Qual o tempo ideal para tratar um aneurisma roto?

Apesar dos fatores de risco serem bem definidos e o manejo clinico intensivo ser essencial, quando intervir cirurgicamente em um aneurisma roto?

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Sabe-se que a hemorragia subaracnoide (HSA) associada aos aneurismas cerebrais é um evento com alta taxa de morbimortalidade. Apesar dos fatores de risco serem bem definidos e o manejo clinico intensivo ser essencial, quando intervir cirurgicamente em um aneurisma roto?

De fato as diretrizes preconizam que o reparo do aneurisma através do tratamento cirúrgico tradicional ou endovascular deve ocorrer o mais rápido possível, entretanto qual o tempo ideal, por assim dizer, qual o tempo porta-clipe e/ou porta embolização ideal? Qual tempo ideal pra que o paciente tenha o benefício do tratamento sem os riscos associados e com o melhor custo-beneficio? Como o serviços de referência devem se organizar para manter a estrutura e recursos humanos necessários para dar suporte ao paciente?

Apesar desse questionamento, defende-se um protocole de emergência de 24 horas para o reparo de um aneurisma roto, como forma de reduzir a morbidade e a mortalidade por ressangramento aneurismático. Assim a adequação dos sistemas de referência à hemorragia subaracnoide, para oferecer tratamento imediato de aneurismas levaria a uma melhora significativa no desfecho da doença.

Paciente com HSA aneurismático possuem um risco de ressangramento de 4,5% nas primeiras 24 horas e, em seguida, 14,5% nos próximos 13 dias. Entretanto, nas ultimas décadas os avanços em cuidados intensivos, como o controle rigoroso da pressão arterial, o manejo da dor, a prevenção do náuseas e vômitos, a reversão de coagulopatias e a admissão em uma unidade de terapia intensiva neurológica com equipe experiente, reduziram as taxas de ressangramento aneurismática bem como a morbimortalidade relacionada ao HSA. Dessa forma, não somente o tratamento imediato mas o suporte clinico são fatores decisivos no sucesso do tratamento.

Estudo publicado no JNS1, por J.R. Linszey et al., analisou os dados de um serviço de atendimento de referência para HSA, no qual o tratamento cirúrgico é realizado dentro de 24 horas da internação hospitalar em todos os pacientes estáveis. Os pacientes são tratados dentro do horário regular de cirurgias no turno diurno e os que apresentam a HSA durante a noite são internados em UTI até a manhã do dia seguinte, quando o reparo do aneurisma é realizado.

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Partindo desse cenário levantou-se questionamentos: o tempo ideal de porta-clipe ou porta-embolização? O paciente que chegar durante a noite se beneficia de fazer logo o tratamento do aneurisma ou poderia ser admitido em Unidade Intensiva e tratado assim que possível pela manhã, já que nem todos os serviços dispõem de médico especialista ou mesmo um equipe treinada e com experiência pela noite? Levando em consideração que o tempo ideal isentaria o paciente do risco de um ressangramento.

O estudo comparou dados demográficos e clínicos de pacientes que tiveram ocorrência de ressangramento após um HSA inicial com aqueles que não apresentaram subsequente ressangramento após um HSA. Avaliando fatores de risco e desfecho desses pacientes, os que tinha antecedentes médicos de doença coronária (p = 0,003) ou fumantes (P=0,01) foram significativamente mais propensos a desenvolver ressangramento.

Um HSA com maior Hunt e Hess (p = 0,004), WFNS (p <0,001) ou Hijdra SAH (p = 0,03) também foram associados à ressangramento. Dos 317 pacientes que apresentaram HSA aneurismática, somente 24 (7,6%) tiveram incidência de ressangramento em qualquer ponto do tempo após a ruptura inicial do aneurisma. E desses 24 somente 1 (4,2%) ocorreu ressangramento que poderia ter sido prevenido com um protocolo de reparo de aneurisma ultra-precoce de 24 horas, pois veio a óbito com 8 horas do sangramento inicial.

