O suprimento de sangue dos Estados Unidos está perigosamente baixo, levando a Cruz Vermelha americana a anunciar uma crise nacional de sangue pela primeira vez.
A pandemia de covid-19 causou um declínio na participação de doadores, o cancelamento de unidades de sangue e desafios de pessoal, levando à pior escassez de sangue em mais de uma década, informou a Cruz Vermelha. No ano passado, a organização humanitária viu um declínio de 34% em novos doadores.
“Caso o suprimento de sangue do país não se estabilize em breve, o sangue que salva vidas pode não estar disponível para alguns pacientes quando necessário”, alertou em comunicado conjunto com os Centros de Sangue da América e a Associação para o Avanço do Sangue e Bioterapias.
A escassez significa que os médicos estão sendo forçados a tomar decisões difíceis sobre quem deve obter sangue e quem precisa esperar até que haja mais suprimento.
Os especialistas acreditam que a crise nos Estados Unidos pode durar ainda meses e que pode ter um impacto grande no sistema de saúde americano, já enfraquecido pelo aumento de internações por casos de covid-19.
No Reino Unido, em outubro de 2021, o centro de sangue e transplantes do sistema de saúde público britânico (NHS) também acendeu um alerta depois de o suprimento ter caído para níveis críticos. Na Escócia, por exemplo, o número de doadores era o mais baixo em todo este início de século, de acordo com dados divulgados em dezembro do ano passado.
Queda de doações de sangue no Brasil
Logo no início da pandemia, a covid-19 fez caírem muito as doações de sangue. Porém, apesar dessa queda drástica, o consumo de sangue estava mais restrito, uma vez que a população estava em casa e os acidentes de trânsito foram drasticamente reduzidos.
Agora, porém, com a volta da circulação das pessoas, dos acidentes de trânsito e das cirurgias, o consumo de sangue voltou a crescer – mas as doações continuam muito abaixo do ideal.
Na Fundação Pró-Sangue, que abastece mais de 100 hospitais da região metropolitana de São Paulo, os médicos contam que nunca viram uma escassez tão longa como a vivida atualmente.
“Essa é uma crise sem precedentes. Já tivemos crises piores, mas pontuais, de curta duração. Neste ano está bem mais difícil para bancos públicos e particulares de sangue. Todo mundo está restringindo o que se usa em transfusões”, disse a médica Helena Sabino em entrevista à BBC News Brasil.
O Hemocentro de Brasília também registrou queda de 23% nas doações na primeira semana de janeiro – atribuída ao aumento nos casos de Covid-19 e de Influenza.
Outro hemocentro que apresenta uma queda crítica nas doações é o da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que está com uma queda de 30%, podendo chegar a 70% nas doações de sangue, quando comparado aos períodos normais.
O Ministério da Saúde calculou que em 2020 as doações de sangue caíram 10% em todo o território brasileiro. Mas o remanejamento de bolsas de sangue entre os diversos estados impediu que houvesse escassez.
Em nota em 28 de janeiro deste ano, a pasta afirmou que, entre janeiro e setembro de 2021 houve uma ligeira alta (de 4%) nas doações em relação ao mesmo período de 2020. Mas advertiu que os períodos de férias e feriados prolongados são de alerta, “uma vez que as doações ficam mais escassas, mas acidentes e complicações de saúde não param de acontecer”.
De acordo com o Banco de Sangue de Serum, responsável pela distribuição de sangue para hospitais da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) e particulares do Rio de Janeiro, está precisando urgentemente de doações de sangue, principalmente do tipo “O” negativo.
“Nossos estoques nesse momento estão 54% abaixo do ideal e as doações de sangue estão 18% abaixo do mínimo ideal. Precisamos de 100 coletas por dia para equilibrarmos esse índice, o que não vem ocorrendo há muitos dias. Se esse cenário se estender por muito tempo pode haver um colapso”, explicou a médica hematologista Patrícia Gomes Moura, que trabalha na instituição.
Com o aumento dos casos de covid-19 pela variante Ômicron e da influenza, há muitos doadores que se contaminaram e tiveram que se afastar. E há ainda as pessoas que não contraíram as doenças, mas que ficam receosas em doar sangue neste momento.
Novo protocolo de aptidão de doação de sangue
O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceram um novo protocolo de aptidão de doação de sangue para quem teve covid-19, reduzindo de 30 para dez dias após o período de recuperação completa da enfermidade.
“Isso é um fator positivo que poderá mobilizar mais pessoas, uma vez que precisamos que esses doadores retornem o quanto antes”, ressaltou a hematologista Patrícia Moura.
Um outro aspecto que tem influenciado na queda das doações é a desinformação sobre o período de inaptidão em relação às vacinas, pois muitos consideram que, ao se vacinarem, precisam esperar um tempo maior do que o necessário para doarem sangue.
“Os doadores que recebem o imunizante contra o novo coronavírus se tornam inabilitados a doarem sangue por um período curto: Coronavac são dois dias, já Astrazeneca, Pfizer e Janssen são sete dias. Por isso, é importante que os médicos esclareçam à população para esse prazo e que a doação seja realizada antes ou depois da vacinação”, enfatizou a especialista.
*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED
Referências bibliográficas:
- O’donnell N. Red Cross declares first-ever national blood crisis. CBS News. January 11, 2022. https://www.cbsnews.com/news/red-cross-blood-crises-united-states-covid-19/
- Queda sem precedentes em doações de sangue coloca bancos em alerta no Brasil e no mundo. BBC News. 31 de janeiro de 2022. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60147860
- Banco de Sangue de Brasília alerta para cenário de possível colapso no abastecimento aos hospitais. Federação Brasileira de Hospitais. 15 de fevereiro de 2022. https://www.fbh.com.br/banco-de-sangue-de-brasilia-alerta-para-cenario-de-possivel-colapso-no-abastecimento-aos-hospitais/