitação do declínio funcional e cognitivo além de demonstrar tendências na redução dos custos de saúde, internação hospitalar, readmissões e mesmo a melhora da satisfação do paciente e equipe de saúde. As evidências dessa prática ainda são modestas na literatura, em especial em sua aplicação nos pacientes ortopédicos. Desse modo, até o momento não há estudos relatados de aplicação de modelo semelhante no cuidado de idosos admitidos agudamente em unidade cirúrgicas.

Diante de tal lacuna e possíveis resultados favoráveis, o grupo canadense liderado por Khadaroo RG publicou no JAMA Surgery um recente estudo sobre a adoção de estratégias voltadas para idosos no ambiente cirúrgico (Elder-Friendly Approaches to the Surgical Environment -EASE). O estudo supôs que tal tipo de cuidado seria capaz de atuar favoravelmente na evolução clínica deste grupo de indivíduos.

Métodos do estudo sobre cirurgias e idosos

O grupo realizou um estudo prospectivo, não randomizado, multicêntrico (dois hospitais terciários de grande volume e similares em Alberta – Canadá), controlado para antes e após a intervenção. O estudo se deu no período entre abril de 2014 a março de 2017. Os dados inicialmente foram coletados entre 2014 a julho de 2015, seguido de um período de 3 meses para implementação do programa EASE em um dos locais. Após esta fase, um dos centros seguiu com a estratégia EASE e o outro com o cuidado habitual, este funcionando como o controle.

Somente foram elegíveis indivíduos ≥ 65 anos com internação hospitalar para cirurgia geral de emergência, em ambos os centros. Aqueles que foram transferidos de outras unidades, residiam fora de Alberta, foram submetidos às cirurgias eletivas, paliativas, trauma, não abdominais ou ainda que eram previamente institucionalizados com necessidade de assistência para 3 ou mais atividades de cuidados de vida ou pacientes terminais foram excluídos.

As intervenções do programa EASE consistiam em:

  • Alocação dos pacientes elegíveis em uma unidade própria para melhor coordenação do cuidado;
  • Integração de um time de geriatria (incluindo médico e enfermagem) na equipe multidisciplinar;
  • Introdução de práticas baseadas em evidências voltadas para idosos de forma padronizada (incluindo visitas para “conforto”, rastreio de delirium, mobilização proativa, retirada precoce de dispositivos adjuntos – drenos, cateteres, além do uso correto de medicamentos com especial cuidado para interações nesta faixa etária);
  • Promoção de atividades de reabilitação com o programa BE FIT (Bedside Reconditioning for Functional Improvements);
  • Planejamento de alta precoce.

Durante a avaliação dos dados, informações sociodemográficas incluíram o estado de fragilidade duas semanas antes da admissão. Sendo essa avaliado pela escala clínica de fragilidade (CFS) e as definições de complicações seguiram classificações internacionais incluindo a graduação de Clavian-Dindo.

Desfechos

O desfecho primário foi a proporção de pacientes que sofreram uma complicação intrahospitalar maior (Clavian-Dindo III e IV) e óbito. Já os secundários incluíram a proporção de pacientes que faleceram ou foram readmitidos em 30 dias ou 6 meses da internação índice, proporção daqueles que sofreram complicações intra-hospitalares menores, tempo de internação e necessidade de unidade de cuidado alternativa após a alta.

Do total de 6.795 pacientes rastreados, foram elegíveis somente 684, destes 169 avaliados no centro de controle e 153 no centro sob intervenção. O total dos pacientes submetidos ao modelo EASE foram 140, enquanto 544 receberam os cuidados padrão. A média de idade foi de 76 anos, com uma predominância do sexo masculino (52.2%). Do total mais da metade (57.7%) foram classificados como vulneráveis e 20.3% frágeis. A maioria (91.5%) tinha procedência da comunidade sem necessidade de suporte adicional e os diagnósticos cirúrgicos mais frequentes relatados foram: colecistite (25.9%), obstrução intestinal (18.7%), hérnia (14.5%) e apendicite aguda (12%); com a maior parte sendo encaminhada para enfermaria no pós-operatório imediato (88.7%) e apenas 11% para unidades de terapia intensiva.

Em se tratando de um protocolo em implementação, 92.9% do grupo de intervenção recebeu ao menos uma parte dos cuidados planejados, com apenas 10 sem intervenção nenhuma (7 tiveram alta no primeiro dia pós-operatório). A aderência ao protocolo variou, portanto, de 52.1 a 60.6%, com a atuação da equipe geriátrica aumentando sobremaneira (8 vezes, p < 0,001) na unidade sob intervenção.

Comparativo dos achados

Ao se comparar os achados pré- e pós-EASE no local de intervenção, houve significância estatística no uso de cateterização vesical, nutrição parenteral total e mobilização precoce pós-operatória (todos com p < 0,05), ainda com uma redução pela metade da incidência de delirium. Tais alterações não foram observadas nos mesmos períodos na unidade hospitalar de controle. Quando avaliado o desfecho primário, a comparação no centro de intervenção nas fases pré- e pós-EASE demonstrou uma redução estatisticamente significativa de 19% para óbito e complicações maiores além de decréscimo de 19% para todas as complicações (todos com p < 0,001). No centro de controle, não houve diferença no desfecho primário entre as fases e ainda houve um aumento na incidência de complicações totais (11%) e menores (18%), ambas com significância estatística. Comparando-se ambos os centros pela análise de diferença-em-diferenças (DID), houve efeito da intervenção para o total de complicações e o índice abrangente de complicações.

Já na avaliação dos desfechos secundários observou-se a redução em 3 dias do tempo de internação hospitalar, necessidade de transferência para outra unidade de cuidados no centro de intervenção, todavia sem alterações no controle. Óbitos ou readmissões após 30 dias ou 6 meses, permaneceram inalterados em ambos os centros.

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Conclusão

Os achados deste estudo pioneiro demonstram um potencial para a melhora dos desfechos neste seguimento de pacientes intrinsecamente vulneráveis com a adoção de medidas padronizadas preventivas e de pronta resposta por equipes capacitadas e com abrangência multidisciplinar. Apesar das limitações inerentes ao trabalho como não randomização, confundidores não mensurados, não mensuração dos efeitos isolados de cada intervenção, além de evidências ainda fracas; contempla-se, a partir do mesmo, a capacidade de construção e disseminação de estratégias voltadas especificamente para o grupo de enfermos cirúrgicos idosos. Novos estudos se fazem necessários para avaliação de impactos financeiros, sustentabilidade e viabilidade deste protocolo em outras populações cirúrgicas e centros de saúde.

Referências bibliográficas:

  • Khadaroo RG, Warkentin LM, Wagg AS, et al. Clinical Effectiveness of the Elder-Friendly Approaches to the Surgical Environment Initiative in Emergency General Surgery. JAMA Surg. 2020;155(4):e196021 (doi:10.1001/jamasurg.2019.6021)
  • McDonald SR, Heflin MT, Lagoo-Deenadayalan SA. Care Redesign for Emergency General Surgery in Older Adults. JAMA Surg. 2020;155(4):e196022. (doi:10.1001/jamasurg.2019.6022)

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