Dos 317 paciente, apenas 24 apresentaram ressangramento após a internação hospitalar, levando a uma taxa de ressangramento geral de 7,6% . Em 14 dos 24 paciente (58,3%) incidentes de reavaliação ocorreram antes da transferência do paciente para a Unidade de Referência e, portanto, não poderiam ter sido prevenidos por um protocolo de tratamento ultra-precoce de 24 horas.

Esse protocolo não impediu a ressangramento em outros nove pacientes por vários motivos, incluindo resultados inicialmente negativos na angiografia diagnóstica, incapacidade de tolerar o tratamento devido à instabilidade médica ou hemorragia pós-operatória. Apenas 1 dos 24 (4,2%) ocorrências de reavaliação poderiam potencialmente ter sido evitadas por um protocolo tratamento ultra-precoce de 24 horas, se a hemorragia intracerebral do paciente tivesse sido reconhecida como devida a um aneurisma subjacente, e se esse aneurisma tivesse sido imediatamente protegido. Isso resultaria em uma redução global de 0,3% na taxa de ressangramento.

Considerando que dados da literatura sugerem que o tratamento imediato de aneurismas em pacientes com HSA levaria a melhores resultados, os autores demonstram que apenas uma incidência de ressangramento poderia ter sido prevenida pelo tratamento ultra-precoce e, em seguida, apenas se o sangramento tivesse sido imediatamente reconhecido como aneurismático em vez de hipertensivo.

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Para o tratamento de aneurismas cerebrais rotos, o tempo de tratamento ideal ainda não esta tão claro, embora um protocolo de tratamento de aneurisma ultra-precoce de 24 horas tenha benefícios teóricos, também não está isento de custo significativo. As equipes clínicas especializadas em cuidados cerebrovasculares são composta de neurocirurgiões, radiologista intervencionista, anestesiologistas, enfermeiros, técnicos de radiologia intervencionista e médicos e enfermeiros de cuidados intensivos. Dessa forma, haveria custos significativos para manter essas equipes especializadas disponíveis 24 horas por dia. O uso de tais equipes em horas extras impedirá que a mesma equipe execute procedimentos eletivos e, assim, resulte em falta de eficiência e na necessidade de múltiplas equipes.

O tratamento do aneurisma de forma ultra-precoce em 24 horas em uma era de cuidados médicos econômicos pode levar ao estabelecimento de equipes clínicas sem horário definidos e sem especialização significativa. Por outro lado, o paradigma atual de tratamento precoce permite que os pacientes sejam estabilizados em Unidades de Tratamento Intensivo, sendo o tratamento cirúrgico realizado durante o dia. Isso permite que a equipe de tratamento seja produtiva no trabalho cirúrgico eletivo.

No estudo, praticamente todas as ocorrências de ressangramento apresentaram razões inequívocas para não terem sido evitadas pelo tratamento ultra-precoce (o ressangramento ocorreu antes da admissão em Unidade de referência, o aneurisma não foi detectado antes do ressangramento ou o paciente era muito instável para se submeter à uma intervenção). Dos 317 pacientes que apresentaram um HSA, 14 (4,4%) incidentes de ressangramento foram em indivíduos transferidos que sofreram ressangramento antes de chegarem ao hospital de referência. Esta taxa de 4,4% corresponde à taxa de ressangramento de 4,5% dentro das 24 horas de admissão relatadas em outros estudos.

Dessa forma, extrapolando para nossa realidade: o Brasil é um país de proporções continentais; a admissão em uma unidade de saúde com mínimo suporte e rapidamente transferido de forma segura para uma unidade de referencia é um realidade distante da pratica. Considerar também que boa parte dos pacientes são atendidos unicamente pelo SUS, onde tem que levar em consideração que a gestão de recursos com avaliação contínua do custo-beneficio é importante; e a formação de recursos humanos e equipes treinadas está muito aquém da demanda de atendimento. Logos esses questionamentos também são pertinentes para nossa realidade.

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